BELÉM

COP30: rota na Ilha do Combu une turismo e tradição ribeirinha

Grupo de empreendedores cria passeio pelos igarapés que inclui gastronomia, artesanato e uma verdadeira aula sobre a Amazônia

Palafitas no Igarapé do Combu -  (crédito: Gabriella Braz/CB/DA Press)
Palafitas no Igarapé do Combu - (crédito: Gabriella Braz/CB/DA Press)

Do barco, várias palafitas se estendem e completam a paisagem que só seria possível em meio ao bioma amazônico. Estamos na Ilha do Combu, apenas 15 minutos de Belém, tempo suficiente para transformar a passagem urbana em uma experiência sensorial. O horizonte, o farfalhar da água enquanto o transporte se movimenta pelo igarapé, a sensação dos rios voadores da Amazônia na pele. 

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Igarapé, do tupi, significa "caminho de canoas", são canais estreitos afluentes dos rios. Na Ilha do Combu, cercada pelo Rio Guamá, os igarapés de Combu e de Piriquitaquara compõem o percurso contemplativo, é uma das rotas turísticas da capital da COP30 que mistura sustentabilidade, cultura, arte e muitos sabores.

A Rota Combu é uma iniciativa de empreendedores locais com o Sebrae Nacional, em parceria com o Sebrae Pará, que busca fomentar o ecoturismo ribeirinho. Ao longo da ilha, 14 empreendimentos locais fazem parte do projeto e são identificados por um banner na fachada. 

A ideia, explica o CEO da Vida Caboca, uma das agências de turismo que comercializam o itinerário, Mário César Carvalho, é fazer com que o Combu deixe de ser um local de "bate-volta" para quem está em Belém e se torne uma experiência imersiva. Para isso, o empresário e professor de administração explica que é necessário fortalecer os empreendimentos da região, com roteiros estruturados, guias e uma rede hoteleira. 

"A gente quer melhorar para atender a todos os tipos de visitantes", explica. Morador de Belém, Mário tem uma relação de afeto e memória com a ilha, a qual frequenta desde criança. O avô dele foi um dos fundadores do restaurante Saldosa Maloca, primeiro restaurante do local, que hoje também integra a Rota. 

Para ele, a Rota é o início de uma grande jornada para os ribeirinhos, que já começou a dar frutos com maior oferta de empregos na região. "Esse trajeto é uma forma de mostrar que a floresta em pé é fundamental, mas ela não representa tudo", explica. "Só a floresta manejada é capaz de gerar a melhor qualidade de vida para a população local." 

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Ele destaca que o principal pilar dos empreendimentos é a sustentabilidade, valor inerente à vida desses povos que vivem na floresta. "O Combu é um espaço de reflexão. Ele está tão perto da cidade, mas muda tanto que você passa a pensar no modo como está levando a vida", acredita. 

  • Palafitas no Igarapé do Combú
    Palafitas no Igarapé do Combú Gabriella Braz/CB/DA Press
  • Palafitas no Igarapé do Combu
    Palafitas no Igarapé do Combu Gabriella Braz/CB/DA Press
  • Passeio Igarapé do Combú
    Passeio Igarapé do Combú Gabriella Braz/CB/DA Press

Quando a arte conhece a tradição

A vida na ilha é algo que a artesã ribeirinha Silvia Rodrigues, 40 anos, não troca por nada. Nascida no Combu, ela conta que o artesanato é uma herança de família. "Todas as minhas irmãs trabalham com isso, e eu faço de tudo", relata. 

Em fevereiro deste ano, ela fundou a Biojoias do Combu, mas a trajetória com a arte e as riquezas amazônicas têm mais de 15 anos. "Eu participava de feiras ou vendia pelo Instagram, mas as clientes sempre me perguntavam quando eu faria meu espaço", conta. 

A loja, que fica às margens do Igarapé Combu, é mais que um espaço para contemplar e adquirir produtos. Durante a visita, Silvia compartilha um pouco do processo de produção dos acessórios e cosméticos. Todo o processo, desde a extração de matérias-primas, como açaí, muru-muru e jupati, é feito à mão por ela.  As sementes são furadas uma a uma para se transformarem em colares, brincos e pulseiras. Das folhas e cascas, surgem obras de arte, além de sabonetes, óleos e hidratantes. 

