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Histórias na palma da mão: projetos democratizam a leitura no DF

Projetos de leitura ganham visibilidade e levam educação e cultura para a população. Especialistas comentam a importância da leitura como processo básico de formação cidadã

A leitura vai muito além do simples ato de decifrar palavras. É um verdadeiro instrumento de desenvolvimento cognitivo, emocional e social. “Família e escola são os pilares fundamentais na construção do leitor. Quando ambos atuam juntos, a leitura deixa de ser obrigação e se torna prática de vida”, resume Priscilla Montes, educadora especializada em infância e adolescência.

No Brasil, dados do Instituto Pró-Livro, de 2023, mostram que 45% da população adulta não têm o hábito de ler livros, enquanto apenas 25% das crianças de 6 a 14 anos leem livros regularmente fora da escola. Esse cenário evidencia a importância de projetos que incentivem a leitura desde cedo, fortalecendo a cidadania, o pensamento crítico e a empatia.

Segundo o psicólogo Wanderson Neves, o ato de ler está ligado ao desenvolvimento moral, à autonomia cognitiva e à socialização. “A leitura compartilhada em espaços públicos fortalece vínculos, promove pertencimento e estimula a expressão simbólica, promovendo desenvolvimento social sustentável”, afirma.

O economista e sociólogo César Bergo encara o ato de ler como um direito social básico. “O acesso aos livros é uma forma concreta de exercer a cidadania e a liberdade. Assim como o desenvolvimento físico, ela é essencial para o crescimento intelectual e emocional do indivíduo.” E para que projetos de incentivo à leitura sejam eficazes, planejamento e continuidade são fundamentais. “Essas ações exigem investimento e boa gestão. Feiras, saraus e eventos culturais precisam ser bem-estruturados para evitar desperdícios e garantir que os livros realmente cheguem à população.”

Com esse propósito, iniciativas comunitárias e projetos culturais vêm transformando a forma como crianças e adultos se relacionam com a literatura. É nesse contexto que surgem histórias como a do dono do açougue T-Bone, Luiz Amorim, que inspirou uma série de projetos inovadores de leitura e cultura em Brasília, abrindo caminhos para pequenas bibliotecas itinerantes e clubes de leitura em diferentes espaços da cidade.

O açougueiro passou a juventude lendo assiduamente, chegando a finalizar de 10 a 15 livros por mês, e com essa sua bagagem literária, pensou que todos deveriam ter acesso ao mesmo. “Fiquei muito encantado com a ideia de fazer cultura e levar cultura para as pessoas, veio uma inquietação de ter um país melhor trabalhando nisso”, conta.

Em 1994, Luiz comprou o açougue onde trabalhava, na 312 Norte, e instalou uma prateleira com livros para os clientes. Qualquer um podia escolher um livro, folhear, pegar emprestado, devolver quando quisesse e até deixar outro no lugar. Aos poucos, o acervo foi aumentando e uma biblioteca surgiu. A ideia, então, foi transportada para as paradas de ônibus, com minibibliotecas, democratizando o ainda mais o acesso.

“O livro, para mim, foi e continua sendo uma ferramenta maravilhosa. A leitura abre nossa mente para novas ideias e formas de pensar, e é essencial incentivar isso em todo canto”, detalha Luiz. Do pioneirismo dele, surgiram várias iniciativas, que a Revista compartilha com os leitores.

T-Bone/Divulgação - O açougue T-Bone virou uma referência cultural

Engatinhando na leitura

O incentivo à leitura deve vir desde cedo. Atendendo bebês de até 1 ano e 5 meses, o projeto Bebê que Lê nasceu em 2023 dentro da Biblioteca Escolar e Comunitária Professora Tatiana Eliza Nogueira, na 308 Sul, e já carrega uma atmosfera "cult", querida pela comunidade. Com músicas, histórias e descobertas, a iniciativa vem transformando a relação da primeira infância com os livros, e das famílias com a leitura. O espaço se enche semanalmente de risadas, pequenas mãos folheando páginas coloridas e pais curiosos em busca de novas formas de aproximar os filhos do universo literário.

A idealizadora do projeto é a professora e pedagoga Ana Neila Torquato. Também escritora de livros infantis, ela explica que, a princípio, a narrativa não é o mais importante para os bebês, mas o ato de estar perto de alguém que lê para eles. "Eu vejo muitos relatos de mães contando que as crianças veem o livro como um brinquedo. Elas aprendem a folhear, a ver as figuras, chamam o papai e a mamãe para perto, usando o livro como fonte para construir laços afetivos", detalha. 

