ENTREVISTA

Senador Marcos Rogério diz que Doria e Bolsonaro erraram ao politizar a vacina

Parlamentar admite politização no caso da Coronavac. Para ele, até o momento não existem provas para incriminar o presidente da República por conta do agravamento da pandemia e disse que a comissão não pode virar palanque eleitoral

Sarah Teófilo
postado em 28/05/2021 22:17 / atualizado em 29/05/2021 08:34
 (crédito: Jane de Araújo/Agência Senado)
(crédito: Jane de Araújo/Agência Senado)

Um dos mais alinhados (se não o mais) com governo federal na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da covid-19, no Senado, Marcos Rogério (DEM-RO) trabalha com afinco para defender o governo e o presidente Jair Bolsonaro das acusações de omissão no âmbito da pandemia. Mas há uma questão que nem ele consegue negar: as falas públicas do presidente dizendo que as vacinas Coronavac, produzidas pelo Butantan em parceria com a farmacêutica chinesa Sinovac, não seriam adquiridas.

Segundo o senador, o tema (no caso da Coronavac) foi politizado pelo governador de São Paulo, João Doria (PSDB), e também por Bolsonaro. “Os dois erraram”, afirma. Em seu primeiro mandato, Marcos Rogério foi deputado federal por duas vezes, e viu outras CPIs, se lembrando bem da CPI da Petrobras, quando foi relator no Conselho de Ética do processo que avaliava a situação do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, que acabou cassado.

Agora encara o papel de base, que tem minoria na comissão e só conseguiu convocar governadores para prestar depoimento após um acordo organizado pelo presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM). A justificativa é investigar desvios de recursos federais enviados para o combate à pandemia nos estados, mas a intenção política é tirar, em parte, o foco sobre o governo federal. "Essa (CPI) é uma situação mais desafiadora, pois o objeto a ser investigado aqui é um pouco indeterminado nesse campo de avaliação subjetiva”, afirma, referindo-se a um dos objetos de apuração da CPI, que é possíveis ações ou omissões do governo federal na pandemia.

Nas últimas semanas, depoimentos do presidente da Pfizer na América Latina, Carlos Murillo, e do diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, apontaram uma demora na negociação do governo federal sobre compra de vacinas, que tem sido explorada pela oposição. O depoimento da secretária do Ministério da Saúde Mayra Pinheiro contradisse alguns pontos da oitiva do ex-ministro Eduardo Pazuello, que foi reconvocado nesta semana, mas ainda não tem data para voltar a depor.

Marcos Rogério nega que quaisquer das questões apresentadas nos depoimentos apontem demora e omissão do governo federal na compra de vacina. Para ele, não houve atraso na negociação com a Pfizer. “O Ministério recebe a proposta de um outro produto. Você não tem que discutir sobre esse produto? Segurança, eficiência, eficácia, logística? É claro que tem. Não é uma coisa simples”, afirma. Questionado sobre a carta enviada pela farmacêutica ao presidente e a outros integrantes do governo, e que ficou dois meses sem resposta, disse que “carta não é ato administrativo” e que a negociação com o governo ocorria desde maio, como dito por Murillo.

Marcos Rogério repete a justificativa do governo de que não havia segurança jurídica para assinar o contrato naquele momento. O governo federal não aceitava cláusulas do contrato com a Pfizer que, por sua vez, afirma que os termos foram iguais para todos os países. Para o senador, antecipar a assinatura do contrato não teria colocado o Brasil em um lugar melhor na fila da Pfizer. “É claro que o tema está politizado, virou um debate político, mas não acho que nesse caso da Pfizer que o Brasil tenha sido omisso. O Brasil agiu com a cautela necessária e quando teve as condições jurídicas contratou”, diz.

Confira os principais trechos da entrevista:

Ontem, Dimas Covas falou que as negociações foram interrompidas em outubro, naquele período em que o Ministério da Saúde anunciou contrato, o presidente falou que não ia comprar a vacina, o ministério voltou atrás e o contrato só foi assinado no dia 7 de janeiro. Isso não mostra a interrupção da negociação por ordem do presidente?

