Entrevista | Kim Kataguiri | deputado federal (União-SP)

Kim Kataguiri: "Sou da direita antibolsonarista"

Parlamentar é contrário à anistia para o ex-presidente. Ele reconhece que, no Congresso, o debate político empobreceu

Deputado Kim Kataguiri (União-SP) -  (crédito: Kayo Magalhaes/Câmara dos Deputados)
Deputado Kim Kataguiri (União-SP) - (crédito: Kayo Magalhaes/Câmara dos Deputados)

O deputado federal Kim Kataguiri (União Brasil-SP) se define como integrante da "direita antibolsonarista" e afirma que paga um preço alto por isso. É enfático ao afirmar que o ex-presidente Jair Bolsonaro é culpado pela tentativa de golpe de Estado, mas critica o que chama de "abusos do Supremo Tribunal Federal" no processo. O parlamentar defende que o Brasil precisa de uma direita jovem, liberal e conservadora, mas sem alinhamento com o bolsonarismo. Ao análisar o Congresso, faz uma sevra crítica: "O Parlamento está mais preocupado em liberar emendas e blindar escândalos do que em legislar para a população". A seguir, leia a entrevista ao Correio.

Os bolsonaristas insistem que a anistia aos golpistas pacifica o país. O senhor defende que sejam abonados?

Defendo que as pessoas envolvidas no 8 de Janeiro recebam a pena pelos crimes que cometeram. Não considero que tenham atentado contra o Estado Democrático de Direito, pois não houve dolo (intenção de dar golpe) e não tinham os meios. Contudo, as condenações por vandalismo, depredação e agressão contra policiais devem ser mantidas. Defendo que respondam pelos crimes que cometeram, mas não defendo anistia nem redução de pena para Bolsonaro ou seu núcleo duro.

O STF condenou Bolsonaro a 27 anos e três meses de prisão por tentativa de golpe e outros crimes. O senhor considera a decisão justa? Bolsonaro é culpado?

No mérito, Bolsonaro é autor de uma tentativa de golpe de Estado. Ele agiu de maneira amadora, deixando vasto rastro de provas, como a impressão da minuta do golpe. Um golpe quase ocorreu, dependendo do "sim" do comandante do Exército, que negou e ameaçou prender o presidente. Contudo, em relação ao processo em si, o Supremo desrespeitou muitos princípios constitucionais — como juiz natural, foro, ampla defesa, contraditório, prazos para resposta da acusação e alegações finais, e negativa de acesso às provas antes da denúncia.

O senhor, hoje, se enxerga em qual campo político? Alinhado ao bolsonarismo, ao centrão ou prefere se apresentar como voz independente?

Sou de uma direita antibolsonarista, porque sou coerente. Não é possível ser de direita e coerente sendo bolsonarista, pois isso implica endossar incoerências, como nomear um petista para a Procuradoria-Geral da República, afrouxar a Lei de Improbidade Administrativa, acabar com a Lava-Jato, furar o teto de gastos oito vezes e aprovar uma PEC de rombo fiscal de R$ 150 bilhões.

Isso tem prejudicado ou não sua atuação no Congresso?

Politicamente, só perdi em ser coerente e ser anti-Bolsonaro. Seria muito mais fácil ter um mandato vazio e, simplesmente, colar no Bolsonaro para ter mais votos e audiência, exigindo menos trabalho. Mas esse é o preço de votar de acordo com a consciência.

Como o senhor pretende se posicionar nas eleições do próximo ano? Haverá palanques em que o senhor não subirá de jeito nenhum?

Minha postura não mudou. Sou oposição a Bolsonaro desde 2019. Ocupo, com o meu partido, o espaço de uma direita jovem com senso crítico. O palanque que apoiarei é o do meu partido MBL.

Como o senhor traça sua linha de coerência política?

Minha linha de coerência está alinhada ao conservadorismo contemporâneo, com raízes no conservadorismo inglês (Edmund Burke) e pensadores contemporâneos (João Pereira Coutinho, Roger Scruton). É um pragmatismo econômico em conjugação com a preocupação em manter o tecido social e preservar os usos e costumes. Diferentemente do liberalismo clássico, que daria total liberdade ao beneficiário do Bolsa Família, o conservadorismo defende restrições, pois entende que o indivíduo não é o Homo Economicus dos livros liberais, e nem sempre toma a melhor decisão para si próprio.

