
A poluição sonora e o barulho excessivo são, notadamente, responsáveis por uma série de problemas auditivos, podendo levar à surdez completa. No entanto, os malefícios causados podem se estender a uma série de outros sistemas do organismo e interferir, até mesmo, na saúde mental.
Para que possamos entender melhor como o barulho pode afetar a saúde, a otorrinolaringologista Laís Andrade, da Meu Doutor Novamed — Unidade Méier (RJ), acredita que é importante definir o conceito de barulho: "Um som indesejado ou perturbador que pode afetar a qualidade de vida e a saúde das pessoas. E que pode ter diversas origens, como trânsito, obras, música alta, entre outros", explica a médica.
Normalmente, a sensação de perturbação vem não somente do barulho em si, mas da intensidade elevada dos sons, ou seja, o volume, que é medido em decibéis. Laís ensina que, de forma resumida, o processo da audição consiste na transformação da energia mecânica em elétrica, que se propaga do nervo auditivo ao cérebro.
"O excesso de barulho, ou seja, de energia chegando ao sistema auditivo, ocasiona uma ativação recorrente desse sistema. E, por consequência, também da região cerebral, responsável pela audição e seus nervos responsáveis, podendo culminar em uma série de problemas", completa.
Embora seja um dos medos das pessoas expostas a sons muito altos, a perfuração do tímpano por barulho é rara. Em situações extremas, como explosões, tiros ou fogos de artifício muito próximos ao ouvido, o som intenso e súbito pode gerar uma onda de pressão capaz de romper a membrana timpânica. O resultado é uma dor intensa, perda auditiva imediata e até mesmo sangramento pelo ouvido.
Mas esse não é o problema auditivo que mais preocupa os otorrinolaringologistas. Os principais distúrbios causados por barulho costumam surgir lentamente, conforme a exposição a barulhos talvez não tão altos, mas repetitivos e ininterruptos, que vão afetando, aos poucos, a saúde das células auditivas.
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Como ocorre
- Entre os principais problemas causados pelo excesso de barulho, estão a perda auditiva induzida por ruído (PAIR), que ocorre quando a exposição prolongada a sons altos acaba danificando as células ciliadas do ouvido interno.
- Essas células são as responsáveis por transformar as vibrações sonoras em sinais elétricos e se elas deixam de funcionar, por qualquer motivo, acontece a perda auditiva permanente.
- Depois da perda auditiva completa, uma das consequências mais graves da poluição sonora, vem o zumbido no ouvido, também chamado de tinnitus, que é quando o indivíduo passa a ouvir chiados, zumbidos e outros sons mesmo quando não existe nenhuma fonte externa de som.
- Pessoas expostas ao excesso de barulho também podem desenvolver a hiperacusia, uma sensibilidade aumentada ao som, tornando-o desconfortável ou doloroso, e a diplacusia, que é a distorção do som, quando eles são percebidos de forma alterada.
Na mente
- Segundo a otorrinolaringologista Laís Andrade, a exposição excessiva a ruídos traz sinais como zumbido e plenitude, que podem ter efeitos que prejudicam o organismo muito além dos problemas auditivos por si só.
- Laís explica que o barulho excessivo e a poluição sonora podem ter impactos significativos na saúde mental, principalmente quando o paciente já apresenta alguns dos problemas auditivos causados por esse excesso. Alguns dos principais problemas são:
- Distúrbios do sono: a exposição a ruídos noturnos pode afetar a qualidade do sono, levando a problemas de saúde mental e física.
- Irritabilidade e mau humor: o ruído excessivo aumenta essas sensações, afetando as relações sociais e o bem-estar.
- Estresse e ansiedade: o ruído crônico pode aumentá-los significativamente.
- Problemas de concentração: o ruído pode afetar a capacidade de concentração e atenção, levando a problemas de desempenho e produtividade.
- Depressão: a exposição prolongada a ruídos excessivos pode contribuir para o desenvolvimento de depressão.
No corpo
- Como a saúde mental está intimamente ligada à física, os efeitos que o barulho tem em nosso cérebro e nosso emocional também podem acabar afetando outros órgãos e sistemas.
- Já é comprovado que o estresse e a ansiedade podem contribuir para a hipertensão e doenças cardíacas, o que mostra uma interferência indireta do barulho na saúde do coração.
- Outros estudos recentes também associam o barulho típico de grandes centros urbanos, como de rodovias e aeroportos, a um maior risco de hipertensão arterial, infarto e acidente vascular cerebral (AVC) pelo fato de os ruídos constantes ativarem o sistema de alerta do organismo.
- O estado de alerta — quando nosso corpo se prepara para algum tipo de perigo — libera hormônios como adrenalina e cortisol, o que leva a um aumento da pressão arterial, inflamação nos vasos sanguíneos e alterações na função do coração ao longo do tempo.
- As alterações causadas pelo desequilíbrio hormonal também podem resultar em problemas digestivos. A ansiedade e o estresse aumentam a acidez gástrica, podendo levar também a úlceras, síndrome do intestino irritável (SII) ou outros distúrbios gastrointestinais.
- Já se observou uma associação entre exposição a ruído crônico e distúrbios gastrointestinais, como gastrite, refluxo e alterações no apetite. Existem estudos nesse tema, alguns com modelos animais, relacionando a exposição excessiva ao ruído a um aumento da produção ácida do estômago, alterações da motilidade do sistema digestivo e até alterações da flora intestinal.
Palavra do especialista
Quais são os impactos que o barulho excessivo e a poluição sonora têm na saúde das crianças?
A poluição sonora é um estressor invisível, mas poderoso. Pode levar a irritabilidade, ansiedade, dificuldade de concentração, insônia e, em casos mais graves, quadros de depressão. Crianças expostas a ruídos intensos e constantes podem apresentar atrasos no desenvolvimento da linguagem e no desempenho escolar.
Como o barulho interfere na comunicação e no aprendizado?
Ambientes ruidosos dificultam a compreensão da fala, especialmente para crianças, idosos e pessoas com perda auditiva. Isso afeta a aprendizagem, especialmente em salas de aula com má acústica. Em casa ou no trabalho, pode gerar falhas de comunicação e aumentar o esforço cognitivo necessário para ouvir e interpretar mensagens — o que gera cansaço e reduz a eficiência das interações sociais e profissionais.
A poluição sonora a que uma pessoa está exposta ao longo do dia de forma repetitiva, e não somente os barulhos que surgirem à noite, pode interferir no sono?
Sim, a poluição sonora é uma das causas mais subestimadas dos distúrbios do sono. Mesmo sons que não nos acordam completamente podem fragmentar as fases do sono, reduzir o tempo de sono profundo e provocar despertares breves e repetidos. Com o tempo, isso pode resultar em sonolência diurna, queda de imunidade e prejuízos à memória e ao humor.
Marcelo Maruyama é otorrino do Hospital DF Star
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