Dona Elza de Fátima, 65, sogra da artesã, também participa do processo. Ela é responsável pela extração e fabricação do óleo de andiroba, atividade que, por sua vez, também aprendeu com a sogra. 

Conhecido como um repelente natural contra insetos, além de ter propriedades anti-inflamatórias e cicatrizantes, o óleo é extraído das sementes da planta. É nessa hora que entra mais dos conhecimentos de Silvia, que aproveita, nos cosméticos, as cascas e a massa que restaram da andiroba. "Não estraga mais nada", conta com orgulho. 

  • Silvia Rodrigues e  Elza de Fátima, da Biojoias do Combu
    Silvia Rodrigues e Elza de Fátima, da Biojoias do Combu Arquivo pessoal
  • Silvia Rodrigues, fundadora da Biojoias do Combu
    Silvia Rodrigues, fundadora da Biojoias do Combu Divulgação/Rota Combú

Sabores da Amazônia

Izete dos Santos Costa, 60 anos, é pouco conhecida pelo nome na Ilha do Combu. Mas o apelido de infância, conta, chega a ser mais famoso que a marca de chocolates fundada por ela. Dona Nena é criadora da casa de chocolates Filha do Combu, chocolate esse que também remete a uma memória de criança. 

No Filha do Combu, a degustação dos chocolates é precedida por uma verdadeira aula dentro da Amazônia. Logo no início do roteiro, uma sumaúma de cerca de 280 anos abraça os visitantes. A mãe da floresta, como é chamada, exibe as raízes volumosas e chega a parecer surreal para quem nunca esteve na floresta. 

A trilha passa pelas árvores de cacau cultivadas. Para manter o cacaueiro produtivo por mais de 30 anos, o segredo é o cuidado. Na hora de colher o fruto, é preciso ter calma e girar o cacau até que ele se solte, sem o uso de objetos cortantes. O amor e o cuidado com a vegetação transparecem nos pés de cupuaçu, pupunha, buriti e outras riquezas. 

"Nosso roteiro tem tudo, história, imersão, produção conciliada com outras árvores frutíferas", conta dona Nena. A profissional dos chocolates herdou dos pais a habilidade de colheita do cacau, que antes era totalmente vendido para fábricas, mas deu outro rumo à carreira após comercializar uma receita de família. 

"A gente fazia o nosso próprio chocolate, era uma relíquia de família", conta. O produto, produzido apenas com cacau torrado moído em um pilão de madeira, conquistou fãs após dona Nena decidir levar a receita para uma feira sustentável. Apesar de ser um prato afetivo, a família não acreditava que a iniciativa fosse dar certo. 

Aos poucos, a empreendedora passou a se especializar e a diversificar os processos. Primeiro, foi o pilão de madeira, que teve que ser substituído por um moedor de cereais. Depois, dona Nena começou a desenvolver receitas, como o brigadeiro e o bolinho de chocolate com recheio de cupuaçu, delícias degustadas no fim do passeio junto ao chocolate quente, bebida de infância cheia de afeto. 

Para ela, o turismo na Rota Combu é uma forma de conhecer o modo de vida dos moradores, que apresentam o que fazem de melhor. "Aqui nós podemos provar que é possível tirar nossa renda sem desmatar", declara. "A ilha é minha casa, meu território, é tudo para mim".

  • Dona Nena transformou as receitas de família em negócio
    Dona Nena transformou as receitas de família em negócio Divulgação/Vida Caboca turismo
  • Dona Nena é criadora da casa de chocolates Filha do Combú
    Dona Nena é criadora da casa de chocolates Filha do Combú Divulgação/Vida Caboca turismo
  • Trilha na casa de chocolates Filha do Combu
    Trilha na casa de chocolates Filha do Combu Gabriella Braz/CB/DA Press
  • A sumaúma de cerca de  280 anos abraça os visitantes
    A sumaúma de cerca de 280 anos abraça os visitantes Gabriella Braz/CB/DA Press

*A jornalista viajou a Belém a convite do Hotel Vila Galé 

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postado em 16/11/2025 06:00
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