COVID-19

Senadores da CPI suspeitam que Prevent Senior alterou prontuários de pacientes

Integrantes da CPI suspeitam que empresa alterou prontuários de pacientes com covid-19 e atribuiu outras doenças depois de um certo tempo de internação. Senadores consideraram a prática "fraudulenta" e "criminosa". Diretor da rede de hospitais tornou-se investigado

Fernanda Strickland
Tainá Andrade
postado em 23/09/2021 06:00
 (crédito: Pedro França/Agência Senado)
(crédito: Pedro França/Agência Senado)

O diretor-executivo da Prevent Senior, Pedro Benedito Batista Júnior, reconheceu, ontem, que a empresa alterava os prontuários dos pacientes com covid-19. Ao depor na CPI da Covid, ele admitiu que depois de duas ou três semanas de internação, a informação de que o paciente tinha a doença provocada pelo novo coronavírus era retirada e outra era colocada no lugar. Por causa disso, o presidente do colegiado, senador Omar Aziz (PSD-AM), mudou a condição do médico de testemunha para investigado.

“Todos os pacientes com suspeita ou confirmados de covid, na necessidade de isolamento, quando entravam no hospital, precisavam receber o B34.2, que é o CID (Classificação Internacional de Doenças) de covid. Após 14 dias — ou 21 dias, para quem estava em UTI —, se esses pacientes já tinham passado dessa data, o CID poderia já ser modificado, porque eles não representavam mais risco para a população do hospital”, explicou Pedro Benedito, respondendo a Aziz.

Suspeitando que havia algo estranho nessa conduta, o presidente da CPI pediu a Humberto Costa (PT-PE), psiquiatra, que a esmiuçasse. “Na verdade, o que está acontecendo é que eles consideram que, depois de 14 dias, esse paciente não tem mais covid. Ou que, depois de 21 dias, ele não tem mais covid. Essas pessoas que morreram de complicações de quê? De covid! Então, é covid!”, rebateu Costa.

“Sinceramente, modificar o código de uma doença é um crime. Infelizmente, o Conselho Federal de Medicina não pune o senhor”, acrescentou o senador Otto Alencar (PSD-BA), que é médico. Procurado, o CFM não comentou.

O senador Rogério Carvalho (PT-SE) apontou que a CPI tinha em mãos um dossiê que enumerava as práticas ilegais da Prevent, tais como o tratamento com o “kit covid”, os testes sem o consentimento dos pacientes ou de seus parentes — algo que comparou às experiências nos campos de concentração do nazismo, na II Guerra Mundial — e a adulteração do CID para escamotear a verdadeira razão da morte. “Isso é um crime contra a humanidade”, acusou.

Hang e Wong

Um dos prontuários que teriam sido modificados é o de Regina Hang, mãe de Luciano Hang, defensor da aplicação de cloroquina, ivermectina e azitromicina contra a covid-19. A CPI exibiu um vídeo em que o empresário afirma que sua mãe morreu por, supostamente, não ter se tratado com cloroquina.

Apesar de Pedro Batista insistir que não tinha autorização para detalhar prontuários, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) demonstrou que a alegação de Hang era falsa, pois a mãe foi submetida ao “tratamento precoce”. Em nota, Hang disse que a mãe morreu por complicações da covid-19 e declarou “total confiança nos procedimentos adotados pelo Prevent Senior”.

O mesmo teria acontecido com o toxicologista Antony Wong, também um defensor intransigente do kit covid. De acordo com a revista Piauí, ele teria se submetido à combinação de cloroquina com outros fármacos, além de ter se submetido ao polêmico tratamento com ozônio. A causa da morte, porém, não foi atribuída à covid-19. A operadora nega ter fraudado as declarações de óbito.

Durante todo o depoimento, Pedro Batista salientou que a aplicação do kit covid faz parte da “autonomia médica” dos profissionais da Prevent Senior, manobra pela qual procurou tirar dos ombros da operadora a responsabilidade de aplicação dos remédios ineficazes contra o novo coronavírus. Afirmou, ainda, que, atualmente, a operadora não recomenda os medicamentos, mas que “dentro de alguns protocolos, pode ter alguma sinalização”.

Todo o tempo, aliás, o diretor do plano se esquivou de dizer se era contra o “tratamento precoce”, até que, ao responder à senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS), admitiu a necessidade de analisar a situação para aplicação. “Dependendo de como ele é prescrito, sou contra”, reconheceu.

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Recusa em participar do grupo do "gabinete"

Após afirmar não ter relação com integrantes do chamado “gabinete paralelo” — grupo de médicos que supostamente assessoria o presidente Jair Bolsonaro e defendia a utilização de cloroquina, ivermectina e outros fármacos sem eficácia contra a covid-19 —, o diretor-executivo da operadora de saúde Prevent Senior, Pedro Benedito Batista Júnior, admitiu que chegou a ser incluído num grupo de aplicativo de mensagens por meio do empresário Carlos Wizard, apontado como integrante do gabinete. À CPI da Covid, ele afirmou que não aceitou participar e que saiu “imediatamente”.

“Esse grupo de WhatsApp é o gabinete paralelo que o senhor participou”, afirmou o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), que questionou o diretor da Prevent sobre o episódio. Segundo Batista, sua decisão de não permanecer foi motivada por não ver “sentido” no grupo.

“Simplesmente porque não via nenhuma situação que fosse plausível para ter um grupo desse. Quando tentaram me explicar qual era o motivo do grupo, não entendi, não tinha objetivo próprio e eu saí do grupo imediatamente, não tinha por que permanecer em algo que eu não via sentido”, afirmou o diretor da Prevent.

