Relações internacionais

Problema é Netanyahu e não Israel, garante Lula

Apesar de comemorar a troca de reféns por prisioneiros, presidente afirma que relação entre Brasil e Israel não se altera por enquanto

Para Lula, compromisso do papa com o combate à desigualdade o aproxima de religiosos com os quais conviveu no Brasil ao longo dos anos -  (crédito: Ricardo Stuckert/PR     )
Para Lula, compromisso do papa com o combate à desigualdade o aproxima de religiosos com os quais conviveu no Brasil ao longo dos anos - (crédito: Ricardo Stuckert/PR )

Ao exaltar, ontem, a suspensão das hostilidades entre Israel e Hamas, que permitiu o retorno para casa de 20 reféns do grupo terrorista depois de 738 dias de cativeiro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva classificou o cessar-fogo como "uma vitória do diálogo e um sinal de esperança". Mas, conforme enfatizou, a distensão no Oriente Médio não altera a relação entre os governos brasileiro e israelense, nem abre a possibilidade de voltar a indicar um embaixador para Tel Aviv. Segundo Lula, "o Brasil não tem problema com Israel".

"O Brasil tem problema com o (primeiro-ministro de Israel, Benjamin) Netanyahu. Na hora em que Netanyahu não for mais governo, não haverá nenhum problema entre Brasil e Israel, que sempre tiveram uma relação muito boa. Não sei se (o cessar-fogo) é definitivo ou não, mas estou feliz porque é um começo muito promissor. O fato de o presidente (dos Estados Unidos Donald) Trump ter ido a Israel, ao Parlamento, e ter falado, é um sinal muito importante. Espero que aqueles que ajudaram Israel na sua posição de virulência agora ajudem a ter uma paz definitiva. Acho que todo mundo vai ficar feliz", frisou Lula, em coletiva depois participar da abertura do Fórum Mundial da Alimentação 2025, em Roma.

O presidente foi considerado persona non grata pelo governo de Netanyahu, em fevereiro de 2024, depois de ter comparado as ações de Israel na Faixa de Gaza ao Holocausto. Foi em uma conversa com jornalistas em Adis Abeba, Etiópia, no encerramento de uma viagem à África, onde participou da Cúpula da União Africana. Por comparar o massacre de palestinos pelas forças militares israelenses ao extermínio dos judeus pelos nazistas na II Guerra Mundial, o ministro das Relações Exteriores de Israel, Israel Katz, informou ao então embaixador brasileiro no país, Frederico Meyer, de que Lula entraria para uma lista de desafetos do país até que se retratasse.

As relações entre Brasil e Israel se deterioraram com a humilhação que Katz submeteu ao diplomata brasileiro em um encontro no Museu do Holocausto (Yad Vashem), em Jerusalém. Meyer foi chamado de volta ao Brasil e, desde então, Brasília não tem embaixador naquele país.

Depois da retirada do embaixador, Lula foi mais comedido nas críticas, apesar de sempre destacar de que havia um genocídio da população palestina — sobretudo de mulheres e crianças. A mais recente crítica do presidente ao conflito no no discurso na abertura da Assembleia-Geral das Nações Unidas, em setembro. Disse que o que estava acontecendo em Gaza "não é só o extermínio do povo palestino, mas uma tentativa de aniquilamento de seu sonho de nação." Ao condenar o Hamas, enfatizou que o direito de defesa de Israel "não autoriza a matança indiscriminada de civis" nem o uso da fome como arma de guerra.

Ainda na ONU, Lula reafirmou a posição do Brasil em favor da solução de dois Estados — "tanto Israel quanto a Palestina têm o direito de existir" — e argumentou que "trabalhar para efetivar o Estado Palestino é corrigir uma assimetria que compromete o diálogo e obstrui a paz".

