
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva ameaçou, ontem, "tomar atitudes mais drásticas" caso o preço dos alimentos não caia depois das iniciativas anunciadas pelo governo, na quinta-feira. Não esclareceu, porém, que medidas tomaria, nem o Palácio do Planalto disse do que se tratava. Ele disse estar "muito preocupado" com a situação.
"O preço do café está muito caro para o consumidor. O preço do ovo está muito caro, o milho está caro — e nós estamos tentando encontrar uma solução. A gente não quer brigar com ninguém. A gente quer encontrar uma solução pacífica, mas, se a gente não encontrar, a gente vai ter que tomar atitudes mais drásticas", ameaçou, em discurso no Quilombo Campo Grande, acampamento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) em Campo do Meio (MG).
Entre as medidas apresentadas na quinta-feria, está a redução do imposto de importação de itens como carnes e café — intensamente consumido pelo brasileiro. Além disso, solicitou que as unidades da Federação reduzam seus impostos e anunciou o reforço dos estoques reguladores da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
Porém, entre os agentes do setor, é grande o ceticismo a respeito da efetividade das medidas do governo na redução dos preços dos alimentos. O presidente da Associação de Bares e Restaurantes (Abrasel), Paulo Solmucci, considera que as iniciativas trarão efeitos práticos para o consumidor.
"Os produtos que o governo diz que vai desonerar são produtos que o Brasil exporta em grande quantidade, como carne, milho e café. Se a gente exporta isso, é porque os nossos preços são melhores do que os lá de fora. É muito difícil imaginar que essa medida tenha algum impacto relevante", adverte.
Solmucci acredita que o governo deveria ouvir mais setores da economia para tomar uma decisão. "Perdeu a chance de fazer uma coisa boa", lamentou.
Paliativos
A Sociedade Rural Brasileira (SRB), por sua vez, considera as soluções apresentadas como paliativas. Não corrigem, conforme observa, os gargalos da produção agropecuária. E alerta: trarão efeitos negativos no médio e no longo prazo.
"A redução das tarifas de importação de alimentos, por exemplo, é ineficaz, visto que a produção interna é suficiente para o abastecimento do país. Não temos problemas com a oferta de produtos. O Brasil é um dos maiores e mais competitivos produtores de grãos e proteínas do mundo. Portanto, mesmo com alíquota zero, dificilmente os produtos importados chegarão a preços inferiores", aponta, acrescentando que "o Custo Brasil representa um dos principais entraves ao crescimento econômico do país, englobando problemas estruturais, burocráticos, trabalhistas e tributários que impactam diretamente a competitividade".
A economista Alessandra Ribeiro reforça o baixo impacto das medidas. "Os efeitos devem ser mínimos e não deverão mudar o cenário para a inflação, a não ser que as unidades da Federação concordem em reduzir o ICMS da cesta básica. Mas isso é difícil porque a situação fiscal não está boa", lembrou.
A Associação Brasileira de Supermercados (Abras) acredita que o sistema atual de vouchers de alimentação, do Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT), é um dos fatores que mais inflam os preços — e sugere que seja olhado com mais cuidado pelo governo federal. O vice-presidente da entidade, Marcio Milan, avalia que a proposta do governo de conversar com as 27 unidades da Federação para reduzir o Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) é complexa.
"Não é uma coisa que você consegue encaminhar a curto prazo. Mas, no fundo, acho que todas essas coisas que foram colocadas (na reunião) têm um objetivo. Quantas delas são factíveis? Em que tempo são factíveis para reduzir os preços dos alimentos? Ainda não sabemos", frisa.
Aproximação
Lula visitou pela primeira vez em seu mandato, um acampamento sem-terra e fez uma série de acenos. Prometeu que entregará, até o final do mandato, tudo o que prometeu ao MST, que cobra do Palácio do Planalto medidas em prol da reforma agrária — a entidade considera que a pauta está praticamente parada, desde que o governo tomou posse, em 2023.
A visita de Lula aos sem-terra vem num momento em que o presidente dá sinais de que não pretende ampliar os espaços do governo para os partidos do Centrão, na reforma ministerial, e de que a articulação política será conduzida pelo PT até a eleição de 2026. A ida da deputada federal Gleisi Hoffmann (PT-PR) para a Secretaria de Relações Institucionais no lugar de Alexandre Padilha, removido para o Ministério da Saúde, foi um primeiro sinal disso.
Além do mais, as especulações de que o deputado federal Guilherme Boulos (PSol-SP) está cotado para a Secretaria da Presidência — no lugar de Márcio Macêdo — e de que a também deputada federal Tábata Amaral (PSB-SP) poderia ser convidada para o Ministério da Ciência e Tecnologia reforçam a ideia de aumentar os espaços para a esquerda no primeiro escalão ministerial.
No encontro com o MST, Lula disse que seus "amigos de verdade" estão ali. O aceno tem também a intenção de manter a popularidade entre seus apoiadores, sobretudo por causa da aproximação do Abril Vermelho — período no qual os sem-terra intensificam as ocupações de terras.
Alfinetada
"Todo mundo sabe que tenho lado. Todo mundo sabe que, quando terminar o meu mandato, vou voltar para minha casa. Não vou para Paris, não vou para Londres, não vou para os Estados Unidos", disse, alfinetando o antecessor Jair Bolsonaro, que em 30 de dezembro de 2022 viajou para os EUA e não passou a faixa presidencial.
"Vou voltar para minha casa. E quem são os meus amigos depois que deixar a Presidência? São vocês, que foram para a vigília (em frente à sede da Polícia Federal, em Curitiba, onde esteve preso por causa da Operação Lava-Jato) gritar: 'Bom dia, boa tarde, boa noite, Lula'. Nunca esqueço quem são os meus amigos", frisou.
O presidente vinha sendo criticado pelo MST, que prometia intensificar a pressão e as invasões de terra. Para lideranças do movimento, o governo federal não assentou nenhuma família desde 2023 — somente regularizou a situação de quem já estava assentado. Em janeiro, os sem-terra divulgaram um documento denunciando a "paralisia" da reforma agrária, e anunciando pressão para que Lula assente as 100 mil famílias que aguardam um lote regular.
Acompanharam o presidente a primeira-dama Janja e os ministros Paulo Teixeira (Desenvolvimento Agrário), Esther Dweck (Gestão e Inovação), Alexandre Silveira (Minas e Energia) e Macaé Evaristo (Direitos Humanos), além do presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), César Aldrighi. (Colaborou Fabio Grecchi)Saiba Mais

Raphael Pati
Repórter de EconomiaNascido em Brasília, em 2002, é repórter na editoria de Política, Economia e Brasil do Correio Braziliense. Desde 2020, é estudante da graduação em Jornalismo pela Universidade de Brasília (UnB).