
ROGÉRIO CARVALHO, arquiteto, especialista em patrimônio histórico, diretor-curador dos palácios presidenciais do Brasil
Poucos episódios da história recente da arte pública brasileira revelam tão claramente a fragilidade de nossas políticas de preservação quanto o desaparecimento da escultura monumental de Yutaka Toyota, instalada no balão do Aeroporto Internacional de Brasília no final da década de 1970. A obra, concebida no auge da pesquisa cinética e construtiva de Toyota, inseria-se no conjunto de intervenções urbanas destinadas a afirmar Brasília como uma cidade moderna, aberta às linguagens contemporâneas e comprometida com uma paisagem estética integrada à arquitetura.
A peça chegou ao Distrito Federal como resultado de um esforço conjunto entre órgãos públicos e o circuito artístico brasileiro, que buscava, naquele período, descentralizar a presença da arte em espaços urbanos. Toyota já era, à época, reconhecido como um dos principais nomes da arte cinética no país — um artista que manipulava forma, movimento e geometria com precisão quase científica. Sua escultura, composta de estruturas metálicas inclinadas e volumes prismáticos interagindo com o horizonte amplo de Brasília, foi instalada estrategicamente no acesso principal ao aeroporto: um ponto de recepção simbólica para quem chegava à capital do país.
A obra cumpriu durante anos essa função de marco urbano, instaurando no balão de acesso um diálogo poético entre o céu, o vento e a geometria. Ali, a escultura atuava como uma espécie de portal visual, preparando o olhar do visitante para a monumentalidade arquitetônica que se revelava ao longo do Eixo Monumental. Era, ao mesmo tempo, um cartão de visita e um lembrete da vocação modernista da cidade.
- Leia também: Em defesa do BRB real
No entanto, em 2005, ocorreu o que viria a se tornar um dos casos mais inexplicáveis da história do patrimônio artístico de Brasília: a obra simplesmente desapareceu. Não há registro público de remoção técnica, não há documentação oficial de transferência, não há relatório de restauro e tampouco há justificativas administrativas que expliquem sua ausência. A escultura foi retirada do local — por quem, como e com qual autorização, ninguém se responsabiliza — e nunca mais reapareceu em nenhum espaço público ou inventário institucional.
Esse desaparecimento revela uma série de vulnerabilidades estruturais. Em primeiro lugar, expõe a falta de um cadastro consolidado e atualizado de obras de arte instaladas em áreas públicas do Distrito Federal. Em segundo, evidencia a ausência de protocolos de preservação, guarda e movimentação de bens culturais que, em qualquer país minimamente comprometido com sua memória, seriam tratados como patrimônio inalienável. Por fim, denuncia a permanência de um paradigma de negligência, no qual a arte pública é vista como ornamento descartável e não como um componente essencial da identidade urbana.
A perda da obra de Toyota não é apenas material. Ela é simbólica. Ao desaparecer, ela produz um vazio que ultrapassa o espaço físico e se inscreve na própria narrativa da cidade. Brasília, concebida como síntese da modernidade brasileira, perde mais do que um objeto artístico: perde um gesto, uma intenção, uma afirmação de futuro. A ausência dessa escultura revela como os descuidos sucessivos podem fraturar silenciosamente a memória coletiva, corroendo a noção de que a cidade é também um museu a céu aberto.
Hoje, falar do sumiço da obra de Toyota é insistir em um debate urgente: a necessidade de restaurar não apenas o que se perdeu, mas os mecanismos que deveriam impedir perdas como essa. É exigir transparência, responsabilização e políticas públicas que tratem a arte urbana com a dignidade que ela merece. É lembrar que uma cidade que não protege seus símbolos erodidos pelo tempo ou pelo descaso acaba, ela mesma, corroída em sua essência.
- Leia também: Para onde vão as emendas federais destinadas ao DF?
Enquanto a obra não for localizada, explicada ou devidamente reconhecida em sua ausência, Brasília continuará convivendo com esse vazio — um vazio que não é apenas espacial, mas ético e institucional. E é justamente por isso que a memória da escultura de Yutaka Toyota no balão do aeroporto precisa ser continuamente reavivada: porque ela nos lembra que o patrimônio não some por acaso e que o silêncio diante de sua perda é, em si, uma forma de deterioração.

Opinião
Opinião
Opinião