VIOLÊNCIA POLÍTICA

Caso Marielle Franco é usado como forma de ameaça contra mulheres na política

Relatório do Instituto Marielle Franco (IFM) diz que 63% das ameaças analisadas fazem alusão direita ao assassinato da vereadora

Em muitos casos as vítimas recebem ataques por mensagens diretas e por comentários em publicações  -  (crédito: Bernardo Guerreiro / Mídia NINJA)
Em muitos casos as vítimas recebem ataques por mensagens diretas e por comentários em publicações - (crédito: Bernardo Guerreiro / Mídia NINJA)

Por Letícia Corrêa* — O Instituto Marielle Franco (IFM) apresentou nesta quarta-feira (27/8), na Câmara dos Deputados, a pesquisa Regime de ameaça: a violência política de gênero e raça no âmbito digital (2025). O estudo mostra que 63% das ameaças analisadas fazem alusão direta ao assassinato da vereadora, que ocorreu em 2018. Ele também revela outros números alarmantes de agressões contra mulheres que trabalham no setor político.

“Essa menção é um padrão simbólico e violento que usa esse crime como instrumento de controle ao converter o caso Marielle Franco em uma espécie de advertência brutal dirigida a outras mulheres negras e LGBTs que ousam ocupar o espaço político. Essa ocorrência denuncia como a violência política no âmbito digital pretende ser também pedagógica: ensinar pela ameaça, mobilizando o medo e a memória de uma execução política traumática para nossa democracia”, afirmou o assessor de pesquisa e incidência do Instituto Marielle Franco, Aron Giovanni de Oliveira.

Foram analisados 77 casos registrados entre junho de 2021 e julho de 2025. Dessas ocorrências, 69% das mulheres ameaçadas se autodeclaram pretas, seguidas por pardas (18%), brancas (10%) e não identificadas (3%). Em relação à sexualidade, 61% são heterossexuais, 25% bissexuais e 11% lésbicas. Cerca de 87% das vítimas são negras, trans ou travestis, LGBTQIA+ e/ou periféricas. Segundo o IMF, não existe democracia sem a força, o corpo e a voz das mulheres negras.

O instituto identificou sete principais formas de violência política de gênero e raça no âmbito digital, são elas:

  • Ameaça e intimidação;

  • Desinformação e fake news;

  • Discurso de ódio;

  • Violência simbólica e discursiva;

  • Exposição indevida de dados;

  • Assédio Digital;

  • Invasão das redes.

Dentro das ameaças e intimidações, as mais frequentes são ameaças de morte, com 63,6% dos casos, seguidas por ameaças de estupro (30,9%), de agressão física (3,6%) e exposição indevida de dados sensíveis (2,2%). O objetivo dos ataques é amedrontar para interromper ou atrapalhar o mandato das vítimas, já que 71% delas são parlamentares ativas.

Em relação às plataformas, 51% das ameaças ocorreram nos e-mails institucionais, como o Gmail, e 49% nas redes sociais, como Instagram, Facebook e Whatsapp. Brisa de Lima, coordenadora de incidência e pesquisa do IMF, não demoniza as redes sociais e entende que existem pontos positivos no uso delas, porém comenta a necessidade de mudança dos aplicativos, que estão reproduzindo preconceitos dos agressores.

“Embora também possam ser utilizadas como ferramentas de mobilização e denúncia por defensoras de direitos humanos, as redes sociais têm sido, massivamente, instrumentalizadas para amplificar violências políticas. Casos de xingamentos transfóbicos e racistas proferidos por representantes da extrema direita são filmados e disseminados online como estratégia para inflamar suas bases. É comum que essas agressões incluam alusões a Marielle Franco, especialmente em ameaças contra mulheres negras que atuam em espaços públicos”, disse.

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Sobre o uso dos e-mails institucionais como meio de propagar ameaças, o Instituto Marielle Franco se posiciona e o classifica como forma sofisticada e reveladora de agressão. “O impacto dessa violência também ultrapassa o ambiente digital: muitas mulheres após os ataques sofreram atentados presenciais como a invasão de seus gabinetes. Isso denuncia que a violência política digital produz efeitos concretos sobre a participação política e a segurança física dessas mulheres”, completou.

O IMF propôs mudanças para as redes sociais, com o intuito de reduzir as agressões. Entre elas estão:

  • Criar canais de denúncia unificados e com mecanismo de tipificação das violências diretamente nas plataformas, com especial atenção às redes de e-mail, para vítimas de violência política digital de gênero e raça e encaminhar as denúncias ao Ministério Público Eleitoral;

  • Se comprometer com a legislação nacional e internacional que versa sobre a garantia e a proteção de direitos, tais como o Marco Civil da Internet e a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), e os Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos (POs) da Organização das Nações Unidas (ONU);

  • Estabelecer critérios para a monetização de conteúdos e engajamento de publicações, nos quais sejam vetados conteúdos violentos, de desinformação e discurso de ódio, em especial contra mulheres negras, LGBTQIA+ de atuação política, no período eleitoral e de forma contínua.

O Google, responsável pelo Gmail, não respondeu até o momento da publicação da reportagem. Entramos em contato com a Meta, que compartilhou as políticas, ferramentas de segurança e recursos das plataformas são construídos com orientação de especialistas em segurança, acadêmicos, ONGs, ativistas de direitos humanos e membros da sociedade civil que integram ogrupo de Consultores Globais de Especialistas em Segurança para Mulheres. As plataformas possuem recursos e ferramentas de segurança, que permitem que o usuário se proteja contra conteúdos e contatos indesejado, além de um canal de denúncia que oferece suporte 24 horas, 7 dias por semana, para enviar casos de violações.

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postado em 27/08/2025 20:11 / atualizado em 28/08/2025 16:32
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