
Três importantes ausências tornarão a cúpula do Brics, em 6 e 7 de julho, no Rio de Janeiro, um cenário a ser dominado pelo Brasil. Isso porque o evento não contará com as presenças dos presidentes da China, Xi Jinping, e do Irã, Masoud Pezeshkian. Havia a expectativa de que o líder russo Vladimir Putin estivesse, finalmente, presente, mas o Kremlin recuou. Todos participarão dos debates por videoconferência.
No caso de Xi Jinping, a desistência surpreendeu e decepcionou integrantes do governo, uma vez que ele jamais deixou de comparecer a uma cúpula dos Brics — exceto durante a pandemia de covid-19. O Palácio do Planalto foi avisado da ausência pelo embaixador chinês em Brasília, Zhu Qingqiao. A justificativa para a desistência de vir ao Brasil é "conflito de agendas". A representação será feita pelo primeiro-ministro Li Qiang.
No caso de Masoud Pezeshkian, a Embaixada em Brasília afirma que a viagem está sendo avaliada. Mas, nos bastidores diplomáticos, o cessar-fogo do Irã com Israel não é considerado uma segurança suficiente para que ele se desloque de Teerã para o Rio de Janeiro — sobretudo porque é considerado um alvo pelos israelenses e poderia ser alcançado em espaço aéreo internacional. Além disso, tornou-se prioridade para o governo dos aiatolás a recomposição da infraestrutura nuclear e militar do país.
Em relação a Putin, a desistência foi confirmada na quarta-feira pelo assessor de política externa do Kremlin, Yuri Ushakov. Conforme salientou, o governo brasileiro "não conseguiu assumir uma posição clara que permita a participação do nosso presidente na reunião (no Rio de Janeiro)".
A dúvida pairava porque o Brasil é signatário do Tribunal Penal Internacional, que expediu um mandado de prisão contra Putin — em aberto desde 2023 — por crimes cometidos na invasão à Ucrânia. Embora decisões do TPI não sejam terminativas, o governo brasileiro seria obrigado a prender Putin no momento em que ele desembarcasse. Afinal, descumprir a decisão do tribunal coloca em risco a participação do país na Corte. A Rússia será representada pelo chanceler Sergei Lavrov.
Outros chefes de Estado e de governo, por sua vez, confirmaram a viagem. O primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, aproveitará também para fazer uma visita de Estado e será recebido com honras pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ao menos 28 líderes foram chamados para a cúpula, 20 dos quais são países membros ou parceiros do bloco.
Efeito simbólico
Para o professor do Instituto de Relações Internacionais (Irel) da Universidade de Brasília (UnB) Antônio Jorge Ramalho da Rocha, a ausência de Putin e Xi esvazia apenas marginalmente a cúpula. Ele avalia que a presidência brasileira dos Brics vem sendo intensa, mas ficou "espremida" entre o G20, no ano passado, e a COP30, em novembro — eventos tratados como prioridade pelo governo. Com a entrada dos novos membros plenos e de parceiros, as discussões deste ano têm cunho mais técnico, reorganizando os entendimentos e o funcionamento do grupo.
"A ausência pode, até mesmo, beneficiar a qualidade do diálogo técnico, tão necessário nessa etapa do processo de conhecimento mútuo das partes", observa Ramalho. Ele aponta que os resultados mais importantes do debate virão a longo prazo, com a construção de entendimentos sobre o financiamento do desenvolvimento sustentável, cooperação em saúde global e regulamentação sobre inteligência artificial. Esses diálogos levam a decisões conjuntas e posições consolidadas junto a outros órgãos internacionais — sobretudo as Nações Unidas.
A guerra entre Irã e Israel será mais um tema a ser debatido. "Será importante para os estados-parte conhecerem melhor as posições do Irã", pontua Ramalho.
Para o analista de política internacional da Consultoria BMJ Vito Villar, a presença do Irã aumenta a complexidade do encontro. Apesar de defender a paz, o Brics não costuma assumir uma participação direta em negociações de conflitos entre países para evitar uma divisão interna. Embora China e Rússia sejam parceiros históricos do Irã, outros membros, como a Índia — igualmente aliada do regime dos aiatolás —, têm relações importantes com os EUA.
"Ao mesmo tempo, o Brics deve aproveitar para criticar eventuais ações unilaterais norte-americanas na região, projetando a ideia de um mundo multipolar, mas evitando comprometer a coesão do grupo ao defender explicitamente o Irã", avalia Villar.
De acordo com Alexandre Andreatta, professor de relações internacionais no Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), embora a ausência de um líder importante resulte em um "menor impacto simbólico" e na capacidade de articulação direta entre os líderes, abre-se o espaço para o maior protagonismo do Brasil na condução da agenda do Brics.
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