entrevista

Não quero que vire pizza nem palanque, diz presidente da CPMI do INSS

Senador Carlos Viana admite que polarização impactará o colegiado e fala do desafio de os trabalhos avançarem em ano eleitoral, mas diz que não permitirá quebra de decoro nem desvio de objetivo. Ele também espera acesso aos 14 inquéritos sobre as fraudes, que estão no STF

Senador Carlos Viana:
Senador Carlos Viana: "Ninguém está blindado" - (crédito: Bruna Gaston CB/DA Press)

Presidente da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do INSS, o senador Carlos Viana (Podemos-MG) reconheceu que a polarização deve impactar os trabalhos de investigação das fraudes contra aposentados e pensionistas da Previdência Social, mas assegurou que não permitirá quebra de decoro nem desvio da meta do colegiado. 

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"Não quero que vire pizza nem palanque. Minha meta é entregar respostas à sociedade. Cada parlamentar tem o direito de falar o que quiser. O que não posso permitir é quebra de decoro. O embate político é natural, mas não pode esconder o objetivo da comissão, que é investigar os crimes", declarou, em entrevista aos jornalistas Carlos Alexandre de Souza e Adriana Bernardes, no programa CB.Poder, parceria do Correio com a TV Brasília.

Devido ao grande número de depoimentos e dados a serem levantados, Viana destacou que os trabalhos podem se estender para além do prazo de seis meses. De qualquer forma, o colegiado avançará no ano eleitoral, o que será um desafio, na análise do parlamentar.

Viana se reuniu, nesta quarta-feira à noite, com o ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal (STF), e pediu o compartilhamento de 14 inquéritos a respeito das fraudes. "Se tivermos acesso ao que a Polícia Federal já levantou, poderemos avançar muito mais rápido", explicou. A seguir, os principais trechos da entrevista:

Qual é a avaliação do senhor sobre a aprovação do plano de trabalho da CPMI?

Fiquei mais tranquilo quando percebi que tínhamos, da parte do governo, o desejo de dialogar e também da parte do relator, com quem tenho conversado muito, de buscarmos um consenso. O plano de trabalho é a espinha dorsal de uma comissão parlamentar de inquérito. Naturalmente, por ser política, ela tem seus lados de discursos e holofotes, pontos ideológicos e partidários. Isso é natural nos embates. O que precisamos ter, com muita firmeza, é a meta, o objetivo da CPMI, que é dar respostas à população. O plano de trabalho define quais os passos, os momentos e que será ouvido, as testemunhas e os convidados. O relator, deputado Alfredo Gaspar, tem 25 anos de carreira no Ministério Público, nove deles à frente do Gaeco. Tenho confiança de que, juntos, vamos produzir uma peça jurídica firme para enfrentar a impunidade.

Quais respostas o senhor pretende obter com a CPMI?

Primeiro, entender como essas pessoas tiveram acesso à Previdência. Há informações de que pelo menos 10 mil pessoas têm senhas de acesso ao cadastro. Isso é um absurdo. Segundo, identificar quem se beneficiou e quem possibilitou esse acesso. Terceiro, descobrir onde foi parar o dinheiro. Estamos falando de quase R$ 10 bilhões desde 2015.

O recorte de tempo da CPMI será de 2015 para cá?

Sim. Decidimos investigar a partir de 2015.

Como garantir que, em um Congresso polarizado, a CPMI consiga chegar à responsabilização de quem fraudou o sistema?

Tenho experiência como relator da CPI de Brumadinho, que embasou processos no STF e ações de famílias contra a Vale. Lá, pedimos, inclusive, prisão de dirigentes. O que espero agora é o mesmo: se tiver político envolvido, vai ter que aparecer. Há indícios de lavagem de dinheiro em carros e imóveis de luxo. O sigilo bancário pode ser quebrado pela CPMI. Queremos que os depoimentos revelem como esse esquema funcionou.

O senhor tem uma meta para concluir os trabalhos?

