
O Senado Federal será o principal palco das discussões sobre a crise do metanol na próxima quarta-feira. A Comissão de Assuntos Sociais (CAS), em conjunto com a de Direitos Humanos (CDH), realiza audiência pública para debater o surto de intoxicação causado por bebidas adulteradas, que já resultou em mortes e expôs falhas graves de fiscalização no país.
A iniciativa partiu do senador e médico Nelsinho Trad (PSD-MS), que alertou para a ausência de rastreabilidade nacional no setor. Segundo ele, o sistema Sicobe, que monitorava a produção por meio de marcadores digitais, foi descontinuado pela Receita Federal em 2016 e substituído por selos físicos da Casa da Moeda, vulneráveis à falsificação.
Trad propôs o convite a representantes da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Receita Federal, Ministério da Saúde, Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), Polícia Federal, Conselho Federal de Química, Agência Nacional do Petróleo (ANP), Ministério da Agricultura, Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) e de entidades do setor produtivo, como Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) e Associação Brasileira de Bebidas (Abrabe). Também deverá participar o vice-ministro da Indústria e Comércio da República Dominicana, Ramón Pérez Fermin, cujo país superou crise semelhante com o uso de rastreabilidade tecnológica.
O senador defendeu a adoção de medidas conjuntas e tecnológicas para coibir a produção clandestina e fortalecer a confiança do consumidor. "É fundamental garantir fiscalização efetiva e assegurar que a saúde pública esteja sempre em primeiro lugar", afirmou o parlamentar ao Correio.
Enquanto o Senado se mobiliza, a Câmara dos Deputados segue sem discutir o tema. Procurada, a presidência da Comissão de Indústria, Comércio e Serviços (CICS) informou que não há nenhuma ação em andamento sobre o assunto. A falta de articulação ocorre mesmo com projetos em tramitação que tratam da falsificação de bebidas.
Entre as propostas paradas, está o Projeto de Lei 2.307/2007, que torna a falsificação de bebidas alcoólicas crime hediondo, com penas de seis a 12 anos de reclusão. O texto teve pedido de urgência aprovado recentemente, mas o debate ainda não foi retomado, apesar da gravidade do surto.
Nos bastidores do Congresso, parlamentares reconhecem que o tema precisa avançar com urgência. O líder do PSD no Senado, Otto Alencar (BA), afirmou que a crise do metanol "é um sinal de que o país perdeu o controle da rastreabilidade de produtos de alto risco sanitário". Já a senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS) cobrou maior integração entre os ministérios e defendeu punições mais severas aos fabricantes clandestinos. "Estamos tratando de vidas, não apenas de mercado", disse a senadora.
Ação conjunta
Diante do agravamento da crise, o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, criou um comitê informal para coordenar o enfrentamento ao problema. O grupo reúne autoridades federais e representantes do setor de bebidas para acelerar a troca de informações e definir protocolos conjuntos de fiscalização. A Polícia Federal foi acionada para investigar a origem do metanol, sem descartar o uso indevido de insumos industriais.
O governo também avalia retomar a rastreabilidade digital, com o uso de selos inteligentes e marcadores criptográficos, em parceria com a Receita Federal, a Anvisa, o Ministério da Saúde e a Senacon. A proposta busca substituir o antigo sistema Sicobe, extinto há quase uma década. Técnicos dos ministérios envolvidos defendem que o novo modelo tenha caráter duplo — tributário e sanitário —, de modo a dificultar tanto o contrabando quanto a adulteração.
Nos estados, as ações de fiscalização foram intensificadas. Em São Paulo, onde há o maior número de casos confirmados de contaminação (25, dado mais recente), 51 pessoas foram presas desde o início do ano, 30 delas apenas a partir do fim de setembro. As operações resultaram na apreensão de milhares de garrafas adulteradas, maquinário e lacres falsificados em cidades, como Hortolândia e Tatuí. O governo paulista também mantém um gabinete de crise, com participação da Polícia Civil, do Procon e da Vigilância Sanitária estadual.
O Procon-SP reforçou as inspeções por meio da operação De Olho no Copo, que mobilizou 400 agentes em mil estabelecimentos. Foram registradas irregularidades administrativas em 42 locais, mas sem indícios de contaminação por metanol. Segundo o órgão, a atuação conjunta com as vigilâncias municipais e o Ministério Público deverá ser ampliada para as próximas semanas.
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