
JOSÉ GERALDO DE SOUSA JÚNIOR, profesor emérito e ex-reitor da Universidade de Brasília (UnB) e RENATA CAROLINA CORREIA VIEIRA, advogada do Instituto Socioambiental (ISA)
Amanhã, o Supremo Tribunal Federal (STF) inicia o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 7.582, ajuizada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) contra a Lei nº 14.701, de 20 de outubro de 2023. Serão analisadas, ao mesmo tempo, as ADIs nº 7.583 e nº 7.586, apresentadas pelo PDT, PT, PCdoB e PV, além da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 87, ajuizada pelo Partido Progressista. Todas estão sob relatoria do ministro Gilmar Mendes.
A lei é ruim; seu histórico, ainda pior. Foi aprovada a toque de caixa, sem debate adequado com a sociedade e em evidente afronta ao STF, logo após a Corte afirmar, em setembro de 2023, a inconstitucionalidade do marco temporal. Esse movimento aprofundou a disputa entre os Poderes da República sobre quem deve, afinal, "dizer o direito".
Após dois anos de suspensão motivados por uma tentativa frustrada de conciliação, que buscava negociar direitos indisponíveis e cuja própria titularidade se recusou a barganhá-los, o julgamento voltou à pauta em um contexto bastante significativo. Sua inclusão ocorreu logo depois que entidades do agronegócio questionaram no STF as demarcações anunciadas pelo Governo Federal durante a COP 30, o maior avanço em direitos territoriais indígenas dos últimos vinte anos. Na ocasião, o governo apresentou um conjunto de 37 terras indígenas, envolvendo homologações, declarações, portarias de restrição de uso para povos isolados, publicações de relatórios de identificação e delimitação e a criação de grupos de trabalho para novos estudos.
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Chamada pelo movimento indígena de "Lei do Genocídio Indígena", a Lei 14.701/2023 representa um grave retrocesso em vários aspectos dos direitos dos povos indígenas. O ponto mais crítico é a retomada da tese do marco temporal, já declarada inconstitucional pelo STF no Recurso Extraordinário 1.017.365, ao estabelecer que somente teriam direito à demarcação os povos que estivessem em suas terras em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição.
A lei também altera o procedimento demarcatório de forma a prolongar, politizar e dificultar seu andamento, podendo, na prática, inviabilizar o cumprimento do mandamento constitucional. Entre as mudanças, permite que municípios e estados, geralmente contrários às demarcações, indiquem profissionais para os estudos, e abre espaço para contestações em todas as fases do processo por qualquer interessado, o que o torna ainda mais lento.
E lento ele já é. As terras homologadas nos últimos três anos aguardaram, em média, 25 anos até a conclusão de seus procedimentos. Em casos como o da Terra Indígena Jeripancó, em Alagoas, essa espera chega a 33 anos.
Essa discussão não pode ser desvinculada do papel central que os povos indígenas desempenham no enfrentamento da crise climática. Seus modos de vida, profundamente ligados aos territórios, aliados ao conhecimento ancestral e à resiliência diante das mudanças ambientais, são essenciais para conter o avanço do colapso climático. A COP realizada em Belém, a primeira na Amazônia, evidenciou novamente a insuficiência das metas globais e a resistência do Norte Global em assumir compromissos reais para a eliminação dos combustíveis fósseis.
Demarcar Terras Indígenas não é apenas cumprir o artigo 231 da Constituição de 1988. É assumir um compromisso civilizatório que envolve duas dimensões. A primeira diz respeito à reparação de uma história colonial marcada por violência e que ainda impõe dívidas profundas aos povos indígenas. A segunda é a contribuição direta para enfrentar a crise climática, resultado de uma lógica de exploração predatória.
Demarcar terras não é o problema, é a solução. Estão certos — os povos - quando afirmam que o futuro é ancestral. Que o STF declare a inconstitucionalidade da Lei 14.701, reafirme os direitos originários e assegure um julgamento respeitoso, com participação efetiva dos povos indígenas e da sociedade civil. É fundamental garantir a publicidade e a transparência que a gravidade do tema exige.

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