Nanotecnologia

Nova "pele" permite avanço de microrrobôs

Formada por minúsculos "motores" que se mexem quando recebem calor ou pressão, a estrutura possibilita que os nanoequipamentos se desloquem por áreas minúsculas e de acesso difícil

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Robô equipado com a pele se move em modelo das artérias de um corpo humano -  (crédito:  David Baillot/UC San Diego Jacobs School of Engineering)
Robô equipado com a pele se move em modelo das artérias de um corpo humano - (crédito: David Baillot/UC San Diego Jacobs School of Engineering)
postado em 24/11/2025 04:50

Pesquisadores da Universidade da Califórnia, em San Diego, desenvolveram uma pele especial que ajuda robôs minúsculos a se moverem por lugares muito estreitos e frágeis, como dentro de artérias humanas ou em partes internas de motores a jato. Para criar essa tecnologia, a equipe colocou uma camada bem fina de atuadores feitos de um material chamado LCE (elastômero de cristal líquido) em pontos estratégicos da pele do robô. Esses atuadores são como pequenos motores que se mexem quando recebem calor ou pressão.

O estudo, publicado na revista Science Advances, mostra que o aparelho consegue se mover com muita precisão em ambientes complicados, porque seus movimentos são controlados ajustando a pressão interna e a temperatura dos atuadores. Segundo o professor de educação tecnológica Adriano Vieira, o material LCE "encolhe quando esquenta e volta ao tamanho normal quando esfria". Ele explica: "Esse processo contínuo de contração e relaxamento faz com que o robô se desloque ou se curve. É o mesmo princípio de um músculo humano: ele se contrai e relaxa, só que aqui o 'comando' vem da temperatura e da pressão interna, não de impulsos elétricos como no nosso corpo."

Pesquisador de pós-doutorado no laboratório de Morimoto, na Universidade da Califórnia em San Diego, e coautor do estudo, Sukjun Kim frisa: "Ao usar tanto a pressão quanto o calor, conseguimos não apenas direcionar a ponta, mas também moldar todo o formato curvo do robô". Isso permite que diferentes partes do robô se curvem de forma independente.

Funcionamento 

O robô usado na pesquisa é do tipo de eversão, ou "robô videira". Esses robôs crescem como uma trepadeira, expandindo-se de dentro para fora, como uma língua de sogra. Normalmente, robôs assim usam motores, elementos flexíveis (tendões) ou ar comprimido para se mover, mas esses métodos não funcionam bem em robôs muito pequenos.

Para resolver isso, a equipe criou pequenos atuadores de elastômero de cristais líquidos e os integrou à pele fina e macia do robô. A pele é resistente, mas pequena e leve, o que permite miniaturizar o robô sem perder força. Kim explica: "O LCE é um material inteligente atuador que pode contrair mais de 50% do seu comprimento quando aquecido. Durante esse processo, a pele precisa ser dobrada e desdobrada, o que dificulta a integração dos atuadores nela. Nosso processo de fabricação possibilitou a criação de uma pele fina com aquecedores flexíveis embutidos, que são altamente deformáveis".

Em locais como reatores industriais ou áreas de desastre, os robôs não precisam ser tão pequenos. Kim afirma: "Em cenários como esses, robôs de eversão de maior escala estão sendo desenvolvidos e testados em campo por outros grupos de pesquisa." Para uso médico, ainda há desafios grandes, como garantir segurança e cumprir regulamentações. "Espero que possamos ver essa tecnologia sendo utilizada fora dos laboratórios dentro de 10 anos", diz o cientista. 

Nos testes, o robô mostrou capacidades impressionantes: ele pode fazer curvas de mais de 100 graus e atravessar fendas menores que seu próprio diâmetro. Com uma câmera acoplada, conseguiu explorar o interior de um motor a jato, mostrando potencial para a indústria aeroespacial. "Essa tecnologia, assim como o material LCE, ainda está distante da comercialização, mas muitos pesquisadores estão ampliando os limites do que é possível", ressalta Kim. 

Ele explica ainda os desafios de testes médicos: "Nosso robô foi testado em um modelo de arco aórtico que difere significativamente do corpo humano real. No organismo, o sangue circula constantemente pelo arco, o que faz com que o atuador perca calor para o sangue. Isso cria obstáculos para alcançar alta precisão e controle do ângulo de flexão. Como solução, planejamos integrar sensores de temperatura à pele do robô, permitindo monitorar o calor do atuador e ajustar os movimentos com base nesses dados".

