
A três dias do início do tarifaço imposto pelos Estados Unidos aos produtos brasileiros, representantes do governo e do Congresso intensificaram os esforços, em diferentes frentes, para viabilizar alguma negociação e evitar que a medida seja colocada em prática na sexta-feira. Parte desse esforço é para costurar uma conversa entre Luiz Inácio Lula da Silva e Donald Trump. As tratativas estão sendo feitas pela missão de senadores que está em Washington e por um grupo de empresários com acesso à Casa Branca. Na outra ponta, o ministro de Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, que está em Nova York, também estaria fazendo gestões para construir uma ponte entre os presidentes.
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"Está na mesa, isso já foi proposto. O líder do governo, que está aqui (Jaques Wagner, PT-BA, que integra a comitiva de senadores aos EUA), já se propôs (a ajudar) que a Câmara (de Comércio) possa intermediar, também, um encontro entre os dois presidentes o mais rápido possível. (Pode ser) um telefonema. Mas, de preferência, uma conversa direta entre os dois presidentes o mais rapidamente possível", disse o senador Carlos Viana (Podemos-MG), depois de uma reunião na Câmara de Comércio dos Estados Unidos, ontem.
Para levar o governo norte-americano a negociar com o Brasil, os empresários e os parlamentares também combinaram uma carta direcionada à Casa Branca pedindo o adiamento do início do tarifaço. Ontem, Trump anunciou que as tarifas com a maior parte dos países ficaria no intervalo de 15% a 20% e que não haverá adiamento sobre a data em que passarão a vigorar. Ele não citou o Brasil, cuja alíquota é a maior de todas.
Com base nas conversas que o grupo de senadores teve com representantes da diplomacia brasileira — estiveram com a embaixadora Maria Luiza Viotti pela manhã — e com os empresários, o principal desafio nas negociações não é somente a simpatia de Trump por Jair Bolsonaro — embora o presidente dos EUA tenha iniciado a carta em que anunciou as tarifas ao Brasil com o que ele considerou uma "perseguição" ao ex-presidente — ou o suposto deficit comercial com o Brasil. O temor é a perda de espaço para os países do Brics, especialmente a China.
Foi Viana quem chamou a atenção para a questão do bloco ser um grande incômodo para Washington. "O Brasil tomou uma posição do Brics com que, hoje, os Estados Unidos não concordam, que não é só um grupo econômico. O Brasil está trabalhando uma geopolítica militar com a China e os americanos não querem esse acordo. Os norte-americanos entendem isso como uma ameaça à geopolítica militar no mundo. Então, o Brasil precisa trazer à mesa esses assuntos, que são nossos interesses de soberania, mas que envolvem outras nações", advertiu.
Viana expôs o quanto o bloco fundado por Brasil, China, Rússia, Índia e África do Sul — e que agrega, hoje, outros países, como Arábia Saudita, Irã, Egito e Indonésia, por exemplo — é enxergado com lupa pelo governo Trump. "Enquanto o Brics foi apenas um grupo comercial, que tratava apenas de importações e exportações, os Estados Unidos nunca se manifestaram. Mas, a partir do momento que o Brics quer criar uma nova geopolítica na área militar, na área de satélites e comunicação — o que é justo —, os americanos entendem que isso gera uma insegurança para a política deles. E eles querem colocar isso à mesa, também, para que o governo brasileiro possa explicar e, naturalmente, chegar a um novo acordo. Esse é o principal problema que temos hoje — a ameaça — com relação ao tarifaço", frisou o senador mineiro.
Vale lembrar que a carta de Trump anunciando a tarifa de 50% foi divulgada poucos dias depois da cúpula do Brics, no Rio de Janeiro, quando os integrantes do bloco debateram, entre outros assuntos, a substituição do dólar norte-americano por moedas locais em transações comerciais.
Adiamento é difícil
Para Nelsinho Trad (PSD-MS), presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado e que chefia a missão a Washington, será difícil que o governo norte-americano considere adiar o início do tarifaço. Mas disse que os parlamentares farão o possível para reverter a situação. "A gente sabe que isso é difícil. É algo que já teve precedência nesse sentido em relação a outros países. Mas o 'não' nós já temos. Vamos correr atrás do 'sim'", pontuou.
