
O feminicídio é a ponta mais cruel de uma violência estrutural que persiste em nossa sociedade, com números alarmantes no Distrito Federal. Para quebrar a barreira da comunicação institucional e atingir o público que mais precisa de informação, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), em parceria com a banda de rap Tribo da Periferia, buscou uma estratégia inovadora.
Essa colaboração resultou no lançamento da campanha Violência contra a mulher não é normal — abra os olhos, sua atitude pode mudar o final. O projeto, que contou também com o apoio do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e o patrocínio da Caixa, tem como coração a música e o videoclipe O cravo e a flor. Essas obras, criadas pela Tribo da Periferia, especificamente para a iniciativa, transformam a arte em uma poderosa ferramenta de conscientização, levando a mensagem de prevenção e denúncia diretamente à população mais vulnerável.
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Em um mundo saturado de informações, a comunicação institucional dos órgãos de justiça não consegue furar a bolha e alcançar o público mais vulnerável, que mais precisa de conscientização. Historicamente, as publicações de instituições estatais tendem a ter um alcance menor nas redes sociais.
A colaboração com a Tribo da Periferia, um grupo com grande apelo popular e autenticidade, transformou essa realidade. A ilustração da capacidade da arte de romper barreiras é evidente: o vídeo de lançamento da campanha no Instagram do MPDFT alcançou 366 mil visualizações, um número extraordinário para a página da instituição, sendo que no Youtube conta com mais de 1 milhão de visualizações. Em contrapartida, publicações do MPDFT sem relação com a campanha alcançavam, em média, apenas 20 mil visualizações. Isso demonstra a imensurável grandeza da campanha e o poder da arte para catalisar a conscientização de um público mais amplo e diverso.
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A letra de O cravo e a flor é uma verdadeira obra poética sobre o ciclo da violência doméstica. Em versos tocantes e diretos, a música desromantiza o crime, explica a progressão da violência e expõe a irracionalidade da violência de gênero. A letra, de forma poética e sensível, consegue explicar o ciclo da violência e ressalta a importância de se procurar os órgãos estatais para romper o ciclo:
"Mais uma vez o cravo e a flor / Romantizaram toda essa ilusão / Normalizaram o ódio e a dor / É que misturaram a covardia com a decepção." Esses versos confrontam o mito do crime passional e ressaltam a progressão da violência.
"E não tem endereço seja aonde for / Não importa sua classe / Seu credo / Sua cor." Aqui, a canção aborda a transversalidade do feminicídio, que atinge todas as mulheres, mas ressoando especialmente a necessidade de políticas específicas, já que mulheres negras são mais atingidas no DF.
"Desculpa aí, mas alguém me explique / Por favor! / Como diz que ama, mas mata quem ama por amor?" O questionamento central desmascara a falácia do "amor" como justificativa para o assassinato.
"É como se não houvesse / Como se ninguém soubesse / Como se fosse algo normal / Como se não existisse / Enquanto os sonhos perecem / Todos se calam perante esse mal." A canção ataca o silenciamento e a normalização da violência , incentivando a população a "abrir os olhos" para que a sua atitude possa mudar o final.
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O videoclipe, por sua vez, complementa a mensagem ao enfatizar a importância de procurar os órgãos estatais para romper o ciclo de violência.
A criação da Comissão de Prevenção e Combate ao Feminicídio do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) em setembro de 2023 foi uma decisão estratégica e urgente diante do aumento expressivo dos índices de feminicídio na capital. A atuação do MPDFT no enfrentamento a essa grave violação de direitos humanos é multifacetada e integrada, abrangendo diversas frentes de trabalho para aperfeiçoar tanto a prevenção quanto o combate ao crime.
A arte, ao lado da firmeza da lei e da articulação institucional, é um vetor essencial para a mudança cultural. O sucesso da campanha com a Tribo da Periferia mostra que é possível combater a violência e a impunidade, transformando dados alarmantes em chamados urgentes à ação e à responsabilidade de toda a sociedade.

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