A CPMI está dividida em duas etapas. Primeiro, vamos investigar os descontos irregulares de associações e sindicatos. Depois, os empréstimos consignados. Bancos e cooperativas também serão chamados. Mas é preciso separar responsabilidades: há sindicatos e instituições que atuaram legalmente. Inicialmente, o prazo é de 90 dias, mas, pela complexidade, o mais provável é que haja prorrogação.

Houve acordo sobre nomes a serem convocados ou convidados?

O acordo foi apenas de procedimentos, não de nomes. Vamos convidar ex-ministros da Previdência desde o governo Dilma, diretores e superintendentes do INSS. Quanto ao irmão do presidente Lula ou a qualquer outro citado, ninguém está blindado. Se houver nexo causal, será convocado. Requerimentos de quebra de sigilo serão votados um a um, porque não há consenso.

Além das apurações, a CPMI pode indicar medidas práticas de combate a fraudes?

Sim. A comissão tem poder de indicar ao governo medidas cautelares para evitar novas ações criminosas. Mas, primeiro, precisamos entender como aconteceu a tragédia da Previdência. A prevenção é central, embora crimes sempre evoluam junto com a tecnologia.

Há preocupação de preservar a credibilidade do INSS, dado o desgaste político de uma CPMI?

Claro. O Tesouro já está ressarcindo aposentados. A questão é: quem vai ressarcir o Tesouro? Temos que identificar os culpados e confiscar bens, inclusive no exterior, onde há acordos internacionais. Não podemos deixar o prejuízo cair no bolso do contribuinte.

Avalia que foram fraudes isoladas ou houve uma organização?

Houve uma gênese nos descontos de associações, que existem há décadas. No governo Dilma, começaram a crescer, no final do governo Bolsonaro, houve um boom, e, no governo Lula, o valor chegou a patamares muito altos. Ou seja, atravessa governos. Descobrimos pelo menos 65 associações que surgiram e desapareceram do nada. Precisamos saber para onde foi esse dinheiro.

Quais serão os próximos passos da CPMI?

Já amanhã (nesta quinta-feira) ouviremos uma servidora da Defensoria Pública e um delegado da Polícia Federal, em reunião reservada. Também buscaremos junto ao ministro André Mendonça o compartilhamento de 14 inquéritos que estão no STF. Se tivermos acesso ao que a PF já levantou, avançaremos muito mais rápido.

Esses 14 inquéritos podem aumentar?

Sim. Recebemos denúncia de um estado do Norte onde já há cinco inquéritos abertos pelo Ministério Público. Já existe gente presa pelo esquema. Um desses presos, no Nordeste, quer colaborar. Isso pode ajudar bastante nas delações e acelerar os trabalhos.

A oposição tratou a eleição do comando da CPMI como vitória sobre o governo. Como o senhor pretende conduzir os embates políticos?

O governo sofreu uma derrota porque já estava organizado para eleger outro presidente. Fui eleito por três votos, porque meu nome era o único de centro. Converso com governo e oposição, eu me defino como centro-direita. Durante os trabalhos, cada parlamentar terá direito de falar o que quiser, mas não permitirei quebra de decoro. O objetivo central é investigar os crimes.

O senhor assegura que a CPMI não vai virar "pizza"?

Exatamente. Não quero que vire pizza nem palanque. Minha meta é entregar respostas à sociedade. Recebo diariamente mensagens de aposentados que confiam no nosso trabalho. Haverá pressões para encerrar rapidamente, mas não é o meu caso. Vamos até o fim, mesmo que seja necessário prorrogar.

Na sua avaliação, qual será a duração dos trabalhos?

Com o número de depoimentos de ex-ministros, superintendentes, diretores, servidores do Dataprev e da PF, dificilmente concluiremos em 180 dias. Com o recesso de fim de ano e a volta em fevereiro, será preciso prorrogar, inclusive para aprofundar a questão dos empréstimos consignados. O cenário eleitoral pode aumentar a polarização, mas seguiremos firmes. Se essa pizza for comida, será por alguém atrás das grades.


 


 

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postado em 28/08/2025 03:55
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