Saúde

Hipocondria: preocupação excessiva com a própria saúde também adoece

O transtorno de ansiedade por doença, conhecido como hipocondria, exige acompanhamento psicológico e, em muitos casos, prejudica as relações sociais. Entenda o problema

Letícia Mouhamad*
postado em 17/07/2023 09:19
   -  (crédito: Reprodução: Volodymyr Hryshchenko/Unsplash)
- (crédito: Reprodução: Volodymyr Hryshchenko/Unsplash)

Um remédio aqui, outro ali. Pesquisa de doença para cá, análise dos sintomas acolá. Exames, ok; consultas, ok. "Por precaução, melhor fazer de novo, não?". O cotidiano de Ana Maria Santos (nome fictício), 27 anos, era assim, cercado de preocupação com a própria saúde. Seria proveitoso — e necessário, claro — caso não se tornasse uma "paranoia", como ela definiu.

O transtorno de ansiedade por doença, conhecido também como hipocondria, é uma condição séria e que, se não tratada, gera inúmeros prejuízos ao bem-estar de quem o sofre. Ana, por exemplo, se automedicava com tanta frequência que desenvolveu uma gastrite severa.

"Eu nunca associei isso a algo ruim. Mas, por vezes, vejo o quanto exagerava. Pensava em uma doença, começava a pesquisar sobre ela, até em livros de medicina, e enquadrava os sintomas no que eu estava sentindo", recorda. Os autodiagnósticos já foram desde escoliose, devido a uma dor nas costas, até aneurisma, por conta de uma dor de cabeça.

A automedicação chegou, inclusive, a remédios controlados, os famosos "tarjas pretas". Da família e dos amigos, recebeu o alerta de que era preciso procurar ajuda psicológica, afinal, os exames médicos apontavam estar, no geral, tudo bem. "Você acha que tem todas as doenças do mundo. Sente-se horrível".

Entre idas e vindas, engatou na terapia e começou a tomar medicação ansiolítica, que lhe auxiliou no controle do "pensamento da doença". Os exercícios prescritos pela terapeuta têm sido essenciais nesse processo. "Eu ainda sou hipocondríaca, mas, hoje, bem mais leve do que antes. Consigo controlar!", comemora.

Outro prejuízo recorrente a quem sofre dessa condição é a insônia, segundo o médico psiquiatra Fábio Aurélio Leite. Ademais, na pandemia de covid-19, em especial no início, quando ainda se sabia pouco sobre a doença, muitos acreditavam estar com o vírus, quando, na verdade, estavam apavorados diante da possibilidade de adoecer.

Por dentro do transtorno de ansiedade por doença

Segundo a psicóloga Lorrane Sousa, especialista em avaliação psicológica, estas são as principais características da hipocondria:

- O que é: o transtorno de ansiedade por doença, mais conhecido como hipocondria, é uma condição psicológica somatizada por sintomas físicos. É caracterizado por uma convicção e/ou medo excessivo e constante de possuir uma doença ou problemas de saúde.

- Sintomas: ansiedade e preocupação exagerada com a própria saúde, acompanhada de medo intenso ao manifestar qualquer tipo de sintomas; visitas constantes e desnecessárias ao médico; busca por várias opiniões médicas a respeito da mesma suspeita; e falta de aceitação de diagnósticos feitos por profissionais de saúde.

- Possíveis causas: não existem causas específicas para tal adoecimento. Acredita-se que as experiências de vida de cada indivíduo podem influenciar no desenvolvimento de sintomas, como traumas associados à saúde, uma infância em hospitais ou mesmo um histórico familiar de dificuldades, por exemplo.

- Diagnóstico: de acordo com o DSM (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), o diagnóstico ocorre a partir de um histórico de recorrência dos sintomas caracterizado pela doença (imaginária), com relatos de dor predominante ou persistente por mais de seis meses.

- Repercussões: apesar de as pessoas que vivenciam a hipocondria passarem diversas vezes por serviços de saúde, não costumam aceitar as orientações médicas, considerando que os profissionais são descrentes com o que estão sentindo. Assim, os hipocondríacos costumam tirar suas próprias conclusões, adotando “atitudes de segurança”, como usarem medicamentos sem orientação médica, isolarem-se socialmente, serem menos ativos nas atividades da rotina diária e desenvolverem hiper foco na possibilidade de diagnósticos graves.

- Possibilidades de tratamento: a hipocondria é um transtorno mental e as pessoas que sofrem com esse adoecimento precisam de ajuda. O tratamento é realizado por meio da psicoterapia, com o objetivo de gerar conscientização, redução de sintomas e adesão a um estilo de vida mais saudável. O tratamento medicamentoso, prescrito por um psiquiatra, é um complemento.

Palavra do especialista

A possibilidade de pesquisar rapidamente sobre qualquer doença, com o maior acesso à internet, é um fator que potencializa os casos de hipocondria?

A facilidade de acesso à informação sempre ajuda as pessoas a terem, digamos, mais noção do que se trata uma doença. Então, por exemplo, quando alguém passa a estudar sobre determinada enfermidade, mesmo na faculdade, independentemente de ser hipocondríaco ou não, começa a achar que pode ter ou já teve esse mal no passado. Assim, de fato, o acesso à informação potencializa os casos de hipocondria.

Todo contexto de vício em medicamentos está associado à hipocondria? Quais os riscos da automedicação?

A dependência de medicação não necessariamente está associada à hipocondria. Existem alguns medicamentos da classe dos benzodiazepínicos e dos analgésicos opioides que podem provocar dependência química, como uma droga qualquer, devido ao uso prolongado. Na hipocondria, na verdade, o paciente não tem a dependência de um medicamento, mas, sim, a preocupação com uma determinada doença. Então, nesse caso, a medicação é bastante variada — se um remédio não funciona, tenta-se usar outro e assim por diante. Na dependência, o paciente é viciado numa classe, num medicamento específico.

Como essa condição pode afetar o cotidiano de amigos e familiares que convivem com uma pessoa hipocondríaca?

O convívio fica prejudicado, porque a pessoa, muitas vezes, evita certas atividades e momentos por achar que podem afetar ou piorar a suposta doença que tem, ou acaba com grande ansiedade, privando-se de situações sociais e familiares, devido à preocupação de ficar doente. Noutros contextos, esse indivíduo pode tornar-se muito poliqueixoso e até um pouco inconveniente, por falar somente sobre aquele assunto, comprometendo suas relações afetivas.

Fábio Aurélio Leite é médico psiquiatra do Hospital Santa Lúcia Norte em Brasília

*Estagiária sob a supervisão de Sibele Negromonte

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