ARTIGO

Para onde vão as emendas federais destinadas ao DF?

No caso do DF, a principal beneficiária desses recursos é, de longe, a saúde. O setor recebeu 48% de todo o valor pago de 2016 a 2024, uma média de R$ 121 milhões por ano

Frederico Bertholini, João Gabriel Leal e Lucio Rennóintegrantes do Observatório de Políticas Públicas do DF (ObservaDF) 

Nos últimos nove anos, cerca de R$ 2,27 bilhões foram injetados no Distrito Federal por meio de emendas parlamentares federais. As emendas são instrumentos que permitem aos parlamentares direcionar recursos do orçamento federal para a esfera local. Idealmente, complementam o atendimento a demandas que a burocracia federal não supre. Contudo, historicamente, são vistas com desconfiança pública, por serem associadas a clientelismo e a mecanismos de troca política.

O relatório deste mês do Observatório de Políticas Públicas do DF (ObservaDF) mergulhou em dados da Controladoria-Geral da União (CGU) para mapear como são gastos esses recursos no DF. Os valores dizem respeito, essencialmente, às emendas individuais e de bancada, que têm maior transparência na destinação.

É importante destacar que mudanças institucionais recentes, como a execução obrigatória de parte das emendas, alteraram profundamente essa dinâmica. Além disso, o volume de recursos sob gestão direta do Legislativo aumentou exponencialmente. O Congresso Nacional ganhou um protagonismo inédito. Aqui no DF, o volume pago cresceu 81% no período, passando de R$ 188 milhões em 2016 para R$ 340 milhões em 2024.

Os dados revelam padrões interessantes, especialmente em sua distribuição setorial. É aqui que as prioridades se tornam mais visíveis, revelando quais políticas públicas estão no topo da agenda dos parlamentares. No caso do DF, a principal beneficiária desses recursos é, de longe, a saúde. O setor recebeu 48% de todo o valor pago no período, uma média de R$ 121 milhões por ano. Se olharmos apenas as emendas individuais, essa concentração é ainda maior, atingindo 59% dos recursos, o que nos coloca na nona posição nacional em destinação proporcional à saúde. Parlamentares de estados como Rio de Janeiro (64%) e São Paulo (62%) alocam percentuais ainda maiores.

Dois fatores principais explicam essa concentração. Primeiro, a própria legislação, que obriga a destinação de metade das emendas à saúde. Segundo, e talvez mais relevante, a "malha" da saúde (via programas como Fortalecimento do SUS e Atenção Especializada) parece mais estruturada para receber e executar esses valores.

Embora a saúde domine a alocação de recursos, outros setores podem ser destacados. A educação figura como a segunda principal área beneficiada, concentrando 13% do valor total pago (média anual de R$ 33 milhões). A segurança pública é o terceiro setor mais relevante, absorvendo 9% dos recursos (média anual de R$ 23 milhões). Emendas destinadas à desporto e lazer (5%) e cultura (5%) completam essa lista.

O padrão diverge do perfil observado nas emendas do orçamento distrital, que foram objeto do nosso relatório de abril deste ano. Demonstramos ali que os deputados distritais priorizam educação e urbanismo. Isso sugere uma "divisão de trabalho" não coordenada: a bancada federal no Congresso parece focar em políticas de alta complexidade e custo elevado, enquanto os distritais, na Câmara Legislativa (CLDF), focam em reformas em escolas e obras de infraestrutura urbana, que geram um retorno político mais direto e visível para o eleitorado.

As destinações funcionam também como um espelho das visões de mundo dos diferentes espectros políticos. Parlamentares de direita concentram fortemente seus recursos na saúde, destinando 65% para essa área, enquanto a cultura recebe menos de 5%. Já os parlamentares de esquerda, embora mantenham a saúde como prioridade (com 43%), promovem mais diversificação dos gastos. A cultura emerge como a segunda grande prioridade desse grupo (23%), seguida por direitos da cidadania (12%).

No fim, as emendas parlamentares refletem as disputas políticas que definem o acesso do cidadão a serviços públicos essenciais, via orçamento. Acompanhar como nossos representantes estão decidindo o destino desses recursos é fundamental para entender e participar ativamente da construção do futuro do DF. 

O desenho institucional democrático concebeu o legislador, primariamente, para fiscalizar e legislar, abrindo um pequeno espaço de ajuste para destinação de recursos locais. No entanto, o advento da impositividade, somado a robustos aumentos dos montantes em emendas, tem transformado esses legisladores, na prática, em provedores substantivos de custeio para políticas públicas. Como instituições e sociedade irão lidar com esse novo papel?

 

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