Bom sinal

Mas, para o presidente, a troca de reféns por prisioneiros palestinos — os israelenses devolveram 1.968 pessoas consideradas ameaças ao Estado judeu — é uma boa sinalização para o futuro da região. "Antes tarde do que nunca. Finalmente, parece que se encontrou uma saída para o conflito entre Israel e os palestinos. Me parece que há muitas possibilidades de o acordo ser definitivo. Acho que isso é muito importante. Não se vai devolver a vida dos milhões que morreram, mas se devolve, pelo menos, o direito de as pessoas dormirem tranquilas, sem medo de uma bomba, sem medo de um prédio cair. As pessoas não vão mais ser perseguidas. Uma coisa (a guerra) que não deveria ter acontecido, mas aconteceu. E que poderia ter sido resolvida mais cedo, mas não foi resolvida. Acho que foi resolvida agora. É motivo de alegria saber que o povo palestino e o povo de Israel vão viver em paz", observou.

Segundo Lula, o cessar-fogo e a troca de reféns israelenses por prisioneiros palestinos abre a possibilidade de que aconteça algo semelhante entre a Rússia e a Ucrânia, cuja invasão pelas forças de Moscou aconteceu em fevereiro de 2022. "Se o mundo foi capaz de resolver talvez a questão de Israel, penso que está na hora de a gente começar, também, a pensar em resolver o problema da guerra da Ucrânia e da Rússia. Acho que é plenamente possível", afirmou.

Convite para a COP30

Lula convidou o papa Leão XIV a participar da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP30), novembro, em Belém. Foi na audiência que teve, ontem, com o sumo pontífice, no Vaticano, quando entregou a ele um broche representando a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza. Por meio de publicação em uma rede social, Lula afirmou que conversou com o papa sobre "religião, fé, o Brasil e os imensos desafios que temos que enfrentar no mundo".

"Falei ao Papa sobre minha participação, hoje (ontem), no encontro da FAO e como em dois anos e meio tiramos, pela segunda vez, o Brasil do Mapa da Fome. E, agora, estamos levando este debate para o mundo por meio da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza. Convidei-o a vir à COP30, considerando a importância histórica de realizarmos uma Conferência do Clima pela primeira vez no coração da Amazônia. Por conta do Jubileu (sobre os "Peregrinos da Esperança", aberto pelo papa Francisco), o papa nos disse que não poderá participar, mas garantiu representação do Vaticano em Belém", postou Lula.

O presidente disse ter relatado a Leão XIV sua "relação de extrema proximidade" com religiosos brasileiros. Citou dom Paulo Evaristo Arns, dom Hélder Câmara, dom Luciano Mendes de Almeida, dom Pedro Casaldáliga e o atual presidente da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Jaime Spengler. Disse, ainda, que a Exortação Apostólica Dilexi Te o fez lembrar-se das premissas da Teoria da Libertação, que parte da Igreja Católica brasileira abraçou nas décadas de 1970 e 1980.

"Parabenizei o santo padre pela mensagem de que não podemos separar a fé do amor pelos mais pobres. Disse a ele que precisamos criar um amplo movimento de indignação contra a desigualdade e considero o documento uma referência, que precisa ser lido e praticado por todos", postou.

A audiência de Lula com o papa foi antes do encerramento da 2ª Reunião do Conselho de Campeões da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza. O presidente destacou a liderança do Brasil na criação da iniciativa, citou a saída recente do país do Mapa da Fome da FAO e defendeu maior comprometimento financeiro das nações desenvolvidas.

Lula ressaltou que "a persistência da fome e da pobreza são as provas mais dolorosas de que falhamos como comunidade global". E lembrou que a Aliança Global só se sustentará com o comprometimento financeiro de todos os integrantes.

"Sem recursos financeiros, não haverá transformação. Ano passado, a ajuda oficial ao desenvolvimento registrou uma queda de 23% em relação aos níveis pré-pandêmicos. A inclusão social não pode ser apenas uma promessa — ela precisa estar refletida na arquitetura fiscal, nos investimentos públicos e nos planos de transformação produtiva", lembrou.

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postado em 14/10/2025 03:55
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