
Apesar de as eleições gerais serem somente em outubro de 2026, vários movimentos políticos já vêm sendo feitos de olho nas urnas. E a Justiça Eleitoral está atenta e preparada, segundo a ministra substituta do Tribunal Superior Eleitoral, Vera Lúcia Santana Araújo, sobretudo diante da expectativa de que a inteligência artificial (IA) seja um instrumento a ser largamente utilizado pelas campanhas. O TSE está estruturado para, mais uma vez, conduzir o pleito com serenidade e garantir o resultado que emergir da votação, apesar da polarização e da pressão de grupos organizados contra as instituições que compõem o Estado Democrático de Direito. Além disso, a ministra faz parte de uma lista tríplice, entregue ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, para que torne-se integrante permanente do TSE. Leia a seguir a entrevista concedida ao Correio.
A desinformação tem força para desestruturar o sistema eleitoral?
Os poderes constituídos são absolutamente unânimes em termos do reconhecimento e, consequentemente, defesa da nossa estrutura judiciária eleitoral. Então, isso já garante uma outra condição. E, segundo, é que, realmente, a despeito de todos os debates em torno dessa questão da votação eletrônica, a gente, ao fim e ao cabo, teve um processo político consideravelmente regular. Não houve nenhuma impugnação à diplomação dos eleitos, em todos os níveis, desde a Presidência da República aos deputados estaduais e distritais, no caso do Distrito Federal. Acho que a gente teve, institucionalmente, um processo eleitoral absolutamente normal, rigorosamente normal. Sim, você teve muito debate, muita insuflação, mas a condução firme e rigorosamente constitucionalizada na atuação do Judiciário Eleitoral nos conferiu a pacificidade e a sustentação do Estado Democrático de Direito a partir da soberania das urnas. Então, não teve nenhum grande transtorno. Todas as ameaças foram combatidas eficazmente pela Justiça Eleitoral no tempo próprio.
Qual o papel do TSE no combate à desinformação eleitoral?
Sou do tempo em que a gente entrava com pedido de busca e apreensão de material que estava sendo impresso na gráfica X, no endereço Y. E tínhamos uma ordem judicial para que aquele material contendo acusações contra candidatos, candidatas, fosse apreendido. Muitas vezes já estava em circulação. Você conseguia recolher na distribuição nas ruas, ou seja, o panfleto que era colado nos muros — aqui em Brasília, tinha aquela coisa dos ‘pirulitos’, que, à época, foram construídos nos pontos de ônibus exclusivamente para a adesivação de material de propaganda eleitoral. Hoje, em qualquer cidade, você pode produzir um estrago na imagem política de determinada candidatura, e até mesmo um estrago político no próprio funcionamento das instituições democráticas — e, por óbvio, do Poder Judiciário. Quer dizer: acho que a gente vive tempos muito difíceis nessa perspectiva, porque é, literalmente, um mundo sem qualquer espécie de fronteira, o que não significa que sejam territórios sem lei. E, no Brasil, a gente tem a Constituição da República Federativa com suas fronteiras muito bem delimitadas, com normas constitucionais que precisam ser respeitadas por tantos quanto operem qualquer espécie de comunicação no território brasileiro. Então, é cada dia mais desafiador.
A Justiça Eleitoral tem conseguido lidar com esses desafios?
Não tenho a menor dúvida sobre a robustez do nosso sistema de Justiça e, em particular, da Justiça Eleitoral para fazer face a todas essas ameaças contra candidaturas e ao próprio Estado Democrático de Direito. Na medida em que você descredibiliza e intenta contra o processo da votação, que é conhecidamente invejável, da eficiência e da segurança do nosso sistema de votação eletrônica, isso requer respostas prontas. E o Judiciário Eleitoral não tem se furtado a cumprir seu papel constitucional. Naturalmente, ele se aperfeiçoa e se fortalece cada vez mais para responder, a tempo, qualquer agressão ou violação que se dê no âmbito das suas competências constitucionais.
Além do combate à desinformação, quais são as outras atuações do TSE para garantir a lisura do pleito eleitoral?
A desinformação é absolutamente impermeável. No entanto, a minha experiência ao longo deste ano e pouco como ministra substituta — e, inclusive, o de vice-diretora da Escola Judiciária Eleitoral do TSE —, tem me permitido um diálogo muito mais junto às bases. A gente não pode pensar que a Justiça Eleitoral funciona, exclusivamente, a partir daqui do nosso Tribunal Superior Eleitoral, que, naturalmente, pela firmeza dos seus comandos, leva a todos os rincões um grau de segurança jurídica, política e institucional muito forte. E o engajamento dos servidores e servidoras do Poder Judiciário Eleitoral é uma coisa quase que emocionante. Isso faz uma defesa real do processo eleitoral lá na ponta, da rigidez, da lisura e, consequentemente, das garantias para o exercício real do dia da votação, para que todo nosso eleitorado possa escolher e exercitar o seu sufrágio universal com segurança. Em um país continental, com desigualdades econômicas, sociais e regionais, que você enfrenta cheia de um lado, e tem às vezes uma seca que impede a trafegabilidade fluvial em muitas regiões, a gente vive as eleições com dificuldades de toda ordem. E, naturalmente, a desinformação é uma dificuldade a mais. E a isso se somam o cumprimento das resoluções e dos comandos do TSE para que a informação chegue até a ponta.
