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O PIX, o DREX e o futuro do dinheiro: o que as críticas de Trump acertam e o que o Brasil precisa discutir

Com mais de 90% da população economicamente ativa utilizando o PIX, o país teria realizado — ainda que sem nomear explicitamente — o primeiro passo rumo a uma infraestrutura monetária digital centralizada

Pix -  (crédito: Bruno Peres/Agência Brasil)
Pix - (crédito: Bruno Peres/Agência Brasil)

VINÍCIUS DO CARMO, economista pela PUC São Paulo, mestre em planejamento e demografia, gestor público e especialista em impostos

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O debate sobre o PIX ganhou proporções internacionais após o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e o United States Trade Representative (USTR) incluírem o sistema brasileiro entre as supostas "práticas comerciais injustas" que favoreceriam um modelo estatal em detrimento de empresas privadas estrangeiras. A acusação, ainda que marcada por interesses políticos, levanta uma questão legítima: até que ponto o Banco Central do Brasil atua como regulador neutro — e até que ponto passou a ser também um agente ativo no mercado de pagamentos?

Em 22 de julho de 2025, o prêmio Nobel de Economia Paul Krugman publicou o artigo "Has Brazil Invented the Future of Money?", no qual descreve o PIX como o "meio caminho" para um sistema de moeda digital do Banco Central (CBDC). Krugman afirma que o Brasil conseguiu criar "um sistema de pagamentos público, universal, gratuito e instantâneo, administrado pelo Estado — algo que os Estados Unidos não conseguiram implementar devido ao poder das instituições financeiras privadas". 

Com mais de 90% da população economicamente ativa utilizando o PIX, o país teria realizado — ainda que sem nomear explicitamente — o primeiro passo rumo a uma infraestrutura monetária digital centralizada.

A exposição de Krugman pode nos levar a uma inquietante constatação: o fato de que o Banco Central, órgão regulador do sistema financeiro, tornou-se também operador de um serviço que regula. Esse duplo papel é o cerne das críticas internacionais — inclusive as de Trump.

Em artigo publicado na Folha de São Paulo (9/9/2025), o professor Jean Paul Veiga da Rocha, da USP, chama atenção para o fenômeno da "encruzilhada monetária das democracias". Segundo ele, o avanço das moedas digitais — sejam descentralizadas, como as criptomoedas, ou centralizadas, como as CBDCs — desafia o equilíbrio entre liberdade individual e poder estatal. De um lado, há o modelo anárquico e volátil das criptomoedas; de outro, o modelo hipercentralizado de uma moeda digital estatal capaz de rastrear, condicionar e programar o uso do dinheiro. A criação do DREX — a versão brasileira da CBDC — representa, portanto, mais do que uma inovação tecnológica: representa um novo tipo de centralização política e econômica, em que o Estado assume o controle direto da circulação financeira dos cidadãos.

Jean Paul alerta que, ao concentrar em uma única autoridade a emissão da moeda e o controle de sua movimentação digital, as democracias precisam discutir limites institucionais, salvaguardas à privacidade e instrumentos de controle democrático. Se o DREX é tecnicamente viável — e parece ser —, o que falta é transparência e debate público sobre seus impactos.

Essa ausência de debate é justamente o ponto onde a crítica de Trump toca uma questão real, ainda que por vias distorcidas. A matéria publicada pelo Correio Braziliense, em 18 de julho de 2025, mostra que o governo norte-americano alega que o Brasil "favorece soluções de pagamento desenvolvidas pelo Estado em detrimento de concorrentes privados internacionais". 

Embora o contexto político e protecionista da gestão Trump seja evidente, há fundamento econômico: o Banco Central utilizou recursos públicos para criar uma infraestrutura que agora concorre diretamente com empresas privadas, nacionais e estrangeiras, que antes dominavam o mercado de pagamentos.

Assim, a autoridade reguladora — responsável por garantir neutralidade e equilíbrio — transformou-se em agente econômico dominante, com poder regulatório e tecnológico concentrado. O sucesso do PIX, embora inegável, cria uma zona cinzenta institucional, na qual o Estado concorre com os próprios agentes que supervisiona.

O Banco Central do Brasil é reconhecido por sua competência técnica e estabilidade. Porém, ao mesmo tempo em que regula os sistemas de pagamento, ele agora opera diretamente o mais popular deles. Num cenário em que o DREX avança, o alerta é claro: quem controla o código controla o dinheiro — e quem controla o dinheiro controla boa parte da economia e das relações sociais.

Do ponto de vista da concorrência internacional, o PIX é gratuito ao usuário, mas financiado com recursos públicos. Essa estrutura altera a lógica de mercado e limita o espaço de atuação de empresas que dependem de modelos privados de cobrança. Em outros países, o domínio de uma instituição sobre toda a infraestrutura de pagamentos seria visto como um caso de regulação antitruste; no Brasil, é o próprio regulador que ocupa essa posição.

Isso não significa que o PIX deva ser questionado enquanto política pública. Ao contrário: é uma das mais importantes inovações financeiras do mundo recente, promovendo inclusão, eficiência e segurança. Mas o debate que o acompanha precisa ser mais honesto e transparente: qual é o papel do Banco Central em um ambiente digitalizado e até onde vai o seu poder?

O que está em jogo não é apenas a funcionalidade do sistema, mas os limites democráticos da autoridade monetária. O avanço tecnológico redefine fronteiras entre o público e o privado, e quando o Estado passa de guardião da moeda a operador da infraestrutura sobre a qual ela circula, há uma transformação estrutural que exige novos mecanismos de controle e responsabilidade institucional.

 


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postado em 24/10/2025 06:02 / atualizado em 24/10/2025 17:40
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