Ou seja, mais do que incentivar o gosto pelos livros, a proposta é formar repertórios afetivos. No começo, os encontros eram no estilo "só chegar e participar", mas a demanda cresceu e inscrições prévias passaram a ser necessárias. Os encontros acontecem três vezes por semana, no período da tarde, e hoje já existe uma lista de quase 500 famílias na fila para participar. 

Giovanna Rodrigues CB/DA Press - A idealizadora do projeto é a professora e pedagoga Ana Neila Torquato (de preto), também escritora de diversos livros infantis

A educadora Priscilla Montes explica que a família é o primeiro espaço de convivência e de afetos e, portanto, o primeiro ambiente onde a leitura pode ser associada a prazer, curiosidade e vínculo emocional. "Quando uma criança vê seus pais ou responsáveis lendo, quando é presenteada com livros ou escuta histórias antes de dormir, ela aprende que a leitura é um gesto de cuidado e partilha", detalha.

A cada encontro, cantos, brincadeiras e histórias se entrelaçam, revelando o livro como um objeto central. Os pais e seus bebês sentam em círculo em tapetes e lonas coloridas. Ao som de músicas animadas, a mediadora Ana Neila inicia a sessão já interagindo com os pequenos, com objetos coloridos, e claro, livros. 

Novos livros são escolhidos a cada encontro, e as brincadeiras são planejadas de forma a completarem a leitura, com objetos que aparecem na história, por exemplo. Tudo pensado para que haja interação entre os bebês, os pais e as histórias contadas. "Aqui, a gente entende o livro como um objeto cultural superimportante, é uma abertura de portas, para diálogos, para relações afetivas, para as múltiplas linguagens dentro do livro, é onde a criança vai entrar em contato com a fotografia, com a aquarela, com recorte, colagens, para criar desde de cedo uma bagagem", diz Ana. 

Ali, as famílias aprendem que não é preciso ser um contador de histórias experiente, mas ter disposição para fazer a leitura acontecer dentro de casa. E o resultado tem sido emocionante: bebês que crescem entre palavras voltam em novas gerações e constroem, junto aos pais, uma relação viva com a literatura.

Giovanna Rodrigues CB/DA Press - As famílias aprendem que não é preciso ser um contador de histórias experiente, mas ter disposição para fazer a leitura acontecer dentro de casa.

Colhendo os frutos 

Um exemplo disso é a história da Laura Nascimento, ela ouviu falar do projeto ainda no comecinho. "No primeiro encontro, minha mãe, que mora perto da biblioteca, trouxe a Laís, minha filha mais velha, e já se apaixonou. Desde então, passamos a frequentar toda semana", conta Laura. 

O carinho pelo projeto se tornou tão grande que, quando engravidou pela segunda vez, Laura fez seu ensaio maternidade em frente à biblioteca e logo nos primeiros meses fez a inscrição e garantiu a vaga da pequena Giovana, que agora não perde um encontro. Laís, hoje com 2 anos, já tem interesse pelos livros e chama os pais para ler com ela e passear na biblioteca. 

Outro caso de como o projeto influenciou o relacionamento com os livros, é o da Maria Luiza Menegaz, mãe de Liz. Ela decidiu fazer a festa de aniversário de 1 aninho da filha com o tema livros, que agora fazem parte da vida cotidiana da pequena. 

Giovanna Rodrigues CB/DA Press - Maria Luiza Menegaz, mãe de Liz, decidiu fazer a festa de aniversário de um aninho da filha com o tema livros

E há quem diga que o projeto também influencia os pais. Marina Queiroz não tem o hábito de ler, mas procura incentivar o filho Marcelo, de 1 ano e quatro meses, a ter interesse pelos livros. Há seis meses, eles frequentam o projeto, e Mariana conta que vê o interesse do filho pelos livros. "Ele mesmo folheia, aponta para as figuras, pede para ler. Gosta muito também das músicas e de toda a parte lúdica, que chama muito a atenção dele", detalha. Marina diz que, por conta disso, também tem procurado inserir a literatura no seu dia a dia, visando estimular o filho. 

Além do Bebê que lê, a biblioteca conta com outros projetos, como o Pequenos leitores, que segue uma dinâmica parecida, mas focada em crianças um pouco mais velhas, de 2 a 3 anos, vindas de turmas passadas do Bebê que lê. Já a Piqueteca é um piquenique temático que ocorre duas vezes por ano. Todos os projetos são coordenados por um grupo de quatro professoras — além de Ana Neila, estão presentes Hosana Claudia, Adriana Alvim e Hozana Costa, e a coordenadora Diane Mee. 

