Neurônios em dia

Deficit de atenção e hiperatividade podem ter significado vantagem evolutiva

Estudo que traços de de desatenção e impulsividade, comuns em pacientes com TDAH, podem ter sido úteis para a sobrevivência quando éramos nômades

 3D Render of a Human Brain
       -  (crédito: Image by kjpargeter on Freepik)
3D Render of a Human Brain - (crédito: Image by kjpargeter on Freepik)
postado em 08/03/2024 17:54

No final de fevereiro, pesquisadores da Universidade da Pensilvânia, nos EUA, publicaram um estudo experimental que apoia a visão de que traços de desatenção e impulsividade comuns nos pacientes com transtorno de deficit de atenção e hiperatividade (TDAH) podem ter sido úteis para a sobrevivência em tempos em que éramos nômades.

Em um jogo on-line, os participantes do estudo tinham que coletar o máximo possível de frutos e quanto mais tempo passavam no mesmo arbusto, menos frutos ficavam disponíveis nesta arvorezinha. Aqueles que tinham maiores escores de sintomas de TDAH tinham uma tendência em buscar outros arbustos e, apesar de demandar um pouco mais de tempo, tiveram, no final, pontuações maiores. A pesquisa foi publicada pelo renomado periódico Proceedings of the Royal Society B: Biological Sciences. Metanálise recente com estudos globais aponta que prevalência de TDAH, entre crianças, situa-se entre 7% e 8%, e, nos adolescentes, entre 5% e 6%. Nos EUA, os números passam de 10% em ambos os casos.

Como neurologista, convivo diariamente com pessoas que sofrem de condições clínicas que, de tão frequentes na população, me ativam o pensamento de que, se são tão comuns, pode ter existido alguma vantagem no percurso de nossa evolução para chegarmos nos dias de hoje com esses altos índices de prevalência. Fazem parte da lista do Código Internacional de Doenças (CID) e, para quem as sofre e procura ajuda médica, claro que é doença, pois está influenciando as atividades do dia a dia.

Enxaqueca é um exemplo clássico. Acomete 8% dos homens e 20% das mulheres. Muita gente! Muitos vão ter suas crises de dor desencadeadas por fatores como jejum prolongado e excesso de sono. Estes têm um alarme no cérebro, enxaqueca, que aponta que não vale a pena repetir essas atitudes, que não jogavam a favor da sobrevivência em tempos da caverna. Podem ter apresentado mais sucesso em gerar descendentes ao longo de milhares de anos.

Outro exemplo: síncope. Estima-se que uma em cada duas pessoas apresentará pelo menos um episódio de perda de consciência ao longo da vida. Mais uma vez: é muita gente! Um fator que frequentemente desencadeia síncope é a visão de sangue. Um paciente meu já desmaiou no cinema assistindo a um filme do Tarantino! A síncope é vista como uma estratégia arcaica de sobrevivência. A visão do sangue pode ter sido o resultado de um ataque de uma onça. Se você está sangrando, é melhor um colapso da pressão arterial para estancar o sangramento.

Charles Darwin já apontava um comportamento de defesa entre os animais, que era o de “se fazer de morto” quando eram ameaçados por um predador. Isso acontece especialmente se o comportamento clássico de sobrevivência de luta ou fuga não tem a mínima chance de sucesso. Há descrições dessa resposta em diversas formas de vertebrados que incluem os peixes, aves e mamíferos.



E mais um: demência. Calcula-se que a chance de desenvolvermos um quadro demencial seja de 25%, se ultrapassarmos os 80 anos de vida, e de 50% se passarmos dos 90. Esse cenário era bem diferente no caso de nossos ancestrais, pois eles não envelheciam e toda a programação genética estava concentrada em oferecer condições para que o indivíduo conseguisse se reproduzir e perpetuar a espécie. Nossa grande longevidade é um fenômeno bem recente, e não houve tempo de nos adaptarmos geneticamente a esse novo cenário. Vale lembrar que a expectativa de vida do Australopitecus, há 4 milhões de anos, era de apenas 15 anos; 25 anos no caso dos europeus na Idade Média; cerca de 40 anos no século 19; e 55 anos no início do século 20.

* Ricardo Afonso Teixeira é doutor em neurologia pela Unicamp, professor do curso de medicina do Unieuro e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília

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