Que análise o senhor faz hoje da Câmara dos Deputados? Há uma percepção de que este é o pior momento da Casa.

Acho que desde 1988 o Congresso nunca foi bom. Há uma falsa ilusão de saudosismo. O debate antigo era apenas mais elitista. A política brasileira sempre teve uma corrupção profundamente enraizada. Hoje, há mais transparência, embora os escândalos estejam mais escancarados. O Parlamento brasileiro nunca foi exemplo de republicanismo ou de debate qualificado. Contudo, concordo que, hoje, o debate está muito ruim. O Parlamento está mais preocupado em ter emendas pagas e escândalos de corrupção blindados do que em legislar para a população. Há muitos parlamentares — a maior parte deles — desqualificados, que votam sem ler ou entender o que está sendo debatido.

O senhor apresentou um projeto que endurece penas contra quem fabrica ou comercializa bebidas falsificadas. Por que tratar esse crime como grave contra a vida e não como infração sanitária?

Não deve ser apenas uma infração administrativa, pois coloca em risco a vida das pessoas ou pode causar uma lesão permanente, como tornar alguém deficiente visual. Por isso, tem que haver uma sanção penal rigorosa. Não faz sentido ter uma pena menor do que a de lesão corporal grave, se a falsificação causar ou tiver o potencial de causar uma lesão permanente. Assumir esse risco é motivo suficiente, sendo considerado um crime de perigo abstrato.

Qual a expectativa de tramitação deste projeto na Câmara?

Acredito que rapidamente deve ser aprovado em plenário, mesmo porque é um assunto consensual. A sociedade demanda uma resposta rápida para que isso pare de acontecer, pois é muito grave e chocante a pessoa correr risco de vida ao sair para um bar ou restaurante. Algo impensável até pouco tempo atrás.

Outra iniciativa de sua autoria prevê suspender benefícios sociais, como o Bolsa Família, de famílias cujos filhos agridam professores. Como compatibilizar essa medida com o princípio constitucional de que a pena não pode passar da pessoa do condenado?

O princípio constitucional mencionado se aplica à pena, que é a sanção criminal. Ele não existe para questões administrativas ou cíveis. Por exemplo: um sócio de uma empresa que cometeu fraude em licitação pode ser sancionado administrativamente, ainda que ele não tenha participado da fraude em si. Da mesma forma, evitar a agressão a professores seria um dos requisitos do programa, um ponto de bom senso. Assim como já existe o requisito da presença em sala de aula, não existe violação constitucional, pois o filho é responsabilidade dos pais — sendo ele incapaz ou relativamente incapaz juridicamente.

Em relação à CPMI do INSS. O senhor acredita que ela tem cumprido seu papel?

É preciso chegar aos patrocinadores políticos do escândalo. A prisão do "Careca do INSS" foi uma grande vitória, mas ele não é o mentor político. As indicações e manutenção de nomes e cargos de confiança no INSS tiveram aval de políticos. O mais importante que a CPMI deve entregar é o indiciamento e o pedido de prisão dos agentes políticos envolvidos no caso.

O senhor defende a convocação de nomes ligados ao governo Bolsonaro?

Concordo que a Conafer roubou tanto no governo Bolsonaro como no governo Lula. Integrantes de ambos os governos têm que ser convocados para prestar esclarecimentos, especialmente em relação à Conafer, pois ela deu um grande salto entre 2020 e 2021.

A PEC da Blindagem foi rejeitada no Senado, após intensa pressão popular. O texto deveria ser enterrado de vez ou há espaço para retomar a discussão?

Zero chance. O texto é horrível, imprestável, não há nada que se salve nele. O que precisamos tratar, para uma discussão séria sobre o abuso do STF, é: mandato de ministro supremo; retirar o Supremo do Judiciário; limitar a decisão monocrática; e limitar as ações constitucionais.

O ativismo do STF acontece por omissão do Congresso?

Não, acho que o STF está abusando do seu poder mesmo. Não é por omissão da Câmara. Este é um dos argumentos usados por quem defende o ativismo judicial. Em diversos julgamentos recentes (Marco Civil, Marco Temporal de terras indígenas, aborto e drogas), há leis para todas as matérias das quais o Supremo está tratando. A acusação de omissão não se sustenta. É ânsia de legislar, à qual o Supremo se rende.

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postado em 11/10/2025 03:55
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