Análise

Nas Entrelinhas: Agenda de Motta favorece oposição na Câmara

Presidente da Câmara está cada vez mais alinhado aos adversários de Lula, sobretudo ao projeto do Centrão de unificar a oposição em torno de Tarcísio de Freitas

A decisão de Hugo Motta definirá o destino das duas propostas, que tratam de temas semelhantes relacionados ao combate ao crime organizado, mas têm abordagens distintas -  (crédito: Bruno Spada / Câmara dos Deputados)
A decisão de Hugo Motta definirá o destino das duas propostas, que tratam de temas semelhantes relacionados ao combate ao crime organizado, mas têm abordagens distintas - (crédito: Bruno Spada / Câmara dos Deputados)

A iniciativa do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), de pautar simultaneamente a mudança na dosimetria das penas aplicadas aos envolvidos no golpe de 8 de janeiro e os processos de cassação de mandato de Glauber Braga (PSol-RJ), Carla Zambelli (PL-SP), Alexandre Ramagem (PL-RJ) e Eduardo Bolsonaro (PL-SP) produziu mais estresse político em Brasília.

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Não apenas porque favorece abertamente a oposição e ameaça impor novas derrotas ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas, também, porque revela um método de condução da Câmara que combina improviso, força bruta e ausência de mediação política. O resultado é um presidente fragilizado perante a opinião pública, tentando impor autoridade pelo braço e não pela construção de consensos.

A ocupação da cadeira da Mesa Diretora por Glauber, seguida de sua remoção à força pelos seguranças da Câmara, expôs falta de bom senso na condução dos trabalhos e um estilo de direção do tipo "macaco em casa de louças". A cena seria impensável sob Ulysses Guimarães ou mesmo, goste-se ou não, sob Arthur Lira (PP-AL), padrinho político de Motta. Ambos sabiam que a autoridade do presidente da Câmara repousa menos na capacidade de usar a força institucional e mais na habilidade de prevenir conflitos.

Ao pautar matérias explosivas ao mesmo tempo, sem aviso, sem negociação e sem sequer informar o relator do projeto de nova dosimetria das penas, o deputado Paulinho da Força (Republicanos-SP), Motta criou as condições perfeitas para o tumulto de ontem, protagonizado por Glauber, agravado pelo cerceamento do trabalho da imprensa e do acesso à informação por parte da sociedade, com as agressões e retirada de jornalistas do plenário e o corte da transmissão da TV Câmara às 17h34, exatamente quando o conflito se ampliava.

O gesto fere o princípio da publicidade dos atos legislativos, apesar da narrativa de que o presidente tentou evitar que o país assistisse ao caos que se instaurava sob seu comando. A justificativa dada pela assessoria — "um protocolo" não especificado — apenas reforçou a percepção de improviso e opacidade. Em vez de controlar a crise, Motta a multiplicou.

No campo político, a pauta escolhida pelo presidente da Câmara produziu um efeito imediato: colocou o governo de Lula na defensiva e premiou a oposição, duplamente. De um lado, o avanço do projeto que reduz a pena de Bolsonaro e demais condenados pelo 8 de Janeiro; de outro, a abertura de julgamentos que podem resultar na cassação de adversário direto e manutenção dos mandatos de deputados de extrema direita.

Ofensiva

Essa combinação, apresentada de surpresa, evidencia que Motta opera cada vez mais alinhado aos interesses da oposição, sobretudo ao projeto do Centrão de unificar a oposição em torno da candidatura do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos). Aproveita o desgaste crescente do Planalto com o Senado, em razão da indicação do advogado-geral da União, Jorge Messias, ao Supremo Tribunal Federal (STF). Além disso, a decisão de Motta ignorar novamente o entendimento da Corte que determina a cassação automática de deputados condenados ao regime fechado, ao enviar ao plenário o caso de Ramagem amplia o conflito institucional entre Câmara e Supremo.

Sob a alegação de que "quem pode mais, pode menos", o presidente escolheu o rito mais lento, mais político e mais imprevisível, o que interessa diretamente ao campo bolsonarista. É o mesmo procedimento que beneficiou Carla Zambelli, também condenada criminalmente. A mensagem implícita ao STF é clara: a Câmara não aceitará imposições e reivindica para si a palavra final, mesmo quando a Constituição oferece interpretação diversa, embora não seja uma Casa revisora das decisões judiciais.

O caso de Glauber adiciona outra camada ao imbróglio. O parecer do relator Paulo Magalhães (PSD-BA) mistura episódios distintos, alguns já arquivados, e reaviva conflitos antigos do deputado com Arthur Lira, o que seus aliados denunciam como casuísmo. Entretanto, ao colocar sua própria cabeça em jogo com o gesto de ocupar a Mesa, Glauber acabou oferecendo ao presidente da Câmara o pretexto perfeito para endurecer. A escalada do conflito não fortalece Motta. A imagem que projeta é a de um presidente fraco, que perde o controle do plenário, perde a boa relação com a imprensa, perde a narrativa e tenta reconquistar autoridade pela imposição.

O governo, por sua vez, foi pego completamente de surpresa pela pauta dupla. A articulação política do Planalto não esperava que o presidente da Câmara fizesse avançar o projeto da dosimetria antes de ajustes finais do relator, nem que levasse a plenário quatro cassações simultâneas num contexto de altíssima volatilidade. A postura de Motta reforça a percepção de que a Casa vive uma espécie de rolo compressor do Centrão: decisões de impacto são publicadas de última hora, sem acomodar bancadas, sem calibrar tensões e sem medir os riscos para a governabilidade. Almeja recuperar autoridade, mas opta por métodos que a corroem e termina associado à truculência, ao improviso e ao descontrole.

 

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postado em 10/12/2025 03:55
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