O próximo passo é miniaturizar ainda mais o robô e desenvolver controle remoto ou autônomo, abrindo caminho para cirurgias minimamente invasivas e procedimentos que exigem alta precisão. "Nossa pele robótica é muito mais fina e escalável do que as anteriores. Além disso, a forma como a integramos ao design de eversão do robô é inédita", ressalta Kim. Apesar dos avanços, ainda não há colaborações diretas com a indústria. "Mas estamos abertos a parcerias! Já registramos uma patente para essa tecnologia", afirma o cientista. 

Estagiária sob supervisão de Lourenço Flores

"Músculos artificiais"

Atuadores são dispositivos que transformam algum tipo de energia em movimento. Em outras palavras, são "peças que fazem os componentes se mexerem" em máquinas, robôs ou sistemas automáticos. Eles recebem um comando, elétrico, hidráulico, pneumático ou até térmico, e usam essa energia para produzir uma ação, como empurrar, puxar, girar ou dobrar algo. Um exemplo simples é o motor que abre e fecha o vidro do carro: ele recebe energia elétrica e transforma isso em movimento.  Outro exemplo são sistemas que usam ar comprimido para mover braços de máquinas em fábricas. Em robótica macia ou materiais inteligentes, atuadores podem ser feitos de materiais especiais (como elastômeros de cristal líquido) que mudam de forma quando expostos à luz, calor ou eletricidade, funcionando como "músculos artificiais".

TRÊS PERGUNTAS PARA

Carlos Watanabe, médico urologista e coordenador de programa de cirurgia robótica em urologia

Quais são os principais benefícios que você observa no uso da robótica em cirurgias urológicas, especialmente em procedimentos como prostatectomia ou nefrectomia?

A robótica permite com que possamos fazer cirurgias mais precisas e com menor desgaste físico. A visão 3D, a ergonomia, a possibilidade de controlar câmera e mais três braços cirúrgicos permitem que o bom cirurgião faça cirurgias ainda melhores. Costumo comparar o robô a carros de Fórmula 1 modernos. Os melhores pilotos podem fazer corridas ainda melhores do que anos atrás. Na minha área, isso permitiu maior preservação funcional do paciente. Hoje, um paciente submetido a prostatectomia robótica pode receber alta em um dia e retornar a uma vida praticamente normal em um mês ou menos. 

Carlos Watanabe
Carlos Watanabe, médico urologista e coordenador de programa de cirurgia robótica em urologia (foto: Arquivo pessoal)

O que mudou na sua prática médica após a adoção da cirurgia robótica?

Acredito que o que mais mudou foi a forma como eu aprendo a operar atualmente. Algo que é pouco falado para o público geral é que a cirurgia robótica permite que possamos aprender mais rápido. Como as cirurgias são gravadas e há muitas ferramentas para avaliar o nosso desempenho, para o cirurgião que quer aprender mais há possibilidade de avaliar seus resultados.

Hoje é possível fazer contato com colegas de todo mundo, ver vídeos de grandes cirurgiões e fazer demonstração para colegas de todo mundo, coisa que no passado você tinha geralmente que viajar e ver presencialmente. A robótica trouxe aumento da longevidade do cirurgião, mais conforto e ergonomia, permitindo realizar procedimentos mais longos e complexos com mais eficiência.

Brasil já é hoje uma referência em cirurgia robótica na América Latina, com cirurgiões altamente capacitados não apenas no eixo Rio–São Paulo, mas também em capitais do Nordeste e do Centro-Oeste. Brasília, inclusive, é atualmente a cidade com o maior número de robôs por mil habitantes no país, o que mostra a força da especialidade na região.

O pesquisador afirma que ainda faltam colaborações com a indústria. Você acredita que a indústria da saúde no Brasil está preparada (ou disposta) para investir em inovações como essa?

Nós ainda vemos que o Brasil, e na verdade a América Latina como um todo, têm uma grande defasagem em relação a outros países no campo da colaboração entre medicina e indústria. Na Europa, por exemplo, países como Espanha, França e Bélgica estão fortemente envolvidos no desenvolvimento e aperfeiçoamento de plataformas robóticas, além de investirem muito no treinamento médico.

Na Ásia há um cenário ainda mais avançado, com plataformas sendo desenvolvidas na Coreia do Sul, na China e no Japão. A China, em especial, se consolidou como um grande centro de inovação em robótica cirúrgica. Aqui no Brasil, por outro lado, nós temos cirurgiões altamente qualificados, mas ainda faltam incentivos estruturais para o desenvolvimento tecnológico, principalmente na área da engenharia e programação aplicada à saúde.

Muitas das nossas melhores mentes acabam indo trabalhar fora do país, o que mostra que o potencial existe, o que falta é criar um ecossistema de incentivo e parceria real entre universidades, hospitais e indústria nacional, capaz de reter esse talento e gerar inovação local.

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