Cidade Nossa

Cidade Nossa: Viva o requinte

Neste domingo (7/12), Isabella campos, musicoterapeuta e professora de canto, fala sobre como o samba atravessa gerações e transforma quem vive a experiência pela primeira vez

REV-0712-CRONICA -  (crédito: maurenilson)
REV-0712-CRONICA - (crédito: maurenilson)

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Lá vinham os tamborins na linha de frente da primeira escola de samba a desfilar no Sambódromo, naquele início de 2005. Do silêncio das gentes cansadas nas arquibancadas, após longa espera na fila para alcançar as escadarias, até o som vibrante dos tambores ecoando ao infinito, tocados por uma multidão de instrumentistas em uníssono, eu não imaginava o quão fascinante seria estar ali. Eu jamais poderia ter sabido, a não ser unicamente estando presencialmente ali.

E me perguntava por que tanta demora em assistir de perto ao que desde criança eu sempre curti. Afinal, perdi a conta dos tantos carnavais de rua e de clubes pelos quais passei. Pois bem, assim foi. Esperei que uma amiga estrangeira viesse ao Brasil e me pedisse para ver as escolas de samba para tomar finalmente a decisão de comprar os ingressos. Ali, na arquibancada, o tempo parou. Tudo era, como disse e repito, simplesmente fascinante. Lembro-me da noite clara. Eu olhava o céu, sentia aquele ritmo todo em mim, e pensava onde mais na Terra haveria algo parecido.

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Será que os extraterrestres sucumbiriam à batucada e sambariam conosco? Decerto numa aproximação ficariam chocados como eu. Talvez eu fosse a extraterrestre, tendo aterrizado no Sambódromo, pela primeira vez, somente aos 35 anos. Ali, o samba ganhava outra dimensão no meu entendimento. Entendimento sobre tudo. Sobre o poder transformador da música, do ritmo, sobre a importância da história constitutiva do Brasil, sobre ser brasileira, sobre arte e coletividade, sobre arte e promoção da saúde, sobre o efeito daquela vibração sonora nas minhas células e, sobretudo, no meu espírito. O samba é um grande requinte.

Minha primeira audição de samba, aos 5 anos de idade, foi algo bem marcante, a convite de meu avô materno para assistir a um show em Petrópolis. A segunda, aos 11 anos, foi em férias com a família numa praia da Bahia, onde a vizinha ao lado parecia ter um disco só. Caros leitores, bons relacionamentos com vizinhos podem render bons frutos.

1972. Hotel Quitandinha. Luzes apagadas. Uma moça longilínea com turbante branco na cabeça aparece cantando ao fundo de uma passarela suspensa e caminha em direção ao público, que está sentado embaixo, ao redor. Seus cabelos volumosos estão prontos para o balanço quando da virada de rosto. O vestido longo igualmente branco faz contraste com colares de contas pendurados no pescoço. Muito solta, de voz firme, com o microfone na mão, a deusa-entidade se manifesta bem à minha frente e canta, rodopiando, de Romildo Bastos e Toninho Nascimento, Conto de Areia. É Clara Nunes. Eu nem pisquei.

1978. Bahia, praia da Gameleira. Sol, mar, e mangas a chupar aos montes. O leite matinal é vendido na porta das casas, grosso, nutritivo, em dois tonéis pendurados ao lombo de um jegue. Esse leite é quente e combina muito bem com mangas baianas. Eis que é chegada a hora após o almoço de a vizinha aparecer religiosamente com o seu Sufoco na vitrola. Só tive uma saída: virei fã de Alcione. E jamais cantei para a vizinha "Não sei se vou aturar… esses seus abusos…"

2025. Um salto no tempo. Aqui estou com o som dos tamborins a ecoar dentro de mim e a lembrar de cantoras que eternizaram sambas. Só de lembrar, meu espírito vibra, e sinto-me impelida a ouvir um requinte, de Candeia: "Ao povo em forma de arte". E vocês? Já compraram seus ingressos para o Sambódromo?

Isabella Campos da Paz é musicoterapeuta e professora de canto

  • Isabella Campos da Paz. Musicoterapeuta e professora de canto
    Isabella Campos da Paz. Musicoterapeuta e professora de canto Foto: Arquivo pessoal
  • Isabella Campos da Paz
    Isabella Campos da Paz Foto: Arquivo pessoal
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postado em 07/12/2025 06:00
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