
JOAQUIN GONZALEZ-ALEMAN, representante do Unicef no Brasil e RAULL SANTIAGO, empreendedor e cofundador do Instituto Papo Reto
Vinte e oito de outubro de 2025: Enquanto os tiros ecoavam, crianças se escondiam, famílias se trancavam e o medo tomava os complexos do Alemão e da Penha. Horas depois, uma mãe se ajoelhou diante do corpo do filho e seu choro atravessou o silêncio imposto à comunidade. Nada é mais devastador do que o pranto de quem perde um filho jovem.
A verdade é que, muitas vezes, a trajetória desse adolescente havia sido interrompida antes do disparo. Enquanto sociedade, já o tínhamos perdido quando a política pública não o alcançou. Quando a escola fechou e não havia vaga em curso, nem renda em casa. Quando se decidiu que adolescentes de favelas são problema, não possibilidades.
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O que aconteceu há um mês no Rio de Janeiro não é um fato isolado. É mais um marco da ineficiência de um modelo de segurança pública não protetivo que se apresenta como enfrentamento, mas que, na prática, é abandono armado. É uma estratégia que se repete sem produzir o que promete: menos controle de grupos armados e mais sensação de segurança.
No meio desse pacto de indiferença, há uma pergunta que o Brasil precisa responder: quando vamos parar de ignorar a adolescência?
As mais de 18 mil crianças e jovens de 10 a 19 anos que vivem nos complexos do Alemão e Penha crescem cercadas por fuzis e sirenes. Para as pequenas, a violência fecha escola, interrompe vacinação. Para adolescentes, o dano é ainda mais profundo. A segunda década da vida é decisiva para definir o lugar social de qualquer pessoa. Quando a escola deixa de atrair um adolescente, seu futuro é comprometido. Com a redução da escolarização, as oportunidades diminuem, os salários são menores e as vulnerabilidades aumentam.
Os números confirmam o que os territórios já sabem. Segundo dados do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, mais de 15 mil crianças e adolescentes foram mortos de forma violenta no Brasil nos últimos três anos. Quase um em cada cinco morreu em ações policiais. Ao mesmo tempo, estudos com o Instituto Fogo Cruzado mostram que mais de 800 mil estudantes vivem em áreas dominadas por grupos armados no Grande Rio e quase metade das escolas registrou tiroteios no entorno. Já o estudo com a Redes da Maré revela que o número de crianças vacinadas cai 90% nos dias de operação.
Apesar de todos os avanços desde o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o Brasil ainda não produziu uma política nacional integrada e contínua para a adolescência, aos moldes do que fez para a primeira infância e para a pessoa idosa. Seguimos tratando adolescentes de favelas como categoria de risco, quando a segunda década da vida deveria ser categoria de investimento.
A parceria entre o Instituto Papo Reto e o Unicef parte de uma premissa simples: inserir jovens no mundo do trabalho também é fazer segurança pública. Hoje, o desemprego atinge mais de 21% de jovens entre 18 e 24 anos nas periferias do país. Esse vácuo é ocupado pelo aliciamento e economia ilegal. A iniciativa Um Milhão de Oportunidades (1MiO) tenta ser ponte exatamente nesse ponto onde muitos são abandonados. Como parte de nossa colaboração, estamos animados em anunciar uma Feira de Oportunidades no Alemão, em 10 de dezembro, Dia Internacional dos Direitos Humanos, que oferecerá conexão com empresas para que jovens possam construir um projeto de vida no seu território.
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Enquanto país, precisamos firmar um compromisso para que nenhuma ação policial interrompa de forma prolongada a educação, saúde e a mobilidade, que protocolos de proteção à infância sejam regra em operações e que inclusão produtiva se torne política de segurança pública. Sem isso, seguiremos reagindo a crises em vez de garantir que seus adolescentes cheguem à vida adulta e contribuam com a prosperidade do Rio e de todo o Brasil.

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