Polarização mortal

Delegacia de Foz de Iguaçu investiga dinâmica de crime contra petista

Agente penitenciário bolsonarista invadiu festa decorada com temática petista e trocou tiros com o aniversariante, um guarda municipal de Foz do Iguaçu (PR), que morreu. O agressor também foi baleado, mas sobreviveu. Mundo político condena a violência

Fernanda Strickland
Cristiane Noberto
postado em 11/07/2022 05:52 / atualizado em 11/07/2022 05:53
 (crédito:  Reprodução/Intenet)
(crédito: Reprodução/Intenet)

"Policial Penal Federal Conservador, Cristão, Bolsonaro Presidente, armas = defesa, Não ao Aborto, Não às Drogas." Essa é a descrição que consta no perfil do Twitter de Jorge José da Rocha Guaranho, que, de acordo com a Polícia Civil de Foz do Iguaçu (PR), é o responsável pela morte do guarda municipal Marcelo Arruda em sua própria festa de aniversário, na noite de sábado. "Estou sem chão. É uma extrema estupidez eu perder o pai dos meus filhos por um extremismo ridículo", disse a viúva, a policial civil Pâmela Suelen Silva, em entrevista à Globo News.

O guarda municipal era tesoureiro do Partido dos Trabalhadores na cidade fronteiriça, e a festa, na qual comemorava os 50 anos de vida, tinha como tema o partido e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Os dois trocaram tiros com armas funcionais após Guaranho invadir a comemoração, em um assassinato que pode ter conotação política.

A Delegacia de Homicídios de Foz do Iguaçu investiga o caso para confirmar a dinâmica do crime e as motivações.

Inicialmente, a polícia informou a morte do agressor, mas a delegada à frente do caso, Iane Cardoso, disse em coletiva de imprensa, na tarde de ontem, que ele está internado em um hospital do município e que seu estado é estável. Até o fechamento desta edição, não houve atualização sobre o estado de saúde do agente.

"O delegado que estava de plantão, ontem, autuou o indivíduo em flagrante delito. Ele está custodiado pela Polícia Militar enquanto recebe auxílio médico", informou a delegada. A Polícia investiga se os dois se conheciam. "Não há histórico de conflito anterior. A informação que a esposa do agente penal deu é que ele (o agressor) era diretor do local em que estava ocorrendo a festa. Por isso, a gente deduz que, talvez, eles se conhecessem, mas tudo é muito recente ainda e a gente tem que apurar", disse ela. Testemunhas que estavam no local e a viúva de Marcelo Arruda negam qualquer relação entre os dois. Segundo Pâmela, antes de trocar tiros com Guaranho, o marido disse: "não sei quem é esse cara".

O secretário de Segurança Pública de Foz do Iguaçu, Marcos Antonio Jahnke, disse que o crime pode ter motivação política. "Pelo que a gente percebeu, foi uma intolerância política", declarou.

O assassinato

Imagens de câmera de segurança captaram o momento em que o guarda municipal Marcelo Arruda é assassinado pelo policial penal Jorge José da Rocha Guaranho. No vídeo, ao qual o Correio teve acesso, Arruda corre para dentro do salão de festas e tenta se proteger embaixo de uma das mesas, já com uma arma na mão. Jorge José chega logo depois e dispara um tiro contra o petista. Em seguida, Marcelo reage e atira diversas vezes na direção de Jorge, que cai no chão e é agredido por outras pessoas. Antes da troca de tiros, Jorge teria gritado "aqui é Bolsonaro", segundo relatos de testemunhas registrados no Boletim de Ocorrência. Marcelo comemorava o aniversário de 50 anos, em festa temática do PT. O crime aconteceu às 23h40 de sábado e o BO foi registrado minutos depois da meia-noite.

Segundo a mulher de Marcelo, Pamela Suelen Silva, a festa estava próxima do fim e havia por volta de 15 pessoas quando o policial penal invadiu o local. "É uma extrema estupidez tudo isso que aconteceu", disse, abalada. Ainda de acordo com ela, a mulher do agressor e um bebê, filho dele, estavam dentro de um carro e presenciaram o momento em que o homem grita palavras de apoio ao presidente Bolsonaro.

A comemoração ocorria na sede da Associação Esportiva Saúde Física Itaipu. Boletim de Ocorrência registrado na Polícia Civil do Paraná relata que o bolsonarista chegou ao local de carro e desceu armado, gritando "aqui é Bolsonaro!", e foi embora. Cerca de 20 minutos depois ele retornou sozinho, ainda armado. Guaranho atirou duas vezes contra Marcelo Arruda, que revidou e baleou o policial penal. Ainda de acordo com o BO, ninguém na festa conhecia o bolsonarista, que não foi convidado.

Carreira política

Marcelo havia se candidatado a vice-prefeito da cidade pelo PT, em 2020, e era diretor do Sindicato de Servidores Públicos do município, além de tesoureiro do partido em Foz do Iguaçu. Ele deixa mulher e quatro filhos.

A prefeitura de Foz do Iguaçu, o Sindicato dos Servidores Municipais do município e Câmara Municipal divulgaram notas para lamentar a morte do guarda municipal.(Colaborou Thays Martins)

 


Presidenciáveis condenam intolerância

Pré-candidatos à Presidência e parlamentares comentaram o assassinato do guarda municipal de Foz do Iguaçu (PR). Pelo Twitter, o ex-presidente Lula atribuiu o crime à "intolerância" inflamada pelo discurso do presidente Jair Bolsonaro. "Uma pessoa, por intolerância, ameaçou e depois atirou nele, que se defendeu e evitou uma tragédia maior. Duas famílias perderam seus pais. Filhos ficaram órfãos, inclusive os do agressor. Meus sentimentos e solidariedade aos familiares, amigos e companheiros de Marcelo Arruda", publicou Lula, antes da confirmação de que o agressor havia sobrevivido.

