
No mundo contemporâneo, a busca pela perfeição é a motivação de muitos. Cada traço do rosto pode ser modificado, na tentativa de caber em um padrão estabelecido tanto pela sociedade quanto por si mesmo. Desta vez, a tatuagem ocular, mais conhecida como ceratopigmentação, surge como o grande procedimento 'estético' da atualidade. No entanto, esbarra na não autorização para ser feita no Brasil.
A tatuagem no olho, especialmente a escleral, que insere pigmentos entre as camadas da esclera (a parte branca do olho), é extremamente perigosa e arriscada, sendo proibida para fins estéticos em território brasileiro. Doutor em oftalmologia pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Gustavo Bonfadini explica que a ceratopigmentação é, em muitos casos, realizada por pessoas sem formação médica.
"Os principais riscos incluem: perfuração ocular, com comprometimento da retina ou do nervo óptico; infecções graves, como endoftalmite, que podem levar à cegueira irreversível; inflamações intensas, como uveíte ou esclerite; descolamento de retina; glaucoma secundário e formação de catarata precoce", descreve o profissional.
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Em inúmeras situações, os danos são irreversíveis, com risco real de perda permanente da visão. "Não se trata de uma intervenção segura ou recomendada", completa o médico. Recentemente, as influenciadoras Andressa Urach e Maya Massafera realizaram o procedimento fora do país. Com isso, levantaram o questionamento: o que essas mudanças podem provocar?
As duas, agora, têm olhos azuis — antes castanhos. Todavia, Gustavo alerta para o risco significativo de rejeição ao pigmento ou de reações inflamatórias crônicas. "Como o globo ocular é uma estrutura imunologicamente sensível, a introdução de pigmentos não estéreis ou inadequados pode gerar granulomas (reação inflamatória crônica); necrose do tecido escleral; pigmentação migratória, com riscos adicionais à retina e córnea; dores oculares persistentes e dificuldades de lubrificação (olho seco severo)", enumera.
Segundo o profissional, ainda não há estudos suficientes sobre os efeitos cumulativos desses pigmentos, o que torna o procedimento ainda mais perigoso e imprevisível. Para questões estéticas, a ceratopigmentação não é recomendada por sociedades médicas como o Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO) e a Academia Americana de Oftalmologia (AAO).
Reações e consequências
Professora de medicina do Ceub, Núbia Vanessa Lima conta que esse procedimento, hoje correlacionado ao mundo da beleza, tem origem em indicações médicas específicas, como correção de opacidades corneanas e reconstrução estética do olho em casos de lesões ou doenças que alteram a aparência da córnea.
Em países da Europa, entretanto, a ceratopigmentação está autorizada. Por isso, influenciadores viajam para o exterior em busca de uma nova cor para os olhos. Nas redes sociais, Maya Massafera falou um pouco sobre a experiência e ressaltou: agora me sinto mais feminina. No entanto, apesar do desejo de caber dentro dessa caixa social, é importante que os desdobramentos a longo prazo sejam debatidos.
"O pigmento intracorneano modifica a estrutura da córnea, podendo gerar reações inflamatórias crônicas, alterações de pressão ocular e danos que prejudicam a realização de exames oftalmológicos futuros. Isso pode limitar ou dificultar tratamentos posteriores, como cirurgias de catarata, procedimentos a laser e exames de grau", finaliza Núbia.
É possível reverter?
De acordo com Gustavo Bonfadini, estudos demonstram que os resultados da ceratopigmentação tendem a se deteriorar com o tempo. Com o passar dos anos, é comum que os pigmentos desbotem de maneira irregular, resultando em uma aparência não natural e insatisfatória, o que pode levar à necessidade de novos procedimentos invasivos e, consequentemente, ao aumento do risco cumulativo de danos irreversíveis à córnea e à visão.
A ceratopigmentação é realizada com pigmentos específicos, que são aplicados dentro da córnea com auxílio de um laser de femtosegundo para criar bolsões e, visualmente, dar um aspecto de mudança da cor do olho. “Diferentemente da tatuagem escleral, é um procedimento ‘estético’ realizado em ambiente cirúrgico, indicado para camuflar cicatrizes corneanas ou alterações estéticas severas. E, mesmo nesse contexto, é controverso e limitado”, complementa.
Quanto à reversão, Gustavo é enfático: não é possível. “A remoção do pigmento pode ser parcial, com técnicas a laser ou cirurgias, mas na maioria das vezes, impossível sem causar mais dano ocular. Em muitos casos, o arrependimento leva à necessidade de realização de um transplante de córnea ou outros procedimentos cirúrgicos reparadores de alta complexidade e risco de cegueira.”
Os riscos e complicações
— Dispersão de pigmentos para dentro do olho
— Inflamação crônica
— Dor persistente
— Aumento da pressão intraocular (glaucoma)
— Problemas retinianos decorrentes da inflamação
— Deficiência visual permanente ou perda de visão
— Ardência e sensibilidade à luz
— Dificuldade de diagnóstico de outras doenças oculares futuras
Fonte: Núbia Vanessa Lima, professora de medicina do Ceub
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