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Censura e tumulto com dosimetria e cassação

Decisão de Hugo Motta em pautar votação de PL que reduz pena de Bolsonaro e cassações de mandatos azeda o ambiente na Câmara. Deputado do PSol se revolta, ocupa presidência e é retirado à força. Jornalistas são agredidos e impedidos de trabalhar

A retirada violenta do deputado Glauber Braga (PSol-RJ) da cadeira do presidente da Câmara, ontem, que ocupava em sinal de protesto, foi o auge de um dia em que o ambiente na Casa foi marcado por tensão, desentendimento, ausência de diálogo e aciramento dos ânimos entre governistas e oposição. A temperatura começou a subir quando o presidente Hugo Motta (Republicanos-PB) anunciou que, na sessão do dia, seria votado o PL da Dosimetria, que pode levar à redução da pena do ex-presidente Jair Bolsonaro — poderia cumprir pouco mais de dois anos em regime fechado — e de outros condenados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por tentativa de golpe de Estado. Junto com o projeto de lei, estavam na pauta, ainda, as cassações dos mandatos de Glauber e dos deputados Eduardo Bolsonaro (PL-SP), Carla Zambelli (PL-SP) e Alexandre Ramagem (PL-RJ). Tal decisão tornou o clima explosivo.

Levar o PL da Dosimetria à votação teria sido articulado na noite de segunda-feira, na reunião entre o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e caciques do Centrão — os presidentes do PP, senador Ciro Nogueira (PI), e Antonio Rueda, do União Brasil. O encontro, que inicialmente seria para debater a desistência do filho 01 do ex-presidente da pré-candidatura presidencial, se ampliou para o debate do projeto de lei. As críticas dos governistas se avolumaram por não terem sido avisados por Motta de que levaria a matéria à votação e viram nisso a adesão do presidente da Câmara ao projeto de viabilização do lançamento do governador Tarcísio de Freitas, de São Paulo, como candidato da direita ao Palácio do Planalto. O PL seria a condição para Flávio desistir da corrida presidencial.

A decisão de Glauber foi temperada nesse clima e, também, porque o deputado considera que recebe da Casa um tratamento mais duro, se comparado ao dado a Eduardo, Zambelli e Ramagem. Por volta das 17h, em protesto, ocupou a cadeira de Motta e passou a discursar contra o comando da Câmara. A reação da instrituição foi a de fechar o plenário à imprensa e retirar do ar a transmissão da TV Câmara enquanto ele falava. A seguir, a Polícia Legislativa cercou Glauber — alguns agentes, inclusive, estavam com uniformos táticos — para retirá-lo. Ante à recusa do deputado em sair, os policiais usaram de truculência. Parlamentares governistas tentaram intervir, mas não conseguiram.

Agressões

Nesse momento, a imprensa se aglutinava à saída do plenário e cobrava explicações e informações. Ao conduzirem Glauber por uma multidão que tentava entender o que estava acontecendo, os agentes agiram com violência e agrediram os jornalistas enquanto abriam caminho rumo ao Salão Verde — onde o deputado concedeu entrevista. Foram vários empurrões, pontapés e puxões que não pouparam nem mesmo parlamentares que acompanhavam o deputado do PSol. O chefe do Departamento de Polícia Legislativa (Depol), Marcelo Guedes de Rezende, foi apontado por parlamentares e jornalistas como o principal responsável pela brutalidade.

"Precisava disso? Precisava dessa violência? Só pedi o mínimo: que me tratassem com o mesmo respeito que tiveram com aqueles que sequestraram a Mesa da Câmara por 48 horas", afirmou Glauber, lembrando da invasão dos bolsonaristas também ao plenário da Câmara, em 5 de agosto, em reação a determinação, pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF, à prisão preventiva do ex-presidente por descumprimento de medidas cautelares. Nesse episódio, Motta negociou a desocupação, o que incluiu sentar-se na cadeira do presidente — ocupada pelo deputado Marcel Van Hattem (Novo-RS).

Glauber aproveitou a coletiva para atacar o PL da Dosimetria. "Querem votar uma anistia que não é dosimetria, é perdão. Querem reduzir a pena de Bolsonaro e manter os direitos políticos do filho dele. Isso tudo faz parte de um mesmo pacote golpista", acusou.

Depois que o tumulto se dissipou, Motta afirmou que agiu dentro dos protocolos de segurança e do regimento da Casa. Da cadeira presidencial, avisou, em discurso, que "nenhum parlamentar está autorizado a transformar a Presidência da Câmara em palco de intimidação, espetáculo ou desordem".

"Vimos um episódio que nunca deveria ocorrer no Parlamento brasileiro. Quando o deputado Glauber Braga ocupa a cadeira da Presidência da Câmara para impedir o andamento dos trabalhos, ele não desrespeita o presidente em exercício. Ele desrespeita o próprio Poder Legislativo", afirmou. Foi a vez de Motta lembrar que o deputado do PSol ocupou, em greve de fome contra a cassação do mandato, a sala de uma das comissões da Casa em protesto.

Segundo o presidente da Câmara, "o extremismo não tem lado porque, para o extremista, só existe um lado: o seu. E quem só enxerga o próprio lado nega o outro, nega o debate e acaba negando a própria democracia". "Quem tentou humilhar o Legislativo, humilhou a si mesmo. Quem tentou afrontar a Câmara encontrou uma instituição firme, serena e inegociável. Nenhum deputado é maior do que esta Casa", frisou.

Motta argumentou que a decisão de acionar a Polícia Legislativa e suspender o acesso ao plenário foi amparada pelo Ato da Mesa nº 145, que autoriza a interrupção ou suspensão da circulação nos prédios da Câmara em situações de insegurança. E disse ter determinado a apuração de possíveis excessos cometidos por agentes na retirada de jornalistas do plenário.

A Federação Nacional dos Jornalistas divulgou nota criticando a decisão do comando da Câmara de impedir o trabalho da imprensa.

 

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