
PATRICK SABATIER, formado em direito pela Universidade de Bordeaux, diretor de Relações Corporativas da L’Oréal e ex-presidente da Câmara de Comércio França-Brasil no Rio de Janeiro
Cidadão francês, comecei a me relacionar com o Brasil há 40 anos. Não era um momento fácil. Como advogado de um grande escritório e da maior empresa francesa do ramo alimentício, em São Paulo, conheci um país cuja inflação oscilava entre 250% e quase 2.000% por ano e que passaria em quatro anos por três moedas diferentes — o Cruzeiro, o Cruzado e o Cruzado Novo. Construía-se também uma jovem democracia pós-ditadura, cujo foco era aprovar uma nova Constituição, que acabou tendo centenas de páginas e 250 artigos, enquanto a francesa tem 50 páginas e 85 artigos, e a americana, quatro páginas e sete artigos.
Depois dessa primeira temporada por aqui, continuei minha carreira na também francesa L'Oréal, a maior empresa de cosméticos do mundo, mas nunca deixei de me relacionar com a América Latina e, especificamente, com o Brasil. Baseado em Paris, negociei contratos, conduzi litígios, constituí subsidiárias em vários países da região e fui testemunha das profundas mudanças econômicas alcançadas com o plano Real, nos anos 90.
Representando um grande grupo multinacional, posso afiançar como o fim da hiperinflação e a introdução do famoso tripé macroeconômico implementado por Fernando Henrique Cardoso e seu brilhante time econômico — transmitido ao presidente Lula no seu primeiro mandato — foram condições fundamentais para consolidar a confiança dos investidores internacionais e permitir a retomada da entrada de recursos externos no país. A partir de 2006, voltei a morar no Brasil; dessa vez no Rio de Janeiro, para assumir as Relações Corporativas do Grupo.
Dizem que, quando você sai da Argentina por 20 dias, tudo mudou e, quando você volta 20 anos depois, nada mudou. Minha experiência mostra que esse aforismo às vezes vale também para o Brasil, país que definitivamente não é para principiantes. Há 20 anos, Lula começava seu segundo mandato e, agora, está em seu terceiro. No Rio, Eduardo Paes preparava-se, então, para assumir a prefeitura e, hoje, duas décadas depois, ainda é o prefeito da cidade.
Durante esse período, o país passou também por altos e baixos espetaculares, teve presidentes de esquerda e de direita, impeachment, diversos escândalos de corrupção, (ex) presidentes presos e uma tentativa de golpe de Estado. Mas houve também avanços importantes: o Brasil conseguiu construir importantes reformas, como a trabalhista, a previdenciária e a tributária.
A relação entre França e Brasil era excelente 20 anos atrás (parceria estratégica Sarkozy-Lula) e continua assim (lua de mel Macron-Lula), mas passou por uma fase de esfriamento no período Macron-Bolsonaro. Apesar desse parêntesis, o relacionamento vai de vento em popa e se fortalecerá ainda mais com a comemoração do aniversário de 200 anos das relações entre nossas duas nações.
Tendo exercido o cargo de presidente da Câmara de Comércio e Indústria França-Brasil, pude acompanhar o aprofundamento das nossas relações empresariais nesse período. A França é o segundo investidor no Brasil, com um detalhe especial: a maior empregadora do país é uma empresa francesa. A L'Oréal ilustra bem o compromisso de longo prazo da França no Brasil, com 400 milhões de unidades produzidas localmente, um centro de Pesquisa e Inovação local de classe mundial e 43 mil empregos gerados em sua cadeia de valor.
A jornada não é sempre fácil, e as empresas francesas que acreditam no Brasil foram surpreendidas recentemente pelo PL 1.087/2025, que introduz uma alíquota de 10% sobre a remessa de dividendos para empresas estrangeiras. Isso trará um impacto negativo para o país em relação à capacidade de atração de investimentos e competitividade, indo na contramão das boas práticas internacionais. No momento em que União Europeia e Mercosul caminham para a ratificação do Tratado de Livre Comércio entre os dois blocos, essa decisão passa um sinal bastante negativo para o mercado.
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Vivi, enfim, muita coisa aqui ao longo desses 40 anos. Neste país, criei minha família e a ele dediquei o período mais produtivo de minha vida. Minha longa história com o Brasil me faz acreditar que, mesmo se a fotografia não é sempre a que gostaríamos, o filme não acabou, e um final feliz é ainda possível.

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