
Quando o fim de ano chega, aquela sensação de recomeço, finalmente, costuma surgir. Muitos olham para trás e se sentem gratos, enquanto outros trocam o espírito festivo pela tristeza das metas não alcançadas. Assim, olhar para o futuro parece ser a única opção. Essa carga emocional, que se traduz em ansiedade, cansaço e melancolia, é popularmente conhecida como "dezembrite", fenômeno que é um reflexo da pressão e de um ambiente social que exige felicidade constante.
Apesar de não ser um diagnóstico clínico formal, o termo descreve com precisão a sobrecarga emocional. A psicóloga, psicanalista e neuropsicóloga Silvia de Oliveira e Silva explica que a dezembrite é "uma sensação de urgência como se a vida precisasse ser resolvida antes do dia 31."
O mês de dezembro, de acordo com ela, concentra múltiplas pressões simultaneamente: fechamento de metas profissionais, pendências, gastos extras e uma agenda social inflada. Segundo Silvia de Oliveira e Silva, a pessoa chega exausta do ano inteiro e ainda precisa lidar com uma agenda social que cresce justamente quando o corpo e a mente já estão no limite."
Para o vendedor de calçados Felipe Silva, 26 anos, o peso dessa exaustão é sentido diretamente no ambiente de trabalho. Ele relata que o primeiro sinal é o caos das compras, a correria de shopping e uma certa ansiedade que nasce naturalmente nessa época do ano. "Sinto dor nas pernas e dor de cabeça o tempo todo. Fico muito irritado e não consigo dormir, pensando só em estoque e clientes," revela Simone.
Ele ainda afirma que a pressão é forte para "ser mais", pois as metas de dezembro são sempre maiores que as dos meses anteriores. O psicólogo e doutor em Psicologia Vladimir Melo corrobora, afirma que sintomas como ansiedade, esgotamento, irritabilidade e melancolia estão todos relacionados à frustração por se sentir insuficiente.
Assim, o profissional traça um paralelo com a filosofia, citando o livro A sociedade do cansaço: "Essa pressão social é bem descrita pelo filósofo Byung Chul-Han... Ele diz que a sociedade já alcançou um estágio do capitalismo em que o próprio indivíduo se explora 24 horas, sem a necessidade de um opressor. Tudo em nome do sucesso."
A felicidade roteirizada
Muito além de toda essa tristeza, dezembro carrega um peso simbólico de "fechamento de ciclo" que incita a uma autoavaliação severa. Na avaliação de muitas pessoas, a retrospectiva do ano transforma-se em um gatilho. Silvia de Oliveira e Silva adverte que, em vez de ser um momento de reconhecer aprendizados, a retrospectiva torna-se uma contabilidade fria do que faltou.
"Isso alimenta a sensação de insuficiência, como se fosse preciso provar merecimento para entrar no próximo ano," explica a psicanalista. Dessa forma, o psicólogo Vladimir Melo reforça que a pressão por resultados define o valor do indivíduo na sociedade contemporânea, transformando essa autoavaliação em um momento individual severo.
"Se a avaliação parte dessa premissa, não respeitamos nossos processos, nossas pausas nem nossas reflexões. Somos impelidos a sempre entregar e qualquer descanso é tido como tempo perdido", detalha o especialista.
As redes sociais, de alguma maneira, amplificam essa cobrança. Elas vendem uma "felicidade roteirizada" — de famílias perfeitas, mesas fartas e conquistas. Dentro deste cenário, o vendedor sente o contraste doloroso entre ver os clientes felizes com o Natal, enquanto ele carrega dentro de si um esgotamento gritante. "Sinto que estou por fora da festa." Na visão da psicóloga Silvia, quando a vida real não combina com essa vitrine, surge uma frustração profunda, como se a pessoa estivesse fora do mundo, fora do tom, fora do Natal.
O luto silencioso
Outro eixo central da Dezembrite é a intensificação das memórias afetivas e do luto, que viram saudade durante as típicas tradições natalinas ou de Ano Novo. As datas festivas agem como marcadores emocionais, dando "volume" à ausência. A psicóloga Silvia pontua que esse sentimento não se restringe apenas à morte, mas abrange perdas que também sangram: separações, adoecimentos, o emprego que não veio e diversas outras causas.
"Há pessoas que não estão em crise clínica, mas atravessam um dezembro em silêncio, carregando uma dor que fica mais visível quando todo o entorno exige alegria," afirma a especialista. Apesar dos conflitos familiares poderem ressurgir, Vladimir Melo ressalta a função agregadora dos rituais de fim de ano.
Segundo ele, as famílias "precisam desses momentos para compartilhar lembranças e consolidar a sua identidade grupal," reafirmando seus valores. Em suma, a "Dezembrite" é o resultado de um mês que exige que as pessoas celebrem e produzam no limite do esgotamento emocional. Silvia de Oliveira e Silva conclui que, em dezembro, "nem todo mundo termina o ano celebrando; algumas pessoas terminam o ano resistindo. E isso também merece cuidado."

Revista do Correio
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