
Menos de uma semana depois de ter sido condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a 27 anos e três meses de prisão por tentativa de golpe de Estado e outros quatro crimes, o ex-presidente Jair Bolsonaro segue ditando a pauta política em Brasília. Embora em prisão domiciliar, continua articulando com aliados para reverter o efeito de sua condenação. Ontem, sua defesa pediu ao ministro Alexandre de Moraes autorização para receber visitas de lideranças estratégicas, entre elas o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e o relator do projeto de anistia na Câmara, deputado Rodrigo Valadares (União Brasil-SE), que já apresentou parecer favorável à medida.
Bolsonaro conserva a capacidade de mobilizar sua base parlamentar e tensionar as instituições. Na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), a proposta de anistia avança com o apoio do PL e de setores do Centrão, sob a narrativa de "pacificação nacional". Mas, na prática, funciona como um instrumento para esvaziar a decisão histórica do STF e abrir caminho para sua reabilitação política.
O governo percebeu a gravidade da ofensiva e intensificou as articulações para barrar o projeto. Também ontem, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva reuniu-se no Palácio da Alvorada com o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), em encontro não registrado na agenda oficial. Segundo relatos, Lula reiterou sua posição contrária à anistia e cobrou que o Legislativo não endosse uma medida que, em sua visão, desmoraliza o Judiciário.
Ao mesmo tempo, buscou manter abertas as pontes de negociação ao tratar de pautas econômicas de interesse direto da população, como a medida provisória que amplia a tarifa social de energia elétrica e o projeto que isenta de Imposto de Renda quem recebe até R$ 5 mil. O Palácio do Planalto depende de Motta para mudar a pauta da Câmara e virar a página da anistia, a partir de uma negociação no senado, para aprovação de um projeto de redução das penas dos condenados de 8 de Janeiro. O problema é que onde passa boi, passa boiada.
Ambiente deteriorado
A relação entre o Congresso e o Supremo ganhou nova fonte de atrito depois da decisão do ministro Flávio Dino de suspender os repasses das chamadas "emendas Pix". Usadas para transferir recursos federais diretamente a estados e municípios, essas emendas movimentaram R$ 17,5 bilhões entre 2020 e 2024, sem rastreabilidade adequada. Auditoria da Controladoria-Geral da União (CGU) apontou irregularidades em nove cidades, que vão de superfaturamento e desvios de objeto, até falhas graves de transparência. Dino não apenas bloqueou os recursos, como acionou a Polícia Federal (PF) para investigar, escancarando um esquema que vinha funcionando como válvula de escape orçamentária para parlamentares.
A medida reforça o discurso de combate à corrupção e atende às exigências de transparência fixadas pelo STF desde 2024, mas provocou forte reação no Congresso, que se vê privado de um instrumento fundamental de barganha política. A suspensão das emendas pode isolar o governo em votações estratégicas, inclusive na própria batalha contra a anistia.
Enquanto isso, no cenário internacional, a pressão norte-americana cresce. O secretário de Estado, Marco Rubio, classificou os ministros do STF como "juízes ativistas" e prometeu anunciar, em breve, medidas adicionais contra o Brasil, em resposta à condenação de Bolsonaro. Em entrevista à Fox News, chegou a acusar a Corte de tentar punir cidadãos americanos de forma extraterritorial.
Donald Trump reforçou o discurso, chamando a decisão de "terrível" e demonstrando insatisfação com o julgamento. Essa combinação de vozes republicanas não apenas fortalece Bolsonaro no discurso interno de perseguição política, como também ameaça o país com sanções que podem atingir setores estratégicos da economia e comprometer relações comerciais de peso.
O resultado é um ambiente político deteriorado: Bolsonaro, mesmo condenado, segue como polo de atração da oposição, orientando a agenda do Congresso e provocando reações do Executivo e do Judiciário. Lula busca resistir sem romper com a Câmara. Dino investe na transparência e enfrenta a ira parlamentar. E o STF tenta preservar a autoridade de sua decisão histórica. Ao mesmo tempo, os Estados Unidos intervêm abertamente, sinalizando que o futuro das relações bilaterais dependerá do destino político de Bolsonaro.
A tese de "pacificação nacional" é defendida pela base bolsonarista como um eufemismo para a impunidade. A democracia brasileira vive mais uma encruzilhada: aceitar uma anistia que relativiza o crime de golpe de Estado ou enfrentar o risco de radicalização e instabilidade institucional, no qual a governabilidade do país está sendo posta à prova.
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