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Zambelli: Câmara mantém mandato, mas STF reverte decisão

Depois de os parlamentares respaldarem, de madrugada, a deputada (que está presa na Itália depois de ter fugido do país devido a uma condenação), ministro Moraes anula a decisão e determina que suplente assuma

Ministro solicitou que a Primeira Turma julgue hoje a decisão que deu -  (crédito: Rosinei Coutinho/STF)
Ministro solicitou que a Primeira Turma julgue hoje a decisão que deu - (crédito: Rosinei Coutinho/STF)

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), anulou a votação do plenário da Câmara, realizada na madrugada de ontem, que manteve o mandato da deputada Carla Zambelli (PL-SP), atualmente detida na parte feminina do Complexo Penitenciário de Rebibbia, nos arredores de Roma, aguardando a extradição para o sistema carcerário brasileiro. A decisão da Corte pegou os parlamentares de surpresa e manteve alta a temperatura do entrevero entre os dois Poderes. Nos bastidores da Câmara, falava-se em não acatar a decisão do magistrado em função daquilo que entendem ser uma interferência da Justiça no Legislativo.

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Pela decisão de Moraes, a manutenção do mandato de Zambelli foi considerado uma "clara violação" à Constituição. Tanto que determinou que o presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), dê posse ao suplente da deputada, Coronel Tadeu (PL-SP), em até 48 horas. "Trata-se de ato nulo, por evidente inconstitucionalidade, presentes tanto o desrespeito aos princípios da legalidade, moralidade e impessoalidade, quanto flagrante desvio de finalidade", salientou o ministro.

Moraes lembrou o trânsito em julgado da ação contra a bolsonarista. Ela foi condenada por unanimidade pela Primeira Turma do STF pelos crimes de invasão de dispositivo informático e falsidade ideológica. Os integrantes do colegiado definiram 10 anos de prisão para a parlamentar, além da cassação, inelegibilidade e pagamento de multa. 

A determinação do STF pela cassação da deputada é uma consequência da condenação por ela estar por trás de invasões aos sistemas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) com a ajuda do hacker Walter Degatti Neto. Numa delas, foi deixada uma falsa ordem de prisão, ordens para quebra de sigilo bancário e bloqueio de bens do próprio ministro. Segundo a investigação da Polícia Federal, a dupla teria entrado 13 vezes em seis sistemas do Judiciário, quando inseriram 16 documentos falsos. O objetivo, conforme a PF, era desacreditar o processo eleitoral brasileiro e colocar a opinião pública contra as instituições democráticas.

Ela também foi condenada por perseguir de arma em punho, nas vésperas da eleição de 2022, um suposto apoiador do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na Alameda Lorena, nos Jardins, região nobre da capital paulista. O Tribunal Superior Eleitoral determina que nos dias que precedem e que sucedem os pleitos não seja permitido portar armas de fogo, a não ser em casos excepcionais — que não era o dela.

"Intocável"

Em junho, Zambelli fugiu para a Itália a fim de driblar a Justiça. Dias depois de ser procurada pela Interpol, foi presa em Roma num apartamento supostamente cedido por uma empresária brasileira. Apesar de a deputada ter dupla cidadania, o governo brasileiro pediu a extradição — os critérios são definidos por um tratado bilateral, em vigor desde 1993 —, que ainda não foi analisada pela Justiça italiana. Ela chegou a afirmar que seria "intocável" no país europeu. 

O ministro também solicitou ao presidente da Primeira Turma do STF, Flávio Dino, o agendamento de uma sessão virtual para hoje, das 11h às 18h, para que os demais integrantes do colegiado julguem a decisão dele. A Procuradoria-Geral da República (PGR) foi comunicada da determinação.

No despacho, Moraes citou uma série de precedentes, como o das condenações do ex-senador Ivo Cassol e do ex-deputado Paulo Maluf. O magistrado lembrou, ainda, do Mensalão, destacando que, em 2012, o STF decidiu pela possibilidade de perda automática do mandato parlamentar, quando houver condenação criminal, em razão da impossibilidade de os deputados manterem o mandato devido à suspensão dos direitos políticos derivados da sentença. Segundo o ministro, há outra determinação, de 2017, de que em casos em que a pena seja cumprida em regime fechado — e não seja possível ao condenado progredir para o trabalho externo durante o tempo restante da legislatura —, a perda da cadeira no Parlamento também deve ser automática.

Por 227 x 170, a Câmara arquivou o processo de cassação de Zambelli, contrariando, inclusive, a decisão da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa. A ideia, inicialmente, era tirar o mandato da bolsonarista, mas como houve um acordo para salvar o também deputado Glauber Braga (PSol-RJ) na cassação — foi suspenso por seis meses e será substituído pela suplente Heloísa Helena (PSol-AL) —, a oposição decidiu cobrar a fatura à revelia daquilo que pretendia Hugo Motta — que os dois fossem removidos da Casa.

Ramagem e filho 03

A tensão entre Judiciário e Legislativo está em ponto de ebulição uma vez que, na próxima semana, está prevista a votação das cassações dos deputados Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e Alexandre Ramagem (PL-RJ), ambos foragidos nos Estados Unidos. Com a determinação de Moraes, a discussão entre os líderes da Câmara passou a ser sobre a viabilidade de levar os dois casos ao plenário. E as opiniões estavam divididas: uns acreditam que devem, mais uma vez, afrontar o Supremo, enquanto que outros avaliam que é melhor deixar os dois casos para o próximo ano para não escalar ainda mais a crise. Sobretudo porque está nas mãos do ministro Dino a análise sobre emendas parlamentares irregulares, processo que tem tudo para atingir outros deputados.

Porém, para a advogada Izabelle Paes Omena de Oliveira Lima, especialista em direito eleitoral, há outros meios de garantir o cumprimento da condenação pelo Supremo, diante da resistência da Câmara. "Os instrumentos para isso incluem, entre outros, a reclamação e o mandado de segurança. Também é possível que o próprio relator intime formalmente a Presidência da Câmara para cumprir o acórdão, fixando prazo e adotando medidas coercitivas cabíveis", explica.

O professor de direito constitucional Nauê Bernardo de Azevedo, do Ibmec Brasília, lembra que a discussão entre os parlamentares é uma questão meramente declaratória, porque Zambelli já não tem mais direitos políticos. "Para que esses direitos políticos voltem, será necessário que a pena seja cumprida, ou extinta de alguma forma. Então, acaba sendo mais um capítulo dos embates institucionais que estamos tendo. Nesse caso, um cujo efeito prático é o de deslegitimar uma ordem da Corte", lamenta.

Para o professor e advogado Rafael Seixas Santos, é necessário observar, nos planos penal e constitucional, que a independência dos Poderes não autoriza que uma instituição torne ineficazes as decisões do outro. "A legitimidade da Câmara para deliberar politicamente não pode afastar o dever de respeito ao Estado de Direito e à autoridade das decisões judiciais definitivas. A tensão institucional, nesse tipo de caso, precisa ser resolvida reafirmando que a imunidade parlamentar não é sinônimo de impunidade", observa.

 

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postado em 12/12/2025 03:55
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