Não acho… Por ordem do presidente, não. Ali você tem uma situação clara. A situação do Butantan é diferente das outras. Ali houve a politização do tema. O Doria (João Doria, governador de São Paulo) politizou o tema da vacina do Butantan. Ele sempre quis chamar para si o protagonismo do enfrentamento da pandemia, como se ele fosse o arauto, o cientista-mor que tinha todas as informações em relação a esse tema. Quando o mundo começou a falar da cloroquina, o Doria toma a iniciativa de dar uma coletiva em São Paulo para dizer que foi o governo de SP que fez contato com o Ministério da Saúde e que recomendou que entregasse cloroquina e espalhasse pelo Brasil. Ele politizou o tema de maneira exacerbada.

E o Bolsonaro não?

Dá para dizer que a politização foi só do lado do Doria? Não, claro que não. Doria fez isso lá, o presidente aqui também fez, em relação ao Butantan. Em relação aos outros, não. Porque ficou com aquela situação de que não vai comprar vacina chinesa, enfim, os discursos dele são públicos. Vou dizer que não? Não dá para negar os discursos dele (de Bolsonaro). O tema da vacina do Butantan foi politizado, o Doria não estava preocupado com a vacina. O vídeo que eu mostrei ontem mostra que está preocupado com o protagonismo dele.

Mas ele estava atrás de vacina, né?

Ele estava atrás de protagonismo.

O presidente, por outro lado, estava dizendo que não era para comprar vacina...

Não, isso aí não é fato.

 

O senhor falou que os discursos do presidente são públicos. Ele não falou que não era pra comprar vacina?

Em relação ao Butantan. Os discursos são públicos.

E isso não atrasou a compra de vacina?

Atrasar, não atrasou, porque quando a vacina teve a certificações necessárias, o governo foi lá e comprou tudo.

A gente teve um intervalo de três meses sem negociação, entre outubro e janeiro, segundo Covas. Ele disse que em dezembro tinha 5,5 milhões de vacinas disponíveis em solo brasileiro.

No vídeo, o Covas fala que até 15 de janeiro vai ter vacina. Como tinha vacina em dezembro? Assinamos com o Butantan dia 7 de janeiro. Qual atraso que houve?

E se o governo federal tivesse ajudado no investimento do Butantan? Porque isso não aconteceu.

Aí é outra história. Aí é hipótese. Como eu disse, houve uma politização. O governador de SP quis o protagonismo, ele quis chamar para si. Ok, fez, e no dia que fez quem foi lá comprar tudo que tinha? O governo federal.

O presidente dizer que não é para comprar vacina não atrapalhou?

Não acho que atrapalhou. Nós compramos todas as vacinas que estavam disponíveis. A primeira vacina aplicada no mundo foi no dia 8 de dezembro [O Reino Unido foi o primeiro país no Ocidente a iniciar a vacinação nesta data. No Oriente, a China diz ter iniciado no começo do segundo semestre]

O Butantan e a Pfizer disseram que iriam entregar vacinas ao Brasil em dezembro.

Nenhuma das duas poderia entregar. A FDA [A Anvisa dos EUA] aprovou a Pfizer no dia 13 de dezembro. Aí você acha que eles iam entregar ao Brasil antes de lá?

O Brasil demorar a assinar esses contratos não dificultou a nossa quantidade de vacina? Não poderíamos ter mais?

Qual outro país está na nossa frente?

Vários. Israel, EUA, Chile, Reino Unido...

Fora países que são produtores.

Chile já vacinou 40% da população.

Qual a população do Chile? Você não pode comparar.

Não pode comparar o percentual de população vacinada?

É um país que dá uma cidade de São Paulo e olhe lá.

A demora na assinatura dos contratos não atrasou a compra de vacina?

Não, não acho.

A gente não iria estar em um cenário diferente?

Eu acho que não.

A falta de investimento do governo no Butantan na pesquisa da vacina, atrapalhou o país?

Não, porque eles tiveram os meios para fazer. É uma questão de política. Infelizmente, esse tema foi politizado. Acho que a politização do tema, de lado a lado, não fez bem.

O senhor acha que o presidente errou ao politizar?