Como o TSE atua no combate à desinformação, além da parceria que faz com os checadores profissionais?
É de domínio público que a gente tem uma certa cristalização, de algum segmento da população, em torno de um discurso pouco afeto à democracia, às políticas de inclusão e, consequentemente, de busca de um Estado Democrático que seja pleno, substantivo e material. Isso significa que há um espaço de proliferação para discursos misóginos — que, às vezes, impedem que as mulheres possam vir a participar mais efetivamente da vida democrática, não somente como eleitoras, mas também como candidatas — e há ineficácia ainda no cumprimento das políticas de ação afirmativa para o financiamento das candidaturas de negras e negros. Então, todo esse aparato normativo, que qualificaria a nossa democracia, ainda não ganhou muita materialização. Tanto que a gente tem uma representação muito menor de mulheres e de negras e negros na política, embora sejamos maior parte da população. Esses são os desafios reais da democracia brasileira, mas desafios esses que passam em muito pela própria sociedade, pela capacidade de mobilização e pelos partidos políticos, na medida em que eles detêm o monopólio da representação política. Então, todas essas forças sociais precisam se voltar para o compromisso e o dever de defesa do Estado Democrático de Direito, do primado da dignidade humana, que é um princípio fundante da própria República Federativa do Brasil. A minha expectativa é de que, a despeito de todos os problemas reais — dificuldades reais que a gente já enfrenta hoje, que serão talvez mais agudizados com o processo eleitoral em si —, a gente tenha o crescimento dessa consciência coletiva, social, de reafirmação muito veemente de que queremos ser uma nação moderna — e, como tal, há que ser primeiro democrática. Não há de se falar em democracia se você excluir as maiorias, não é? Então, que a gente avance nessa perspectiva.
A senhora espera ser nomeada ministra efetiva do TSE?
Se componho uma lista de três nomes, por óbvio que espero muitíssimo que o presidente da República faça a escolha do meu nome. Sei que reúno todas as condições, os requisitos constitucionais, éticos, morais, políticos e institucionais. Também tenho a expectativa de sê-lo, inclusive em homenagem a uma tradição ainda bastante cultuada na Justiça Eleitoral, e também no TSE, que é de uma ministra quando na substituição, e que integra uma lista para titular, costuma fazer parte da escolha da autoridade constituída nacional, competente para designar essa nomeação. Naturalmente, espero que essa tradição se mantenha. Mas, qualquer que seja a decisão do presidente da República, para mim será da mais absoluta sabedoria, porque somente a ele compete fazer esse juízo de valor. Qualquer decisão que seja proferida para mim é absolutamente legítima. E continuo exercendo meu mandato de ministra substituta até 6 de fevereiro de 2026.
Quando começou sua atuação no direito eleitoral, foi algo planejado?
Não, não tinha como planejar. Primeiro, porque nem eleição existia. Entrei na faculdade em 1978, então nem eleição tínhamos. Hoje, são poucas as faculdades que têm em suas grades curriculares a matéria de direito eleitoral. Então, no meu tempo, nem pensar. Mas, quando exercitei o direito do voto pela primeira vez, em 1986, para a Assembleia Nacional Constituinte, ali comecei a atuar como advogada eleitoral. Então, foi meu primeiro voto, minha primeira atuação como advogada eleitoral. Mas não é que tivesse havido um planejamento. Foram as circunstâncias da vida mesmo.
A senhora esperava esse movimento da ministra Cármen Lúcia de entregar uma lista tríplice só com nomes de mulheres?
Não tinha conhecimento nenhum. Dentro do Tribunal, cumpro as incumbências que a presidente designa, mas nunca tivemos nenhuma espécie de conversa sobre qualquer organização regimental desses processos político-institucionais, e a motivação para a escolha foi feita com muita contundência lá no Supremo Tribunal Federal, ao apresentar a lista dando seus fundamentos. Quer dizer: o Tribunal Superior Eleitoral tem o dever político-constitucional de promover medidas que levem à representatividade das mulheres na política. Desde a gestão passada, sob a presidência do ministro Alexandre de Moraes, o Tribunal sumulou balizas muito bem definidas — por exemplo, de combate à fraude e à cota de gênero na política. Este ano, o plenário do TSE editou resolução remetendo aos tribunais regionais a observar essa representatividade e paridade na composição de suas listas regionais. Os fundamentos foram expostos pela própria ministra Cármen Lúcia, na qualidade de presidente do Tribunal Superior Eleitoral, junto ao Supremo. As razões de decidir foram expostas por ela mesma.
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