
O país acordou, na quarta-feira, com a chocante imagem de mais de 60 cadáveres enfileirados, em uma praça da Vila da Penha, uma das comunidades que viveram, na véspera, um dia de pânico com a maior operação de repressão ao tráfico já deflagrada pela polícia do Rio de Janeiro. Para o presidente do Conselho Nacional de Secretários de Segurança Pública (Consesp) e secretário de Segurança Pública do DF, Sandro Avelar, não dá para ignorar que a capital fluminense "está em guerra" e precisa de apoio. Para ele, é urgente que haja a integração entre as corporações estaduais e o governo federal, pois "já passou da hora" de resolver esse problema — que deve ser tratado sem contaminação ideológica. Leia a seguir a entrevista ao Correio.
Como o senhor avalia essa operação no Rio?
A polícia fluminense está enfrentando uma verdadeira situação de guerra. Pela quantidade de fuzis apreendidos nas mãos dos criminosos, mais de 100, você percebe a força que conseguiram acumular. Cresceu muito nesse período de vigência da ADPF. O Rio de Janeiro apreendeu, neste ano, mais de 600 fuzis. O segundo estado que mais apreendeu fuzis foi a Bahia — 60. Isso mostra a disparidade do que vem acontecendo no Rio se comparado a outros estados.
Segundo balanço do governo fluminense, dos 121 mortos, 33 eram foragidos de outros estados. O senhor é presidente do Conesp. Como vê a presença desses criminosos no Rio?
Não foi uma surpresa. Nas reuniões do Consesp, os secretários de Segurança da Região Norte davam notícias de que criminosos de lá vinham sendo monitorados e estavam homiziados (foragidos) em comunidades do Rio de Janeiro. Os secretários pregam, há bastante tempo, a necessidade de integração das diversas instituições que tratam da questão da segurança pública, como coordenação integrada, compartilhamento de informações, apoio a operações — entre outros pontos.
No âmbito dos estados, como está o processo de troca de informações das policiais sobre essas facções criminosas?
Já passou da hora de resolver isso. Aprovamos no Consesp a possibilidade de os estados fazerem parcerias entre eles para que se socorram mutuamente. Sejam acordos bilaterais ou envolvendo mais estados, é para socorrer aquele estado que, em determinado momento, necessite de ajuda. Nos colocamos à disposição do Rio de Janeiro. O fato é que a gente tem que trabalhar de maneira integrada, sobretudo com informações de inteligência e acesso aos bancos de dados. Infelizmente, ainda acontece muito ver um criminoso, com larga ficha em um estado, se mudar para outro e, lá, não se ter mais notícia de seus maus antecedentes.
Por que não há integração?
Tem que partir do Ministério da Justiça, que coordena as polícias. Os estados lideram suas polícias e a gente tem visto, agora, um esforço do ministério de fazer esse trabalho de integração dos bancos de dados. Essa medida, inclusive, faz parte da proposta de emenda à Constituição (PEC) encaminhada pelo governo federal ao Congresso (a PEC da Segurança).
De que forma a divisão ideológica atrapalha a integração contra o crime organizado?
No Consesp, somos 27 secretários, de 27 unidades da Federação diferentes, com políticos diferentes. São estados governados pela esquerda, pela direita, pelo centro. Tudo é deliberado por unanimidade. Quando a ideologia entra no debate da segurança pública, distorce. Segurança pública é técnica, os profissionais da área são alinhados na forma de pensar, de agir. Não existe espaço para ideologia na segurança pública. Se isso acontece, é um erro.
Diante de imagens tão fortes como as que vimos no Rio, há espaço para avançar nesse debate com menos paixão e mais razão? Esse debate não está politizado, contaminado até pela disputa eleitoral?
Nossa forma de ver essa questão é absolutamente técnica. Prova disso é que as nossas decisões, no âmbito do conselho, são tomadas quase que exclusivamente por unanimidade, independentemente de o secretário ser de um governo de esquerda, de direita ou de centro. Nosso entendimento sobre segurança pública sempre foi o de respeitar a técnica e as dificuldades que enfrentamos no dia a dia. Por isso, essa nossa solidariedade com a polícia do Rio. Sabemos o quanto cresceu a criminalidade no decorrer da vigência da ADPF. Segurança pública demanda ciência, conhecimento técnico e é necessário que isso seja enfrentado por quem conhece o problema no dia a dia.
Entre as medidas defendidas por unanimidade pelos secretários, qual merece maior destaque?
A sugestão para criar o Ministério da Segurança Pública. Está na hora de um país como o Brasil — qualquer pesquisa aponta esse tema como a principal preocupação dos brasileiros — ter um ministério próprio para cuidar da área.
O fato de essa estrutura estar abrigada no Ministério da Justiça não resolve?
