A Câmara dos Deputados abriu, na manhã desta terça-feira (25/11), uma sessão solene marcada pela força política e simbólica da Marcha das Mulheres Negras por Reparação e Bem Viver, que novamente ocupa Brasília dez anos após o histórico ato de 2015. No plenário Ulysses Guimarães, autoridades destacaram o papel das mulheres negras na reconstrução do país, denunciaram as persistências do racismo institucional e reafirmaram a urgência de políticas públicas que garantam dignidade, liberdade e vida.
A líder do PSOL na Câmara, deputada Talíria Petrone (RJ), abriu seu discurso visivelmente emocionada ao ver o plenário tomado por mulheres negras. “O povo brasileiro é uma mulher negra”, repetiu, afirmando que a imagem do plenário naquele dia finalmente representava a realidade do país. Talíria agradeceu a trajetória da deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ), de 83 anos, que “abriu caminho para muitas de nós”, e destacou que essa presença, hoje ampliada pela bancada negra, é resultado de resistência num ambiente historicamente hostil.
Ela lembrou o processo de reconstrução após anos duros da democracia, citando a execução de Marielle Franco e ataques às instituições. “Não há reconstrução possível que não passe pelas mãos das mulheres negras”, afirmou. A deputada ressaltou que o Brasil “não se sustenta sem o trabalho, a ciência, o saber e a força das mulheres negras”, defendendo que a agenda do bem viver e da reparação guia qualquer projeto democrático real. Ao final, convocou o Parlamento a ser “o Congresso do povo”: “Que toda mulher negra possa ser feliz e que possamos ocupar todos esses espaços para garantir o bem-viver.”
A líder da bancada feminina, deputada Jack Rocha (PT-ES), seguiu o tom político ao destacar que a Marcha é mais que um ato, “é um projeto político de país”. Para ela, ocupar o plenário, disputar o orçamento e construir um Brasil antirracista são tarefas essenciais. Jack lembrou que o Parlamento ainda é palco de violências e discriminações, mas reforçou que a presença das mulheres negras é também um gesto de resistência: “Estamos aqui porque acreditamos que nossas mulheres não podem ser silenciadas, como tentaram fazer com Marielle”.
Ela celebrou avanços dos últimos anos, como a retomada de ministérios ligados à pauta racial e de gênero, e defendeu o fortalecimento das candidaturas negras: “Estamos construindo um grande movimento para que mais mulheres negras sejam eleitas em 2026”. Jack encerrou saudando as ancestrais e reafirmando que as reivindicações da Marcha precisam se traduzir em políticas concretas.
A ministra dos Direitos Humanos, Macaé Evaristo, retomou a memória da Marcha de 2015, lembrando que, já naquela época, as mulheres negras denunciavam o genocídio da juventude e a ausência de políticas públicas estruturantes. Dez anos depois, lamentou, muitas pautas seguem abertas. Sua fala, porém, trouxe uma síntese que tomou o plenário: “Se vocês combinaram de nos matar, nós combinamos de não morrer”. Segundo a ministra, esse é o recado ao Estado brasileiro, o de que haverá enfrentamento, organização e pressão permanente para transformar instituições e construir justiça racial.
A ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, reforçou o sentido histórico do momento. Em poucas palavras, destacou que a presença das mulheres negras no centro do poder não será interrompida: “Voltamos mais uma vez para dizer que chegaremos, eles querendo ou não. Estamos em marcha!”
A ministra das Mulheres, Márcia Lopez, destacou que o Brasil não avança sem as mulheres negras. “Temos que radicalizar nossas lutas para enfrentar o racismo”, afirmou, defendendo mais ações estatais que garantam igualdade racial e de gênero. Ela lembrou que as mulheres negras seguem na linha de frente das periferias e das instituições públicas, e que o Ministério continuará de portas abertas para acolher e construir políticas de proteção, dignidade e bem-viver. “Seguimos juntas pela vida e pela justiça racial e de gênero. Vamos cobrar sempre um país sem racismo e sem violência contra as mulheres.”
Após a Sessão Solene, ministras, parlamentares e convidadas seguiram para marcha na Esplanada dos Ministérios, com bandeiras erguidas, cantando e tocando tambores.
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