Tecnologia

O Brasil na luta pela soberania digital

Palestrantes destacam potencial para avançar no desenvolvimento tecnológico, mas ressaltam a necessidade de superar gargalos

Ministros do STF, ressaltaram que, apesar da complexidade do tema, a regulação do uso de inteligência artificial no Brasil é inevitável -  (crédito:  Mariana Campos/CB/D.A Press)
Ministros do STF, ressaltaram que, apesar da complexidade do tema, a regulação do uso de inteligência artificial no Brasil é inevitável - (crédito: Mariana Campos/CB/D.A Press)

O avanço de tecnologias como a inteligência artificial (IA) obriga o Brasil a se reposicionar e investir em áreas estratégicas como a instalação de data centers e formação de talentos. A análise é compartilhada por autoridades e especialistas no tema que participaram, ontem, do 3º Brasília Summit: Inovação, Tecnologia e Data Centers, evento realizado pelo Lide e pelo Correio Braziliense no Brasília Palace Hotel.

Com uma matriz energética quase toda sustentável, grande extensão territorial e recursos naturais, como terras raras, o país possui grande potencial — e já lidera na América Latina —, mas precisa resolver gargalos, como a falta de infraestrutura e, principalmente, de regulamentações que orientem o uso das novas ferramentas tecnológicas. Para isso, governo, mercado, empresários e população precisam caminhar juntos.

Na abertura do evento, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), alertou que o Brasil precisa garantir sua soberania também no virtual e ressaltou o combate ao "neocolonialismo digital", citando a influência das big techs sobre políticas públicas em diferentes nações. "Se antes a soberania se limitava ao controle territorial e político, hoje ela envolve a autonomia informacional, a capacidade regulatória do ciberespaço e a preservação da independência tecnológica", frisou.

O magistrado citou o economista e ex-ministro de finanças da Grécia Yannis Varoufakis para reforçar sua tese. "O autor sustenta que o capitalismo tradicional foi substituído por uma nova lógica, em que o poder não se organiza mais pela livre concorrência de capitais, mas pelo domínio absoluto das plataformas digitais", afirmou. "A revolução tecnológica em curso exige mais do que inovação. Ela exige um novo pacto e visão de soberania, capaz de garantir que a digitalização e o avanço científico não sejam instrumentos de dependência, mas fundamentos de emancipação nacional e do fortalecimento da democracia."

Os ministros Luís Roberto Barroso e Flávio Dino, ambos também do STF, ressaltaram que, apesar da complexidade do tema, a regulação do uso de inteligência artificial no Brasil é inevitável, seja via Congresso, seja pela Corte.

Para Dino, os Poderes devem atuar em harmonia para frear abusos, o que inclui decisões do STF em caso de omissão do Legislativo. "Nós desejamos que o Congresso vote a lei de regulação da inteligência artificial. Vai nos ajudar, mas também, se não o fizer, o Supremo vai deixar de julgar?", questionou.

Ele relembrou o julgamento no STF, em julho, do trecho do Marco Civil da Internet a respeito da responsabilização das redes sociais sobre conteúdos publicados em suas plataformas. Para o ministro, a decisão do Supremo foi acertada, porque as empresas precisam combater o que chamou de "falhas sistêmicas", como a pedofilia e a instigação à automutilação e ao suicídio.

"Isto (a responsabilização das redes), a meu ver, serve para o que nós vamos fazer em relação à inteligência artificial. E espero que o façamos em pleno diálogo entre os Poderes, que é o melhor modelo", defendeu. "Ninguém pode ser contra a regulação da inteligência artificial. Não existe nenhuma atividade econômica totalmente desregulada."

Já o ministro Luís Roberto Barroso reconheceu que os desafios na regulação do uso de IA são complexos, especialmente pelas características das novas ferramentas e a velocidade com que os modelos ganharam usuários.

"É preciso proteger os direitos fundamentais, de privacidade, de liberdade de expressão, de autonomia cognitiva; é preciso proteger a democracia contra a massificação da desinformação, contra os discursos de ódio e contra os ataques; e é preciso ter uma governança que tenha transparência, explicabilidade e supervisão humana", argumentou.

Uma das principais preocupações do Judiciário com o uso indevido de IA, segundo Barroso, é com a produção e a disseminação de informações falsas. Ex-presidente do Tribunal Superior Eleitoral (2020-2022), o ministro pontuou que, em véspera de ano eleitoral, a crescente capacidade das ferramentas de IA de gerar conteúdo inverídico pode ser uma ameaça à democracia e à própria liberdade de expressão.

"Nós temos o problema da massificação da desinformação. Ano que vem é ano eleitoral. Nós estamos imensamente preocupados com coisas do tipo deepfake, que é alguém me colocando aqui dizendo coisas que eu nunca disse sem que seja possível detectar a olho nu. E esse é um problema para a democracia e para a liberdade de expressão, porque nós somos ensinados a acreditar naquilo que vemos e ouvimos. A liberdade de expressão terá perdido completamente o sentido. É um risco imenso", continuou.

 


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postado em 01/10/2025 04:26
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