O Butantan sempre foi um patrimônio do Brasil, o governo brasileiro sempre investiu lá. Doria politizou o tema, quis chamar para si os louros disso, antecipando uma disputa nacional, e isso acabou contaminando o presidente nas suas retóricas, nos seus discursos.

O presidente errou ao embarcar nisso?

Os dois erraram. Em relação à questão da vacina chinesa, no começo, as cautelas do presidente estavam corretas, e do mundo todo. Agora, em relação ao instituto, de fazer a parceria, acho que os dois erraram. Doria primeiro, porque quis ser um protagonista de um tema. O protagonista aqui tem que ser o povo.

Sobre o Pazuello, o senhor mesmo admitiu que tiveram contradições que precisam ser esclarecidas? Esse novo depoimento, vai ser difícil para ele e para a base?

Não, acho que não. Acho que houve erro de informação ou erro de abordagem. Não sei se chega a ser contradição. A Mayra (Pinheiro) veio mais à vontade. O pessoal achou que ela não ia falar do Amazonas, com o habeas corpus embaixo do braço, e ela falou tudo. O ex-ministro Pazuello estava sob muita pressão, o pessoal pegou muito pesado com ele.

E aí eu acho que em relação a umas informações mais técnicas, ele acabou não dando o conteúdo que a comissão precisava, em relação à questão da medicação, do pedido de produção da cloroquina, se realmente o ministério solicitou e ele sabia disso, não havia porque dizer o contrário, porque é público. A CPI solicitou todas as informações, como você não vai saber disso? Ou houve um equívoco por parte dele ou foi um erro…

Mas vai ser mais difícil?

Não acho que vai ser mais difícil, acho que vai ser pontual. Porque você não vai retomar o depoimento todo. A não ser que a CPI queira também de novo politizar como fazem alguns personagens ali. Eles não sabem quais são os pontos que são controversos? Vai nesses pontos. 'Sobre essa situação do protocolo, da plataforma do Amazonas, senhor disse isso, Mayra disse isso, qual é a verdade?' Simples.

'Sobre a questão da encomenda de medicamentos, o senhor disse uma coisa aqui, mas, documentos chegaram e mostram o contrário. O senhor mentiu ou se esqueceu, se equivocou?' Eu sou aliado do governo, defendo o governo, mas não defendo a mentira. Mas não acho que ele tenha mentido. eu penso que ele tenha, em razão do volume de informação, se equivocado. Porque tem documento. Por que mentir sobre um fato que você tem lastreado em documento?

Convocaram os governadores. Acaba a narrativa de que a CPI está investigando só o governo federal?

Vamos ver quando chegar os governadores. Quero ver qual vai ser a linha de abordagem do relator. Se vai ser na mesma linha dos que são do governo federal.

O governador do estado do senhor foi convocado. E de outros parlamentares que podem ser cotados aos governos estaduais. A convocação desses governadores vai ser palanque para 2022? No caso do senhor, por exemplo, em Rondônia.

Ninguém tem que embarcar em CPI como palanque eleitoral. Isso não é plataforma de pré-campanha ou de campanha. E quem fizer isso, acho que vai errar muito e talvez a história política de quem fizer isso talvez não seja tão boa. Eu não pedi a convocação do governador do meu estado, eu pedi informações. Mas outros senadores entenderam que era o caso de já fazer a convocação, porque o critério foi esse, onde houve operação da PF.

Eu concordei porque eu acho que o critério é justo, mas não acho que a CPI tenha que ser palanque pré-eleitoral para ninguém. Eu nunca disse que sou candidato a isso ou aquilo. Meu foco está 100% voltado ao Senado, à CPI, e ajudar a garantir mais vacina e mais estrutura aos municípios.

Bolsonaro pode ser responsabilizado ao final da CPI?

Até esse momento, do que foi apurado, não há nenhuma prova concreta contra o presidente da República. Portanto, não acho que caiba responsabilização. A CPI ainda está caminhando, tem muita coisa pela frente, mas até esse momento… Uma coisa são as narrativas, outra coisa são provas. Provas contra o presidente não há. Se quiserem condená-lo, terá que fabricar provas, pelo que foi apurado até agora.

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