A biblioteca também recebe alunos de escolas públicas com o projeto a Hora do conto. O propósito é que os estudantes tenham leitura dinâmica e compartilhada. No primeiro semestre deste ano, foram atendidas três escolas do fundamental 1. Já no segundo semestre, são intercalados alunos do ensino fundamental 2 e ensino médio.

Giovanna Rodrigues CB/DA Press - A cada encontro, novos livros são escolhidos

Além da sala de aula

O Roedores de Livros nasceu da paixão de Ana Paula Bernardes pela literatura infantil e juvenil e de sua experiência como professora de artes. A ideia surgiu há cerca de 20 anos, quando a educadora participou de cursos de formação de leitores e percebeu que a discussão sobre literatura nas salas de aula ainda era predominantemente teórica. "Os professores questionavam: 'Mas isso se faz na sala de aula?' Era preciso unir teoria e prática, e eu sentia que faltava um espaço dedicado à leitura fora do ambiente escolar", relembra.

O projeto ganhou impulso com o apoio de Ziraldo, padrinho do Roedores, e Luiz Amorim, responsável pela biblioteca no Açougue T-bone. Juntos, ajudaram Ana Paula a estruturar a primeira biblioteca comunitária, funcionando inicialmente por seis meses na Asa Norte, com encontros aos sábados para crianças de diferentes bairros. Aos poucos, o Roedores passou a atingir um público maior, incluindo crianças de abrigos e instituições, com transporte próprio garantindo o acesso.

Após algumas mudanças de locais, desde 2010, o Roedores de Livros está localizado no Shopping Popular de Ceilândia, mantendo seu funcionamento ininterrupto há alguns anos, exceto durante a pandemia. A biblioteca funciona principalmente aos sábados, quando voluntários podem se dedicar integralmente ao projeto. "Todos os sábados, há um lanchinho, e as crianças participam ativamente, votando em atividades e escolhendo leituras. Esse espaço é realmente a casa delas", conta Ana Paula.

A idealizadora ressalta a dificuldade de manter o projeto, já que há algum tempo que não consegue garantir editais pelo o Fundo de Apoio à Cultura (FAC-DF). "Tem sido uma grande briga com o poder público. Projetos que se iniciam algumas semanas antes do anúncio do edital ser divulgado garantem o apoio financeiro com mais facilidade do que projetos que têm anos de funcionamento", desabafa. 

Arquivo pessoal - Membro do Roedores de Livros lendo para participante do projeto

Em 2024, o Roedores recebeu apoio de duas instituições que também funcionam por editais. A primeira foi a Fundação Abrinq, uma organização social sem fins lucrativos, desde a década de 1990, que atua em todo o país. O outro apoio foi concedido pela Iberbibliotecas, um programa de cooperação ibero-americano, composto por 12 países, no qual a Colômbia foi sua financiadora. Assim, tem conseguido ficar aberta quase todos os dias da semana.

Parcerias e expansão

O acervo da biblioteca é exclusivamente voltado para literatura infantil e juvenil, com cerca de 5 mil livros catalogados, e continua recebendo doações. Quando excede a demanda, os livros são repassados a outras instituições e ONGs, ampliando o impacto do projeto. Entre as instituições beneficiadas estão Embalando Sonhos, Desperta Sol Nascente e Torre de Livro.

A mediação de leitura é outro ponto central da proposta. O projeto pela primeira vez lançará o Caxinguelê, curso de extensão em mediação de leitura no câmpus da UnB em Ceilândia. A iniciativa é coordenada pelas professoras Ana Claudia da Silva (Faculdade de Letras/UnB), Paula Gomes (Faculdade de Educação/UnB) e Ana Paula Bernardes.

Arquivo pessoal - Participantes do projeto: envolvimento da comunidade no acesso à leitura

A professora Ana Cláudia entrou no projeto com o intuito de ajudar também os alunos que estavam fazendo TCCs relacionados com o tema leitura. Hoje, os jovens universitários participam voluntariamente, ajudando na condução de atividades e na formação de novos leitores. "O mais importante é que eles saiam preparados para incentivar a leitura em outros contextos, levando o aprendizado adiante", explica Ana Paula.

Além das atividades regulares, o Roedores promove cursos de extensão e encontros sobre literatura infantil, literatura indígena e literatura negra, ampliando o conhecimento de participantes de diferentes idades. Há, inclusive, inscrições de pessoas com mais de 70 anos, demonstrando que o projeto abraça a diversidade etária e social.