Trad disse, ainda, que o momento não é de considerar retaliações aos EUA e afirmou que a conversa com empresários norte-americanos, na Câmara de Comércio, dará subsídios ao grupo para debater com os parlamentares democratas e republicanos, nos encontros que serão mantidos hoje, no Capitólio. "Mostramos para eles que é uma situação ruim para o Brasil, porém muito ruim para os Estados Unidos também", afirmou. Sobre as reuniões com os congressistas norte-americanos, até a noite de ontem, seis conversas estavam confirmadas, segundo o Senado.
No cenário interno, entre o empresariado brasileiro começa a se formar um consenso de que o vice-presidente Geraldo Alckmin poderia fazer uma visita de Estado aos EUA, caso os esforços que estão sendo feitos por ora não cheguem ao ponto de facilitar um cenário favorável à conversa de Lula com Trump. Ele lideraria uma comitiva, que poderia incluir o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e se dirigiria diretamente à Casa Branca.
A probabilidade é de que isso aconteceria depois da entrada em vigor do tarifaço, uma vez que o Brasil tem de receber alguma sinalização dos EUA de que o grupo seria recebido, pelo menos, por figuras de proa do governo de Washington — como o vice-presidente J.D. Vance ou o secretário de Estado, Marco Rubio. O chanceler Mauro Vieira estaria trabalhando também com esta possibilidade.
Alckmin, por sua vez, tem mantido contatos com o empresariado, daqui e de lá, e encaminhado demandas aos norte-americanos. "Todo o empenho, nesta semana, é para a gente buscar resolver o problema. Estamos permanentemente em diálogo. Estamos dialogando neste momento pelos canais institucionais e pela reserva. Esse diálogo ele começou em março. Boa conversa e, em decorrência dela, se instaurou um grupo de trabalho. Em maio, nos foi solicitado uma carta e nós a remetemos, mas não tivemos uma resposta. Estamos conversando, estamos dialogando", explicou.
Mesmo assim, Alckmin avaliou como "importante" a consolidação de um plano de contingência. "Está sendo elaborado, é bastante completo e bem feito", acrescentou.
Enquanto as pontes não são construídas e as negociações, destravadas, o governo trabalha sob a certeza de que o tarifaço entra mesmo em vigor na sexta-feira. A equipe econômica finaliza a elaboração de um conjunto de medidas para evitar um impacto violento e deve dividi-las por setores. Uma das áreas de exportação que será protegida, neste primeiro momento, é a de produtos perecíveis, o que inclui de carne para processamento, pescados e frutas in natura — como manga, uva e açaí.
Mas as sugestões que serão levadas a Lula pelo Ministério da Fazenda obedecerão a balizas rigorosas, pois a preocupação é a de que, uma vez adotadas, não haja brechas para que outros setores da economia peguem carona e queiram os mesmos benefícios. O perfil dessas medidas será semelhante ao da ajuda emergencial ao Rio Grande do Sul por causa da devastação causada pelas enchentes, em 2024.
Ainda no plano interno, Lula pediu que o presidente americano, Donald Trump, "reflita sobre a importância do Brasil" e opte pelo diálogo em vez de decisões unilaterais. A cobrança foi feita na cerimônia de inauguração de uma nova usina de gás natural, no estado do Rio de Janeiro.
O presidente criticou o tarifaço ao lembrar que fere as boas práticas do comércio internacional e representa um revés nas relações bilaterais entre Brasil e EUA. "Espero que o presidente dos EUA reflita sobre a importância do Brasil e resolva fazer aquilo que no mundo civilizado a gente faz. Tem divergência? Senta numa mesa, coloca a divergência do lado e vamos tentar resolver. E não de forma abrupta, individual, tomar a decisão de que vai multar, taxar o Brasil em 50%", disse.
Saiba Mais
Israel Medeiros
RepórterSetorista no Congresso Nacional. Foi editor no Poder360, analista político e tem passagens pelo Brasil 61 e TSE. Tem especialização em macroeconomia e finanças internacionais.
Wal Lima
Repórter de PolíticaJornalista com mais de 10 anos de experiência, com especialização em Marketing Político Digital. Além da experiência em redação e portais, já atuei como assessora de comunicação de parlamentares na Câmara dos Deputados. Tenho o jornalismo como uma missão
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