
Na acareação, nesta terça-feira, com o ex-ministro da Defesa Walter Braga Netto, o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens da Presidência, manteve sua versão de que recebeu dinheiro do general em uma sacola de vinho. O montante seria usado, supostamente, para bancar os acampamentos em frente aos quartéis. Braga Netto nega ter entregado dinheiro a Cid. Na avaliação de especialistas, o encontro nada acrescentou ao julgamento sobre a trama golpista.
A acareação ocorreu no Supremo Tribunal Federal (STF). Cid reiterou que Braga Netto lhe entregou o valor no Palácio do Alvorada. O general nega: "O Cid veio atrás e perguntou: 'General, o PL pode conseguir algum recurso?'. Eu viro para ele e falo: 'Procura o Azevedo' (...). Eu não pedi dinheiro para ninguém e não dei dinheiro nenhum para o Cid", alegou Braga Netto diante do relator do caso na Corte, o ministro Alexandre de Moraes.
Cid afirmou que a sacola estava lacrada e que não chegou a ver o dinheiro, mas que o próprio Braga Netto afirmou que a quantia deveria ser usada para bancar os acampamentos. O tenente-coronel afirmou que calculou o valor aproximado pelo peso da sacola, mas que em momento nenhum ela foi aberta.
O ex-ajudante de ordens também sustentou que não mencionou a transação no primeiro depoimento ao STF porque ainda estava em "choque" após as prisões de antigos aliados na investigação.
Questionado pela defesa de Braga Netto sobre o local exato da entrega do dinheiro, Mauro Cid não soube responder. Disse que poderia ter sido em uma das três áreas onde mais transitava no Palácio do Alvorada: a garagem privativa, a sala da ajudância de ordens ou o estacionamento ao lado da piscina.
"Também indagado pelo advogado do réu Braga Netto, o réu colaborador, disse se recordar que o dinheiro foi recebido pela manhã, sem exatamente lembrar o horário, e que a entrega não foi presenciada por mais ninguém e que não possui provas materiais do recebimento do dinheiro", diz um trecho da ata da acareação.
Outro ponto de divergência foi uma reunião que teria ocorrido na casa de Braga Netto, em 12 de novembro de 2022. Segundo Cid, participaram os coronéis Rafael de Oliveira e Ferreira Lima, e o objetivo era buscar formas de impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
"Eles estavam insatisfeitos com o rumo do processo eleitoral, insatisfeitos com o rumo que até as Forças Armadas estavam tratando esses assuntos. Foi uma conversa nesse nível, inicialmente desse nível, o que poderia ser feito, o que deveria ser feito, sempre nessa toada. Mas não teve nada, naquele momento que eu estava presente, de radicalismo ou de planejamento, ou de apresentação formal de alguma ideia ou de alguma ação", relatou Cid.
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Braga Netto, por sua vez, negou a reunião em sua casa, embora tenha admitido o encontro: "Cid ligou ou interfonou e falou: 'Chefe, estamos aqui embaixo, eu e dois membros do grupo das Forças Especiais que queriam conhecer o senhor'". Segundo o general, a reunião durou entre 20 e 30 minutos.
Já Cid afirmou que foi dispensado do encontro por Braga Netto para "não aproximar nada do presidente ou nenhuma relação com manifestantes", teria dito o general na ocasião, de acordo com o réu colaborador.
Ao final da acareação, a defesa de Braga Netto disse que irá pedir novamente para que a delação de Cid seja anulada.
A audiência não foi gravada por determinação de Moraes, para "evitar pressões indevidas, inclusive por meio de vazamentos pretéritos do que seria ou não perguntado aos corréus".
O advogado Nauê Bernardo explica que "as inconsistências serão analisadas de acordo com o que chamamos de 'padrão de prova'". "É sempre importante lembrar que eventual dúvida a respeito de ter existido ou não algum crime deve sempre ser interpretada a favor de cada réu", destacou.
Por sua vez, a advogada Hanna Gomes diz que "as demais provas dos autos poderão contribuir para o entendimento do ministro relator". Na avaliação dela, "as provas são destinadas ao livre convencimento do juiz da causa, isso porque o sistema jurídico brasileiro adota o princípio do livre convencimento motivado do juiz". Isso "significa que o ministro tem liberdade para valorar as provas, ou seja, dar mais peso a um tipo de prova em detrimento de outro, desde que justifique sua decisão". "Se as inconsistências persistirem, ele poderá decidir qual versão lhe parece mais crível, com base em todo o conjunto probatório", ressaltou. (Com Agência Estado)
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