
Do barco, várias palafitas se estendem e completam a paisagem que só seria possível em meio ao bioma amazônico. Estamos na Ilha do Combu, apenas 15 minutos de Belém, tempo suficiente para transformar a passagem urbana em uma experiência sensorial. O horizonte, o farfalhar da água enquanto o transporte se movimenta pelo igarapé, a sensação dos rios voadores da Amazônia na pele.
Igarapé, do tupi, significa "caminho de canoas", são canais estreitos afluentes dos rios. Na Ilha do Combu, cercada pelo Rio Guamá, os igarapés de Combu e de Piriquitaquara compõem o percurso contemplativo, é uma das rotas turísticas da capital da COP30 que mistura sustentabilidade, cultura, arte e muitos sabores.
A Rota Combu é uma iniciativa de empreendedores locais com o Sebrae Nacional, em parceria com o Sebrae Pará, que busca fomentar o ecoturismo ribeirinho. Ao longo da ilha, 14 empreendimentos locais fazem parte do projeto e são identificados por um banner na fachada.
A ideia, explica o CEO da Vida Caboca, uma das agências de turismo que comercializam o itinerário, Mário César Carvalho, é fazer com que o Combu deixe de ser um local de "bate-volta" para quem está em Belém e se torne uma experiência imersiva. Para isso, o empresário e professor de administração explica que é necessário fortalecer os empreendimentos da região, com roteiros estruturados, guias e uma rede hoteleira.
"A gente quer melhorar para atender a todos os tipos de visitantes", explica. Morador de Belém, Mário tem uma relação de afeto e memória com a ilha, a qual frequenta desde criança. O avô dele foi um dos fundadores do restaurante Saldosa Maloca, primeiro restaurante do local, que hoje também integra a Rota.
Para ele, a Rota é o início de uma grande jornada para os ribeirinhos, que já começou a dar frutos com maior oferta de empregos na região. "Esse trajeto é uma forma de mostrar que a floresta em pé é fundamental, mas ela não representa tudo", explica. "Só a floresta manejada é capaz de gerar a melhor qualidade de vida para a população local."
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Ele destaca que o principal pilar dos empreendimentos é a sustentabilidade, valor inerente à vida desses povos que vivem na floresta. "O Combu é um espaço de reflexão. Ele está tão perto da cidade, mas muda tanto que você passa a pensar no modo como está levando a vida", acredita.
Quando a arte conhece a tradição
A vida na ilha é algo que a artesã ribeirinha Silvia Rodrigues, 40 anos, não troca por nada. Nascida no Combu, ela conta que o artesanato é uma herança de família. "Todas as minhas irmãs trabalham com isso, e eu faço de tudo", relata.
Em fevereiro deste ano, ela fundou a Biojoias do Combu, mas a trajetória com a arte e as riquezas amazônicas têm mais de 15 anos. "Eu participava de feiras ou vendia pelo Instagram, mas as clientes sempre me perguntavam quando eu faria meu espaço", conta.
A loja, que fica às margens do Igarapé Combu, é mais que um espaço para contemplar e adquirir produtos. Durante a visita, Silvia compartilha um pouco do processo de produção dos acessórios e cosméticos. Todo o processo, desde a extração de matérias-primas, como açaí, muru-muru e jupati, é feito à mão por ela. As sementes são furadas uma a uma para se transformarem em colares, brincos e pulseiras. Das folhas e cascas, surgem obras de arte, além de sabonetes, óleos e hidratantes.
Dona Elza de Fátima, 65, sogra da artesã, também participa do processo. Ela é responsável pela extração e fabricação do óleo de andiroba, atividade que, por sua vez, também aprendeu com a sogra.
Conhecido como um repelente natural contra insetos, além de ter propriedades anti-inflamatórias e cicatrizantes, o óleo é extraído das sementes da planta. É nessa hora que entra mais dos conhecimentos de Silvia, que aproveita, nos cosméticos, as cascas e a massa que restaram da andiroba. "Não estraga mais nada", conta com orgulho.
Sabores da Amazônia
Izete dos Santos Costa, 60 anos, é pouco conhecida pelo nome na Ilha do Combu. Mas o apelido de infância, conta, chega a ser mais famoso que a marca de chocolates fundada por ela. Dona Nena é criadora da casa de chocolates Filha do Combu, chocolate esse que também remete a uma memória de criança.
No Filha do Combu, a degustação dos chocolates é precedida por uma verdadeira aula dentro da Amazônia. Logo no início do roteiro, uma sumaúma de cerca de 280 anos abraça os visitantes. A mãe da floresta, como é chamada, exibe as raízes volumosas e chega a parecer surreal para quem nunca esteve na floresta.
A trilha passa pelas árvores de cacau cultivadas. Para manter o cacaueiro produtivo por mais de 30 anos, o segredo é o cuidado. Na hora de colher o fruto, é preciso ter calma e girar o cacau até que ele se solte, sem o uso de objetos cortantes. O amor e o cuidado com a vegetação transparecem nos pés de cupuaçu, pupunha, buriti e outras riquezas.
"Nosso roteiro tem tudo, história, imersão, produção conciliada com outras árvores frutíferas", conta dona Nena. A profissional dos chocolates herdou dos pais a habilidade de colheita do cacau, que antes era totalmente vendido para fábricas, mas deu outro rumo à carreira após comercializar uma receita de família.
"A gente fazia o nosso próprio chocolate, era uma relíquia de família", conta. O produto, produzido apenas com cacau torrado moído em um pilão de madeira, conquistou fãs após dona Nena decidir levar a receita para uma feira sustentável. Apesar de ser um prato afetivo, a família não acreditava que a iniciativa fosse dar certo.
Aos poucos, a empreendedora passou a se especializar e a diversificar os processos. Primeiro, foi o pilão de madeira, que teve que ser substituído por um moedor de cereais. Depois, dona Nena começou a desenvolver receitas, como o brigadeiro e o bolinho de chocolate com recheio de cupuaçu, delícias degustadas no fim do passeio junto ao chocolate quente, bebida de infância cheia de afeto.
Para ela, o turismo na Rota Combu é uma forma de conhecer o modo de vida dos moradores, que apresentam o que fazem de melhor. "Aqui nós podemos provar que é possível tirar nossa renda sem desmatar", declara. "A ilha é minha casa, meu território, é tudo para mim".
*A jornalista viajou a Belém a convite do Hotel Vila Galé
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