A biblioteca também busca estimular a leitura por prazer, não apenas como aprendizado do alfabeto. Ana Paula enfatiza que, no Roedores, as crianças leem por afeto, com histórias que despertam interesse e diversão. O engajamento dos pequenos é tão forte que, muitas vezes, são eles que decidem atividades, como festas temáticas e votações sobre leituras.

A relação do projeto com a comunidade local é profunda. Muitos frequentadores são filhos de trabalhadores do shopping ou moradores próximos, e a participação se estende por gerações. "Já estamos recebendo filhos dos filhos de frequentadores antigos. É emocionante ver como o vínculo com a leitura se mantém vivo", relata Ana Paula.

Por fim, a idealizadora do Roedores de Livros ressalta a importância de dar visibilidade ao projeto e buscar apoio institucional. “É fundamental que a comunidade saiba que existimos, para que possamos participar de editais e garantir a sustentabilidade da biblioteca. Essa é uma herança que espero deixar para muitos anos”, conclui.

Fotos: Arquivo pessoal - Nem sempre a leitura é sobre o texto, gravuras também são "lidas" por Ana Paula

Projetos em instituições públicas 

A biblioteca comunitária do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e territórios (TJDFT) mostra como as instituições públicas podem ser protagonistas no incentivo à leitura. Criado em 2016, o Projeto Estante Livre surgiu dentro da instituição com um propósito simples: disponibilizar livros para qualquer pessoa, sem controle de empréstimos ou burocracia. 

Hoje, o funcionamento é inteiramente na confiança. “Os leitores escolhem o livro e levam consigo sem qualquer tipo de controle”, explica o desembargador e 1° vice-presidente do Tribunal, Roberval Belinati. O objetivo não é fiscalizar, e sim permitir que a leitura circule entre diferentes públicos.

A iniciativa nasceu com a premissa de que “um livro pode mudar uma vida, e a leitura, a sociedade”. A proposta atende duas demandas observadas pela equipe da biblioteca: de um lado, servidores e cidadãos que desejavam doar livros antigos e não sabiam onde depositá-los; de outro, colaboradores terceirizados e frequentadores.

Júlia Sirqueira C.B/D.A Press - O Projeto Estante Livre é localizado no TJDFT

Atualmente, o projeto conta com 11 estantes distribuídas pelo Distrito Federal, instaladas em locais estratégicos para alcançar o maior número de pessoas possíveis. Há unidades nos fóruns de Brasília, Ceilândia, Recanto das Emas, Gama, Guará, Paranoá, Santa Maria e Riacho Fundo, além de espaços como o Na Hora da Rodoviária do Plano Piloto e o Espaço Conciliar Fórum Desembargador José Júlio Leal Fagundes. 

O acervo é variado e democrático: inclui desde romances, biografias e livros infantis até obras jurídicas, didáticas e de autoajuda. Desde 2016, já foram arrecadados cerca de 24.500 livros, número que cresce à medida que o projeto se populariza. 

A sede do TJDFT também conta com salas de estudos, tanto para funcionários quanto para o público em geral. O acervo jurídico não é autorizado a sair da biblioteca, porém o espaço é aberto para estudantes e pesquisadores da área do direito.

O sucesso do projeto já estimula novos planos. Segundo o desembargador, a equipe estuda expandir o modelo para outro espaço público, ampliando o raio de alcance para a população  — afinal, quando o livro está ao alcance da mão, o leitor surge.

Júlia Sirqueira C.B/D.A Press - A biblioteca do TJDFT conta com mais de 20 mil livros

Entre a mobilidade e a leitura

Inspirado pela própria história, o rodoviário Antônio Ferreira idealizou os projetos Cultura no ônibus e Cultura na bicicleta, iniciativas que levam livros e literatura à população de Brasília. Vindo do Maranhão, Antônio cresceu em uma família sem acesso à leitura e percebeu a importância da educação ao ver a diferença entre pessoas que liam e as que não liam.

O principal motivador do projeto foi seu filho. O rodoviário conta que não queria ver seu pequeno passando pelas mesmas situações que ele e que, com os livros, a perspectiva de um futuro promissor era mais alcançável. Hoje, com 24 anos, Matheus Lopes Ferreira, está prestes a se formar em engenharia elétrica na UnB. Com a motivação, Antônio também teve o interesse em fazer uma faculdade e hoje concilia os cursos de administração e biblioteconomia.

