
Jacqueline Valles — advogada criminalista, mestre em direito penal, especialista em criminologia, professora universitária e membro da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (Abracrim)
A prisão preventiva do ex-presidente Jair Bolsonaro, decretada na madrugada desse sábado (22/11), é mais do que uma medida cautelar: ela desenha o roteiro de como ele deverá cumprir sua pena de 27 anos e 3 meses por tentativa de golpe de Estado. A decisão do ministro Alexandre de Moraes, com o aval da Procuradoria-Geral da República (PGR), foi construída sobre dois pilares do Código de Processo Penal: a garantia da aplicação da lei penal e a preservação da ordem pública, sinalizando que a paciência do Judiciário com o comportamento do ex-mandatário chegou ao fim.
A decretação da preventiva indica que, para o Supremo Tribunal Federal (STF), as medidas alternativas à prisão se esgotaram. A justificativa se baseia em uma sequência de fatos concretos que, somados, formaram um cenário de risco iminente. O estopim foi a violação da tornozeleira eletrônica, admitida pelo ex-presidente em vídeo. Do ponto de vista jurídico, o ato não é apenas uma infração técnica, mas uma demonstração de desdém pelas ordens judiciais.
Esse episódio se soma a um histórico que já preocupava as autoridades, como a estadia de dois dias na Embaixada da Hungria, a carta de pedido de asilo político à Argentina e a fuga de aliados investigados no mesmo inquérito, que reforçaram a percepção de um plano de fuga. A convocação de uma "vigília" pelo senador Flávio Bolsonaro na tarde de sexta-feira foi o elemento final, visto pela Polícia Federal (PF) como uma estratégia para criar um tumulto que poderia comprometer a segurança de moradores e policiais e, em última instância, facilitar uma fuga.
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Com isso, a prisão preventiva estabelece um precedente decisivo que transcende sua função imediata. O histórico de um réu durante o processo influencia diretamente a fase de execução da pena. Pedidos de prisão domiciliar, por exemplo, tornam-se um caminho juridicamente íngreme e de difícil sucesso. A Lei de Execução Penal (LEP), em seu artigo 117, prevê o benefício em casos excepcionais: condenado maior de 80 anos; acometido por doença grave; gestante; ou mãe com filho menor ou com deficiência.
Contudo, mesmo que um desses requisitos seja preenchido, a concessão não é automática. A lei confere ao juiz o poder discricionário de negar o benefício se a conduta do apenado indicar risco à aplicação da lei. A violação de uma medida cautelar, como o uso da tornozeleira, é um dos fatores que mais pesam negativamente nessa análise.
Ciente de que a saúde de Bolsonaro seria o principal argumento da defesa para futuras tentativas de obter a prisão domiciliar, o STF adotou uma estratégia preventiva. Ao determinar assistência médica 24 horas para o ex-presidente na Superintendência da PF, a Corte neutraliza proativamente essa linha de defesa já no pedido que sustenta a prisão preventiva. A medida não apenas assegura a integridade física do ex-presidente, mas também blinda a decisão judicial contra alegações de omissão ou violação de direitos humanos.
Ao garantir a infraestrutura de saúde dentro do sistema prisional, o STF sinaliza que está preparado para manter o regime fechado, esvaziando um dos argumentos mais recorrentes em casos de grande repercussão.
A defesa, naturalmente, pode e irá recorrer da decisão. Contudo, enfrentará os mesmos fatos que motivaram a própria prisão. A violação da tornozeleira, o histórico de risco de fuga e a mobilização de apoiadores são elementos objetivos que criam um obstáculo robusto, de difícil superação até mesmo para a mais hábil argumentação jurídica. O ônus da prova agora se inverte: não basta mais argumentar em tese, será preciso desconstruir uma realidade fática criada pelas ações do próprio ex-presidente.
Em última análise, a violação dos termos judiciais e a percepção de risco de fuga criaram uma nova e desfavorável realidade processual para Jair Bolsonaro. A Corte, ao prover suporte médico, neutraliza uma conhecida e eficaz estratégia de defesa. Resta aos advogados a tarefa de tentar reverter um cenário adverso, cujas bases foram estabelecidas pelo próprio ex-presidente. Ao que tudo indica, será um desafio de proporções hercúleas.
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