A existência do “gabinete paralelo” é uma das trilhas que vêm sendo seguidas pela CPI. O grupo insistia que as vacinas contra o novo coronavírus eram inseguras, que a pandemia duraria poucos meses e defendia tratar a doença com medicamentos ineficazes (veja quadro). Essas pessoas seriam o chamado “braço científico” de uma outra congregação composta por empresários, como Wizard e Luciano Hang, que eram críticos ao lockdown decretado pelos governadores e prefeitos — conforme a autonomia garantida pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Quando esteve na CPI para depôr, Wizard foi confrontado com um vídeo no qual debochava do afastamento social — rindo, disse que de cinco mortes listadas pelo Ministério da Saúde, as cinco seriam de pessoas que ficaram em casa tentando se proteger da pandemia. Já Hang chegou a dizer que o lockdown traria a ruína econômica e que se fosse obrigado a fechar as portas das lojas da rede da qual é proprietário, mandaria aproximadamente 22 mil pessoas embora.

“O efeito econômico causado pelo coronavírus no Brasil é de uma dimensão imensurável. Se todos nós fecharmos, quem vai pagar os salários? É como se fosse uma sinuca de bico agora. Temos que ter responsabilidade nesse momento”, disse.

 


Os conselheiros

» Osmar Terra – médico e deputado federal (MDB-RS), que em várias entrevistas disse que a infecção maciça desapareceria rapidamente;

» Luciano Dias Azevedo – tenente da Marinha que teria sido o autor da minuta que modificava a bula para a prescrição da cloroquina, como denunciado pelo à CPI pelo ex-ministro Luiz Henrique Mandetta;

» Blancard Torres – coordenador da Associação Médicos pela Vida, que defendeu a utilização da cloroquina, inclusive por meio de anúncios na imprensa;

» Eduardo Leite – também coordenador da Associação Médicos pela Vida. Participou da reunião com o presidente Jair Bolsonaro, no Palácio do Planalto, na qual apresentou Osmar Terra como uma autoridade em pandemias;

» Jandir Loureiro – mais num coordenador da Associação Médicos pela Vida. Defensor da cloroquina, nas suas redes sociais se manifestou contra a vacinação obrigatória;

» Antônio Jordão – também coordenador da Associação Médicos pela Vida. Chegou a se reunir com o então secretário-executivo do Ministério da Saúde, Élcio Franco, e foi um dos articuladores da veiculação na imprensa do anúncio defendendo o tratamento precoce;

» Paolo Zanotto – virologista, na reunião com Bolsonaro, no Palácio do Planalto, defendeu a criação de um “gabinete das sombras” para assessorá-lo;

» Nise Yamaguchi – oncologista, defensora do uso da cloroquina contra a covid-19. Em depoimento à CPI, foi acusada pelo presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antônio Barra Torres, defender a mudança da bola da cloroquina para que pudesse ser empregada contra o novo coronavírus.

Repúdio ao machismo

 (crédito: Roque de Sá/Agência Senado)
crédito: Roque de Sá/Agência Senado

A sessão de ontem da CPI da Covid começou com um desagravo à agressão sofrida pela senadora Simone Tebet (MDB-MS) pelo ministro da Controladoria-Geral da União, Wagner Rosário — que a chamou de “descontrolada”. Boa parte dos colegas de Parlamento se solidarizou com ela e considerou a atitude do chefe da CGU grosseira, machista e que reflete a forma como o governo de Jair Bolsonaro trata os diferentes.

“Quando a mulher começou a ocupar espaços profissionais não domésticos, começou a ser tachada de histérica, louca, descontrolada, e até pouco antes do século passado nos internaram em manicômios. Como mulher, como cidadã, como mãe, para mim isso é página virada, mas, como líder da bancada feminina, é preciso que esse episódio venha a público pelo menos no caráter educativo. Essa palavra não vem à toa. Está no inconsciente daqueles que ainda acham que mulheres são menores, são inferiores”, disse Simone.

O vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), advertiu que ainda é preciso “superar os traços patriarcais e machistas” na sociedade brasileira. “O que um machista não aceita é uma mulher diante dele em posição de firmeza, é uma mulher diante dele questionando. Desculpinha do Twitter não mascara o machismo intrínseco presente nas atitudes do presidente da República e dos seus filhos”, apontou.

Presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM) aproveitou a fala de Randolfe para lembrar que não foi um episódio isolado da oitiva. Ele observou que, um pouco antes de tê-la agredido, o ministro da CGU “insinuou” que a senadora era “burra”, pois mandou que lesse de novo o contrato. “Não disse diretamente, mas insinuou. O primeiro ataque foi esse”, salientou.

Aziz ainda criticou o senador bolsonarista Marcos Rogério (DEM-RO), que, quando a confusão se formou na sessão de terça-feira, classificou a CPI de “circo”. “Se fosse eu o atacado, tudo bem. Mas a reação ao ataque a uma senadora não pode ser chamado de circo. Não pode! Há mulheres que não têm a representatividade política que a Simone tem. A mulher não pode ser desequilibrada porque se contrapõe a um homem. É facil dizer ‘está doida, está louca’. Evoluímos nisso, mas ainda há pessoas nesse governo que involuíram em relação a isso”, disse Aziz, sem citar o nome de Rogério.

A senadora Laila Barros (Cidadania-DF) também foi lembrada por interpelar o senador bolsonarista. “Quero realçar e destacar a coragem de Leila Barros. Uma das cenas mais tristes que vi, e foi refutada e repelida por Leila, foi um colega senador, enquanto todos os demais reagiam em solidariedade à Simone, fazer coro com o machista. Teve a valentia e a coragem de Leila Barros para vir aqui gritar um sonoro não ao machismo”, lembrou Randolfe. (TA e FS)

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