O Cultura no ônibus nasceu em 2003, com pequenas caixas de livros, levadas para o veículo por Antônio, que improvisava espaços entre as cadeiras para acomodar os volumes. A ideia era que os passageiros pudessem folhear, pegar emprestado e, se desejassem, doar livros. "Todo dia tinha um livro diferente, e o passageiro passava e olhava. Isso cria vínculo e incentiva a leitura", lembra. 

A Piracicabana, principal apoiadora do projeto, cedeu espaço nos veículos. Hoje, os ônibus da empresa contam com uma estante de bolsos e qualquer passageiro pode folhear os livros durante o percurso, levar para casa e devolver em qualquer outro ônibus ou deixar outro no lugar. 

Com o tempo, Antônio percebeu que poderia ampliar a iniciativa. O projeto passou a envolver mais voluntários e ganhou o apoio do Sindicato dos Rodoviários, além de parcerias com bibliotecas, como a Rui Barbosa, em Sobradinho, permitindo que o acervo circulasse e se renovasse constantemente.

Bruna Gaston CB/DA Press - Antonio sacrifica cômodos de sua casa para guardar os livros doados

Na bike

Em 2019, Antônio expandiu a ideia para as bicicletas, criando o Cultura na Bicicleta. Assim como no ônibus, os livros circulam pela cidade, mas agora em um transporte mais ágil e ecológico. As bicicletas são adaptadas com materiais reciclados, que o próprio rodoviário constrói, permitindo levar livros de forma segura e criativa. Hoje, o projeto conta com cinco bicicletas aptas a circular, mas apenas uma é utilizada, já que faltam voluntários para a expansão do trabalho.

O funcionamento é simples e interativo: o ciclista ou o passageiro encontra livros na bicicleta, pode folhear, levar emprestado ou doar outros volumes. A bike circula por Sobradinho I e II. O projeto busca transformar a mobilidade urbana em oportunidade de acesso à leitura e à cultura. "Bicicleta é transporte, ônibus é mobilidade. Integrar os dois fortalece o projeto e expande a cultura", explica.

O acervo do projeto, localizado em Sobradinho II, é diverso, abrangendo desde literatura clássica brasileira, como Machado de Assis e Jorge Amado, até livros de autoajuda e ciências humanas. Antônio acredita que o contato com diferentes tipos de leitura ajuda a formar pensamento crítico e criatividade, mesmo em pessoas sem formação acadêmica completa.

Para ele, a literatura tem um papel libertador. "A leitura faz a mente criativa e inquieta. Alguém folheando um livro pode se transformar, tornar-se pesquisador ou apenas mais consciente do mundo", afirma. O objetivo é que a experiência vá além do entretenimento, influenciando valores e cidadania.

Antônio também organiza palestras dentro dos ônibus, não só da Piracicabana, apoiadora do projeto,  incentivando a leitura e explicando o projeto aos passageiros. O intuito dele é a expansão para outras empresas rodoviárias. O rodoviário mantém um registro das doações e dos empréstimos de livros, garantindo que o acervo circule de forma organizada e que as pessoas se sintam estimuladas a participar.

Bruna Gaston CB/DA Press - O projeto também passou para a bike

Trabalho reconhecido

O projeto é fruto de iniciativa pessoal, mas já recebeu reconhecimento. Antônio foi premiado pelo Ministério da Cultura, pela Lei Paulo Gustavo e pelo Cultura na Cidade, sem contar os editais aprovados pela Secretaria de Estado de Cultura e Economia (FAC-DF), reforçando o impacto social das iniciativas e mostrando que projetos de leitura podem ser sustentáveis, mesmo com recursos limitados.

Apesar dos avanços, Antônio enfrenta desafios de espaço e logística. Atualmente, ele mantém grande parte do acervo em sua própria casa, sacrificando dois cômodos com livros até o teto, a garagem e a sala de estar também contam com estantes, conciliando a organização dos livros com a vida pessoal e os estudos. "Preciso de espaço para esses livros, é a principal ferramenta que falta", comenta.

O trabalho de Antônio também envolve criatividade e reciclagem. Ele constrói suportes, estantes e adaptações com materiais reutilizados, mostrando que é possível unir cultura, mobilidade e consciência ambiental de maneira inovadora e prática.

O projeto é contínuo e aberto à comunidade. Passageiros, voluntários e visitantes podem interagir com os livros, conhecer a bicicleta adaptada e participar do estímulo à leitura, fortalecendo o acesso à cultura e transformando o dia a dia de quem passa pelos ônibus e pelas ruas da cidade.

*Estagiárias sob supervisão de Sibele Negromonte

 


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