Casa

Memórias que decoram: como transformar coleções em parte da casa

Transformar coleções em parte da decoração é mais do que uma tendência estética, é uma forma de criar espaços com identidade emocional

Em um tempo marcado pela velocidade e pelo consumo, o ato de colecionar ganhou novo significado. O que parecia apenas passatempo, agora se transforma em um gesto de pausa, um modo de guardar o tempo com as mãos e dar materialidade às lembranças. Na decoração, essas pequenas coleções, sejam carrinhos, livros, discos, sejam fotografias, tornam-se símbolos de pertencimento. Mais do que enfeites, são fragmentos de quem somos.

A arquiteta Martha Lemos, membro da Archademy Distrito Federal, explica que incluir coleções na casa é uma forma de traduzir emoções em forma de espaço. "Somos seres emocionais, e a nostalgia atua como uma âncora. Ela nos conecta à nossa própria história e nos faz sentir enraizados em algo maior", diz.

Segundo ela, essa tendência cresceu após a pandemia, quando muitas pessoas passaram a buscar conforto nas memórias. "Vivemos um tempo de excesso, e isso gerou um movimento inverso: um retorno ao essencial. As pessoas começaram a olhar para dentro e perceberam que o verdadeiro conforto está nas lembranças, nos objetos que guardam afeto."

"Quando uma coleção entra em cena — miniaturas, livros, pratos, fotografias ou videogames —, ela carrega não só um valor simbólico, mas também um impacto emocional profundo. Um ambiente que traduz a história de quem o habita gera bem-estar e identidade. É por isso que algumas pessoas não se sentem em casa, porque ainda não se reconhecem nela", acrescenta. 

A arquiteta ressalta que inserir coleções na decoração é também um exercício de harmonia visual. "A ideia é tratá-las como uma galeria de arte íntima, equilibrando quantidades, cores e composições. Estantes, nichos e iluminação focal ajudam a valorizar cada item. Um feixe de luz bem posicionado pode transformar um simples objeto em memória viva", explica. 

Do hobby ao lar

Para o casal Aline Braine, 34 anos; e Murilo Pires, 37, empresários no ramo de colecionáveis e criadores do perfil Casal Coleção nas redes sociais, o colecionismo começou como uma brincadeira. Quando jovem, Murilo comprou alguns carrinhos em miniatura, apenas para decorar o quarto, sem pensar em formar uma coleção. Anos depois, ganhou um carrinho de presente de Aline, o GruMobile, da animação Meu Malvado Favorito e, dali em diante, o interesse se transformou em paixão.

Hoje, o casal soma mais de 350 mil seguidores nas redes e uma coleção com mais de 2.500 miniaturas. As peças estão dispostas em prateleiras e nichos com portas de vidro, formando uma vitrine organizada que virou parte central da casa e cenário dos vídeos que compartilham.

"É gratificante ver o hobby que começou em casa se transformar em algo que inspira e movimenta tanta gente", afirma Murilo. Aline explica que o segredo para integrar a coleção à decoração está no equilíbrio. O casal pensou na iluminação e na disposição para valorizar a coleção, mas sem interferir no funcionamento da casa. "Queríamos que tudo ficasse visível, mas sem parecer bagunçado. Buscamos uma harmonia visual com o restante da casa, e o resultado foi um espaço que combina com a nossa história."

Além da estética, a coleção trouxe conexões reais. O casal já participou de eventos e convenções dentro e fora do Brasil e firmou parcerias com marcas ,como Mattel, Hot Wheels, RiHappy e Havan. "Cada peça carrega uma lembrança. Quando abrimos as portas da nossa casa, é como se estivéssemos mostrando nossa trajetória, e isso inspira outras pessoas a fazerem o mesmo", completa Aline.

As redes sociais impulsionam o desejo de mostrar e estetizar essas memórias, compartilhando com outros. A arquiteta acredita que o que vem acontecendo é um movimento coletivo de autoconhecimento. "As pessoas estão resgatando o valor simbólico das coisas, tentando se reconectar com o que é autêntico e fazer da própria casa um lar de verdade", detalha. 

Arquivo pessoal - Para Aline e Murilo, o colecionismo começou como uma brincadeira

Passatempo vira arte

A advogada Natália Ferretti, 26, também encontrou na decoração uma maneira de eternizar suas paixões. Durante a pandemia, ela redescobriu o prazer dos quebra-cabeças e decidiu transformar cada montagem em arte de parede. "No início, eu colava as peças só para guardar, até perceber que era um desperdício deixá-los escondidos. Então comecei a pendurar. Hoje, todos estão no escritório, formando uma parede colorida e cheia de vida", conta.

As obras, inspiradas em artistas, como Van Gogh, chamam atenção nas redes sociais, onde Natália compartilha suas criações. "Sou adepta do maximalismo. Gosto de paredes cheias de quadros, e transformar meus quebra-cabeças em decoração foi uma forma de unir o útil ao afeto." Para ela, o valor vai muito além do visual: "Esses quadros representam fases da minha vida e as pessoas com quem divido esse hobby. É um jeito de ter minhas histórias sempre por perto".

Arquivo pessoal - Natália encontrou na decoração uma maneira de eternizar suas paixões

Galeria de afetos

Ao integrar lembranças à decoração, a casa deixa de ser apenas cenário e se transforma em autobiografia.  Martha Lemos resume bem essa ideia: "As coleções são mais do que objetos. São histórias condensadas, fragmentos de uma ancestralidade que se manifesta no cotidiano. Elas revelam o que realmente importa para cada um de nós."

A arquiteta lembra que não existe um estilo único para isso na decoração nem na coleção. "Colecionar é sobre você. É sobre misturar o moderno e o vintage, o rústico e o minimalista, e, ainda assim, fazer sentido, justamente porque é pessoal. É o reflexo da pluralidade de quem habita aquele espaço."

Quanto a onde posicionar os itens, a arquiteta diz que escritórios e corredores são uma boa opção para começar. "O corredor, que costuma ser esquecido, pode se tornar uma galeria afetiva com fotos, pequenas obras ou até mesmo quebra-cabeças. Já no quarto, especialmente o de casal, os porta-retratos já cumprem um papel simbólico, itens colecionáveis adicionam um toque ainda mais especial, ajudam a relembrar bons momentos e fortalecer laços", explica. 

Ao pensar em luz e posição, a arquiteta aconselha a sempre procurar um profissional, mas testar ângulos e posições, até achar o que mais se encaixa, também é uma boa pedida para quem quer começar. E na dúvida entre exibir a coleção toda ou não, equilíbrio é essencial. "Assim como em um museu, é importante dar espaço para o olhar respirar, permitindo que cada item conte sua história", detalha Martha. 

*Estagiária sob supervisão de Sibele Negromonte

 


Mais Lidas

Arquivo pessoal - Natália encontrou na decoração uma maneira de eternizar suas paixões
Arquivo pessoal - Natália encontrou na decoração uma maneira de eternizar suas paixões
Arquivo pessoal - Para Aline e Murilo, o colecionismo começou como uma brincadeira
Arquivo pessoal - A coleção faz parte da casa mas sem afetar a funcionalidade
Arquivo pessoal - O casal pensou o espaço, disposição e iluminação da decoração