Por mais que haja um esforço nessa aproximação com a realidade dos estados, ainda está distante do que eles vêm passando no dia a dia. Toda área de governo costuma ser ocupada, prioritariamente, por profissionais daquela área. Na segurança pública, infelizmente, não é assim. O Ministério da Justiça abarca a estrutura da segurança pública, mas aquela visão que o profissional de segurança pública tem, o conhecimento da realidade de cada canto deste país, se perde porque essas pessoas que estão cuidando de combater a criminalidade em cada um dos nossos estados praticamente não têm voz dentro da atual estrutura. Nossa sugestão é para que o ministério seja criado e haja um diálogo profissional com aqueles que são responsáveis pela segurança pública nas 27 unidades da Federação, que têm realidades completamente diferentes. O que está acontecendo no Rio é a prova de que cada um tem suas peculiaridades, que precisam ser respeitadas.
Especialistas dizem que a legislação engessa muito a participação do governo federal nas questões de segurança pública, atribuição legal dos governos estaduais e municipais. É a hora de alterar a legislação e aprovar a PEC, a Lei Antifacções e a reestruturação do Sistema Único de Segurança Pública?
A Lei Antifacções não foi discutida com os estados — foi encaminhada sem que tivessem tomado conhecimento. Isso não ajuda. Se fosse discutida no Consesp, a gente poderia ter dado nossas contribuições. Quando o ministério encaminhou a proposta de emenda à Constituição, os estados refutaram algumas proposições. Aí, o governo mandou uma segunda versão da PEC, melhor do que a primeira, aderindo a alguns pontos de vista levantados pelos secretários, que são os mesmos dos governadores.
Exemplifique.
Um exemplo é quando a gente fala que não poderia haver, compulsoriamente, uma legislação que obrigasse os estados a seguir as diretrizes do governo federal. Outro ponto é que o ministério consignou, expressamente, que não haveria interferência nos comandos das polícias, que permanecerão subordinadas aos respectivos governadores. São pontos que foram colocados na segunda versão da PEC, após os secretários terem levantado essa bandeira de respeito ao pacto federativo.
O que o governo federal pode fazer, objetivamente, para ajudar o Rio?
O governo do Rio de Janeiro se posicionou no sentido de que, neste momento, não precisa de apoio. A cooperação do governo federal tem que vir no sentido de se antecipar, de organizar, de liderar o processo de troca de informações entre estados e as corporações vinculadas ao governo federal, como a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal e o Sistema Penitenciário Federal. Essa grande coordenação, com acesso aos bancos de dados, é o papel mais importante que deve ser desempenhado pelo governo federal, além de algo que é crucial na segurança pública — a disponibilização de recursos.
Essa é uma questão importante em um momento em que o governo federal se desdobra para fechar as contas do ano…
Não adianta o governo querer liderar ou coordenar o trabalho de uma área tão sensível sem destinar recursos para a área. Hoje, os recursos são muito aquém da necessidade dos estados. É por isso que os governos estaduais atuam com uma autonomia que depende do governo federal, até porque a contribuição, em termos financeiros, é muito próxima do irrisório.
De onde viriam esses recursos?
O governo propôs a criação do Fundo Nacional de Segurança Pública e do Fundo Nacional do Sistema Penitenciário. É uma grande medida, até porque está previsto que esse dinheiro não pode ser contingenciado. Só não previu as fontes de financiamento. Nós (secretários estaduais) sugerimos que uma dessas fontes de financiamento sejam as bets, que arrecadam bilhões de reais e não há previsão expressa para que parte dessa fortuna seja destinada à segurança pública. É curioso que a gente tenha recursos constitucionais previstos para educação e saúde, e não para segurança. É preciso que o governo federal se coloque no papel de protagonista, não apenas no sentido do discurso da liderança, mas, efetivamente, por meio da disponibilização de recursos.
Acredita que a legislação pode ser alterada para permitir a presença mais intensa do governo federal na segurança pública ou isso seria interferir nas atribuições dos governadores?
O governo federal pode e deve exercer o papel de coordenador, mas tem que respeitar a autonomia dos estados. Tem que coordenar nas políticas macro, que envolvem troca de informações, acesso a banco de dados. E, também, no projeto de implantação da identidade única, que impediria que criminosos tirem novas carteiras de identidade em outros estados, impedindo que sejam rastreados.
Há risco de essas facções chegarem ao Distrito Federal?
Há um trabalho de prevenção muito bem-feito. O trabalho de inteligência faz com que a gente se antecipe a esse tipo de problema. Aqui, quando a gente recebe a notícia de que entrou um fuzil, as corporações — polícias Civil e Militar — se juntam. Enquanto esse fuzil não é localizado, não há descanso. Mas isso é muito raro, residual. Também trocamos informações sobre o sistema penitenciário, com as polícias penais tanto do DF quanto a Polícia Penal Federal. São informações que ajudam a nos antecipar e a impedir a entrada das facções. A gente tem a segurança de dizer que o DF, hoje, não tem a presença dessas facções nacionais, embora tenhamos alguns faccionados presos no nosso sistema penitenciário.
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