
LUIZ ALVES — Ògan Assogbá, integrantedo Projeto Oníbodê
Por muito tempo, o povo negro foi relegado à condição de coadjuvante em sua história. Nos contaram que política e religião não deveriam se misturar, mas somente nós acreditamos e, enquanto isso, as bancadas evangélicas ganharam força nos espaços legislativos — de câmaras municipais ao Congresso Nacional —, muitas vezes, sendo usadas para barrar avanços nas lutas do povo negro e das comunidades de matriz africana. Nesse contexto, torna-se urgente e necessário que o protagonismo negro esteja, cada vez mais, presente na política e em todas as ações de defesa da nossa identidade, tradições e direitos.
Ser negro/a e praticante de uma religião afro-brasileira é, por si só, um ato político diário. É resistir à opressão histórica, ao racismo estrutural e religioso. Por isso, precisamos ocupar os espaços de poder com nossas representações, nossas vozes e crenças. Não podemos ser apenas apoiadores/as ou figuras secundárias — temos que estar à frente das lutas. Como diz o princípio africano do Ubuntu: "Eu sou porque nós somos". Viver em coletividade é também garantir que quem sobe ajude quem está vindo atrás.
É fundamental incentivar a juventude e o povo de axé a buscar educação, formação política e espiritual para que possam assumir papéis decisivos com a caneta na mão e a ancestralidade no coração. Precisamos eleger parlamentares negros e, especialmente, afrorreligiosos/as, capazes de promover políticas públicas que garantam liberdade de culto, segurança alimentar, preservação cultural, respeito aos rituais tradicionais, acesso à terra e o combate ao racismo institucional. Que Xangô, orixá da Justiça e da retidão, guie-nos nessa jornada. Que saibamos conciliar fé e política com sabedoria, determinação e coragem.
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A história das religiões de matriz africana no Brasil é de resistência, adaptação e permanência. Apesar da escravidão, dos quilombos destruídos, dos terreiros perseguidos e das leis que criminalizaram nossos ritos, nossos ancestrais mantiveram vivos os tambores, os cantos, os nomes dos orixás, os segredos da cura e os ensinamentos da sabedoria ancestral. É nosso dever honrar essa herança não apenas com devoção, mas com ação. E a ação começa na educação.
A educação é a maior arma contra o racismo — seja ele social, étnico seja religioso. É por meio da leitura, do estudo, da crítica e da formação intelectual que nossos jovens podem desconstruir o colonialismo interno, aquele que ainda tenta nos convencer de que nossas tradições são "atrasadas", nossas crenças são "superstições" e nossa espiritualidade é "demoníaca". Nada mais falso. A religiosidade afro-brasileira é um sistema filosófico, ético e cosmológico profundamente complexo, que ensina equilíbrio, responsabilidade, respeito à natureza e ao próximo. É uma ciência ancestral que merece ser valorizada, estudada e defendida com orgulho.
É por isso que o protagonismo político do povo negro e das comunidades afrorreligiosas não pode ser adiado. Precisamos de mais negros nas universidades, nos tribunais, nas câmaras municipais, nas assembleias legislativas, no Congresso. Precisamos de mais mães e pais de santo com mandato, com voz ativa na construção de leis que protejam a diversidade religiosa. Precisamos de jovens negros que, ao invés de serem afastados do poder, sejam formados para ocupá-lo com dignidade, ética e coragem.
A fé não é inimiga da política. Pelo contrário, quando guiada por princípios de justiça, a fé pode ser uma das forças mais transformadoras da política. Quantos parlamentares se dizem cristãos, mas votam contra os pobres, contra os direitos das mulheres, contra a igualdade racial? Nossa espiritualidade nos ensina o oposto: que todos são filhos/as de um mesmo Olorum e, portanto, merecem respeito, pois a verdadeira religião está no cuidado com o outro.
O caminho é longo, mas não estamos sozinhos. Temos nossos ancestrais. Temos os orixás nos protegendo. Temos a força do povo, a sabedoria das pessoas mais velhas e o entusiasmo das mais novas. E a certeza de que, enquanto a juventude negra ler, tocar atabaque e usar bem o título eleitoral, a luta seguirá viva.
Que filhos/as de axé saibam que estudar é ato sagrado. Que votar é um ato de proteção. Que liderar é um dever espiritual. Que a fé e a luta caminham juntas, como irmãs inseparáveis. E que o futuro do Brasil verdadeiramente justo e plural só será construído com as mãos, os corações e as mentes do povo negro à frente.
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