O ex-presidente também pediu compreensão e solidariedade com os familiares de José da Rocha Guaranho. "Eles perderam um pai e um marido para um discurso de ódio estimulado por um presidente irresponsável. Pelos relatos que tenho, Guaranho não ouviu os apelos de sua família para que seguisse com a sua vida. Precisamos de democracia, diálogo, tolerância e paz", comentou.

O pré-candidato à Presidência pelo PDT, Ciro Gomes (CE), também antes de saber que apenas Arruda havia morrido, disse que o ódio político precisa "ser contido", citando a morte de "dois pais de família" fruto de uma "guerra absurda, sem sentido e sem propósito", em comentário semelhante ao do ex-presidente Lula. "É triste, muito triste, a tragédia humana e política que tirou a vida de dois pais de família em Foz do Iguaçu. O ódio político precisa ser contido para evitar que tenhamos uma tragédia de proporções gigantescas."

A senadora e pré-candidata pelo MDB, Simone Tebet (MS), disse, em nota, que lamenta profundamente as mortes violentas em Foz do Iguaçu. "Me solidarizo com as famílias de ambos. Mas o fato é que esse tipo de situação escancara de forma cruel e dramática o quão inaceitável é o acirramento da polarização política que avança sobre o Brasil. Esse tipo de conflito nos ameaça enormemente como sociedade. É contra isso que luto e continuarei lutando."

Tebet disse ainda que tem certeza de que "nós, brasileiros, temos todas as condições de encontrar um caminho de paz, harmonia, respeito, amor e dignidade humana suficientemente sólido para reconstruir o Brasil. Que o caso de Foz do Iguaçu faça soar o alerta definitivo. Não podemos admitir demonstrações de intolerância, ódio e violência política".

O pré-candidato do Avante, deputado federal André Janones (MG), perguntou se a população vai esperar que a tragédia e a barbárie cheguem dentro de casa para combatê-la. "Essa idiotização que muitos chamam de polarização não pode prevalecer. O Brasil precisa cuidar dos seus problemas reais, não criar novos", escreveu. "Mas, e amanhã? Amanhã nós vamos esquecer como esquecemos o Genivaldo assassinado brutalmente em uma viatura? Aplaudir e agradecer agressores durante discursos em cima de palanques, como feito ontem? Nós vamos nos chocar só com o agora? Não vamos mudar essa mentalidade?", questionou.

Segundo Janones, o debate ideológico sem qualquer base racional levou à tragédia. "Ninguém vai conseguir explicar essa paixão que leva um ser humano a odiar o outro por convicções políticas diferentes. Hoje, nós vamos lamentar, desejar condolências às famílias", apontou.

O deputado federal Luciano Bivar (PE), pré-candidato pelo União Brasil, postou na sua conta do Twitter que é "indmissível onde chegamos. Esta doença 'política' contaminou nossa gente, até aqueles que amamos lá na casa da esquina".

O presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), declarou que "o assassinato de um cidadão, durante a comemoração de seu aniversário com a temática do candidato Lula é a materialização da intolerância política que permeia o Brasil atual e nos mostra, da pior forma possível, como é viver na barbárie". "Devemos todos, especialmente os líderes políticos, lutar para combater este ódio, que vai contra os princípios básicos da vida em família, em sociedade e em uma democracia."

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes se manifestou, pelo Twitter. Na postagem, declara que "a intolerância, a violência e o ódio são inimigos da Democracia e do desenvolvimento do Brasil. O respeito à livre escolha de cada um dos mais de 150 milhões de eleitores é sagrado e deve ser defendido por todas as autoridades no âmbito dos Três Poderes".

Bolsonaro ataca a esquerda

O presidente Jair Bolsonaro (PL) declarou, na noite de ontem, em sua conta no Twitter, que dispensa "qualquer tipo de apoio de quem pratica violência contra opositores", referindo-se ao caso do apoiador bolsonarista dele que atirou e matou um guarda municipal e militante petista em Foz do Iguaçu (PR), no sábado.

"A esse tipo de gente peço que, por coerência, mude de lado e apoie a esquerda, que acumula um histórico inegável de episódios violentos", continuou na mesma linha, sem citar nomes.

De acordo com o boletim de ocorrência registrado na Polícia Civil de Foz, o agente penitenciário Jorge José Guaranho invadiu o aniversário de Marcelo Arruda gritando "Aqui é Bolsonaro!". A festa tinha como tema uma homenagem ao ex-presidente Lula.

Bolsonaro prosseguiu, na publicação, acusando "o lado de lá" de dar facada, destruir patrimônio, proteger terroristas e desumanizar pessoas com rótulos.

"Falar que não são esses e muitos outros atos violentos, mas frases descontextualizadas que incentivam a violência, é atentar contra a inteligência das pessoas. Nem a pior nem a mais mal utilizada força de expressão será mais grave do que fatos concretos e recorrentes", escreveu.

O presidente terminou dizendo esperar que as "autoridades apurem seriamente o ocorrido e tomem todas as providências cabíveis, assim como contra caluniadores que agem como urubus que tentam lhe prejudicar 24 hora por dia".

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