Comportamento

Liberdade e conforto: mulheres têm deixado de usar sutiã

Geração Z consolida movimento de abandonar o uso de sutiã e transforma peça em escolha, não obrigação

As mulheres mais jovens estão mais resistentes aos sutiãs e à pressão social em torno deles, mesmo que esse movimento tenha iniciado com as millennials. Uma pesquisa realizada em 2023 pela YouGov revelou que, embora oito em cada 10 mulheres americanas usem sutiã na maior parte dos dias, a relação com a peça tem mudado de forma significativa. Entre as entrevistadas, 61% afirmam usar o acessório diariamente, enquanto apenas 5% dizem nunca utilizá-lo. No entanto, um dado chama a atenção: 21% das mulheres relatam usar sutiã com menos frequência do que há cinco anos, indicando uma tendência crescente de flexibilização.

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Esse cenário ajuda a explicar por que a trend do TikTok chamada No Bra ou Braless ganhou força entre as jovens da geração Z, que compartilham vídeos normalizando o abandono do sutiã em cada vez mais situações. A estudante de psicologia Isabelle Reis, 21 anos, faz parte desse grupo. Ela deixou de usar a peça aos 14 e, para ela, a decisão começou pelo desconforto físico, mas também se somou à percepção das regras implícitas em torno do corpo feminino. Isabelle conta que, ao perceber que seus seios eram pequenos e não exigiam sustentação, começou a questionar por que usava o acessório diariamente.

Ainda que hoje viva confortavelmente sem sutiã na maior parte dos contextos, ela reconhece que a escolha não é universal nem plenamente livre. No ambiente de trabalho ou em espaços mais formais, diz sentir que ainda há um código implícito. "No ambiente de trabalho, por ser um ambiente corporativo, por ser um órgão (os seios) sexualizado, entende-se de uma forma implícita que não usar sutiã não seria uma coisa boa", relata.

Quando adolescente, enfrentou julgamentos na escola, inclusive, de uma diretora que questionou se ela não tinha vergonha de estar sem a peça. "Ali percebi como a norma não é apenas estética, mas disciplinadora", lembra. Isabelle entende que seguir sem sutiã é mais fácil para mulheres com seios menores e para jovens como ela, reiterando que a experiência do não uso varia conforme corpo, idade e contexto social.

Contracultura feminista

Essa diversidade de vivências é essencial para compreender o fenômeno, ressalta a antropóloga Naira Gomes. Para ela, moda não existe fora da política, da cultura e das categorias de gênero, raça e classe. "O sutiã é um marcador de normatividade. A escolha de não usá-lo não é um gesto isolado: ela dialoga com uma história de contracultura feminista que acompanha as mulheres desde a década de 1960", afirma. 

Segundo a antropóloga, esse processo nunca foi homogêneo. Mulheres negras, periféricas e de corpos não normativos lidam com o próprio corpo em contextos marcados por hipersexualização e violências. A própria Naira relata que, apesar de sentir dores com o uso do sutiã, raramente se sentiu segura para abandoná-lo em espaços públicos. "Corpos negros são constantemente invadidos e violados; a sensação de exposição é outra", observa. 

Ela também destaca que a pandemia, com a adoção do home office e de roupas mais flexíveis, acelerou a naturalização de peças mais leves ou da ausência delas. Para a geração Z, que cresceu conectada a debates digitais sobre feminismo, diversidade corporal e autonomia, a lingerie tornou-se parte do discurso identitário. "O sutiã deixou de ser regra e virou linguagem", diz.

Do ponto de vista da saúde, a decisão de abandonar o sutiã também depende do corpo de cada mulher. O mastologista Alexandre Bravin explica que não usar a peça não causa flacidez, característica influenciada principalmente por idade e colágeno, mas pode gerar desconforto em casos específicos. "Pacientes com mamas grandes e pesadas podem sentir dor, porque o peso provoca tensão no músculo peitoral. Para muitas, o sutiã traz sustentação, proteção e segurança", afirma. 

O mercado, por sua vez, acompanha o movimento. Marcas independentes de lingerie têm reposicionado o sutiã como escolha e acessório ligado à autoestima, não imposição. Para as criadoras da label Baderna, Liliana Mazzaro e Beatriz Gontijo, as mulheres estão deixando para trás pudores e padrões antigos, corpos livres e peitos livres são reflexo de mentes livres. A marca aposta em peças leves, tops, tecidos macios e no direito de não vestir nada quando quiser. "O sutiã já foi símbolo de controle. Hoje é acessório. É estética, composição e liberdade", afirma Liliana. Para elas, abandonar o sutiã, ou reinventá-lo, é um gesto político cotidiano. "Liberdade está nos pequenos grandes atos", resumem.

 

Divulgação/Baderna - Quando há o uso de sutiã atualmente, é mais por estética do que por pressão social

 

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