
As redes sociais são responsáveis por propagarem inúmeras tendências. No universo da moda ou com dicas de decoração, basta um vídeo para que o usuário queira fazer parte do algoritmo. Quando o assunto envolve as populares trends de beleza, a febre dentro desse oceano virtual costuma aumentar ainda mais. Agora, a onda que tem ganhado rápida fama, especialmente entre o público masculino, é conhecida como "cílios na régua".
No entanto, vale ressaltar que nem tudo que está nos holofotes vem para agregar. Esse novo movimento, apesar do sucesso que tem feito, ligou o sinal de alerta em especialistas, justamente pelas consequências que esse ato pode causar. De acordo com o oftalmologista Danillo Almeida, do Hospital Santa Lúcia, de Brasília, a prática consiste em cortar os cílios drasticamente para que fiquem mais curtos e retos, eliminando a curvatura natural, na crença de que isso confere um olhar mais "masculino".
Contudo, a busca por essa estética pode comprometer seriamente a saúde ocular. "Essa trend veio para, supostamente, deixar o olhar do homem mais másculo", afirma o especialista. A alteração, porém, é um convite aberto a problemas. Almeida é categórico ao ressaltar a principal função biológica dos cílios: "Servir de barreira mecânica à entrada de qualquer corpo estranho, além de participar ativamente do nosso reflexo de piscar para nos defendermos de qualquer possível trauma".
Assim, ao cortar os cílios, essa barreira inicial é comprometida, pois diminui a efetividade dos cílios em filtrar ou impedir a entrada de corpos estranhos, como poeira, insetos ou qualquer outra elemento que possa pairar no ar e, eventualmente, esteja em contato com o olho, conforme esclarece o médico.
Os riscos imediatos são duplos. Primeiramente, há o "risco de se lesionar a pálpebra ou a superfície ocular pelo uso dos equipamentos que estariam cortando os cílios, como tesouras e aparelhos elétricos de corte". Em segundo lugar, e como consequência, tem-se a "diminuição da proteção ocular pelo mecanismo de barreira física, aumentando consideravelmente a exposição ocular a todo tipo de trauma", completa Danillo Almeida.
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Complicações a longo prazo
A exposição aumentada do olho pode desencadear uma série de complicações. O oftalmologista Alexandre Kazuo Misawa, do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, reforça a importância protetora dos pelos. "Os cílios são a primeira proteção da região dos olhos, junto da própria pálpebra e da sobrancelha. Eles criam um mecanismo de proteção contra poeira, contra vento e contra ciscos."
Ele compara a perda intencional à causada por doenças ou quimioterapia, casos em que a ausência dos cílios acaba criando um transtorno, por vezes permanente ou transitório na região dos olhos, de modo que a pessoa fica com o olho irritado, vermelho, seco e tem sinais de lacrimejamento recorrentes.
Na avaliação do oftalmologista Danillo Almeida, diante de todo esse cenário, ainda há preocupações com possíveis problemas funcionais e inflamatórios. "Cortar os cílios pode fazer com que haja descompensação na produção e liberação de substâncias (lipídeos e suor) que atuam para lubrificar e auxiliam para que o olho se mantenha saudável." Essa disfunção, segundo o médico, aumenta consideravelmente o risco de conjuntivites, blefarite, meibomite, hordéolo e outras doenças que podem ser tanto de cunho infeccioso quanto inflamatório.
O perigo da triquíase
Um risco particularmente grave do corte amador é a alteração no ciclo de crescimento natural. "Sim, ao cortar os cílios eles crescem novamente, porém podem ter o seu sentido de crescimento alterado, perdendo a curvatura natural, tendo muitas vezes as pontas orientadas para dentro do olho, tocando a superfície ocular e trazendo desconforto extremo, aumentando risco de infecções", detalha Almeida. Essa condição, conhecida como triquíase, é tratada, na maioria dos casos, por meio de cirurgia.
Na mesma linha de pensamento, Misawa confirma que os cílios têm um ciclo de renovação natural de três a quatro semanas, então quem corta vai ter que aguardar para que, quem sabe, tudo volte ao normal. Entretanto, ele adverte que a pessoa terá que esperar esse processo, muito possivelmente, com o olho mais irritativo.
O oftalmologista também salienta que a irritação leva a tocar mais a região, aumentando as chances de infecção devido à manipulação inadequada. Os especialistas, contudo, são unânimes: a intervenção estética de cortar os cílios, embora viral, traz um prejuízo significativo à saúde ocular, comprometendo a primeira linha de defesa dos olhos em troca de um visual que dura pouco e pode exigir intervenção médica.

Revista do Correio
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