O velório de Arlindo foi realizado em formato de gurufim. A seguir, o Flipar explica as origens e a tradição dessa cerimônia de despedida.
O termo gurufim designa um tipo de velório tradicional de matriz africana, com forte presença nas culturas do samba, do jongo e de comunidades ligadas às religiões afro-brasileiras.
A palavra tem origem no quimbundo, uma das línguas bantas faladas em Angola, onde “ngurufim” ou “ngurufimbe” está associado a “adeus” ou “despedida”.
No entanto, alguns estudiosos do folclore, como Luís da Câmara Cascudo, e pesquisadores de linguagem popular apontam que gurufim pode ser uma corruptela ou deturpação fonética de “golfinho”.
A explicação está no fato do golfinho aparecer, em algumas tradições, como o animal responsável por conduzir as pessoas ao reino dos mortos.
O termo chegou ao Brasil por meio da diáspora africana durante o período escravocrata e foi incorporado ao vocabulário popular, especialmente no Rio de Janeiro e em áreas de forte presença de comunidades afrodescendentes.
Ao longo dos séculos, a prática foi se mesclando a elementos católicos e da cultura urbana, mantendo, no entanto, o espírito de celebração e de comunhão em torno da memória do falecido.
Mais do que uma cerimônia fúnebre convencional, o gurufim combina luto e celebração, reunindo familiares, amigos e membros da comunidade para homenagear a vida daquele que partiu.
Nesses rituais, o velório se torna um momento de encontro, partilha e reverência, com música, canto e, em alguns casos, dança.
Sambas podem ser entoados como forma de prestar respeito, relembrar momentos e agradecer pela presença da pessoa na vida dos que ficam. Outra despedida recente com esse formato foi o da cantora Beth Carvalho, em 2019.
Esse foi o caso do velório de Arlindo Cruz, morto aos 66 anos no hospital Barra D’Or, no Rio de Janeiro, em decorrência de falência múltipla dos órgãos.
No gurufim, o ambiente costuma ser mais caloroso do que silencioso. Há lágrimas e emoção, mas também abraços, histórias, risos e canções que mantêm viva a memória do homenageado, assim como comidas e bebidas.
Os elementos religiosos podem variar. Em algumas comunidades, há forte presença do candomblé ou da umbanda, com rezas e rituais específicos.
Em outras, a manifestação é mais voltada à tradição do samba e da cultura popular. No velório de Arlindo, por exemplo, até mesmo a bateria da escola de samba Império Serrano se fez presente.
O objetivo central é reafirmar a identidade, a trajetória e os laços construídos pela pessoa que partiu.
Ao unir música e fé, o gurufim transforma o ato de despedida em um gesto coletivo de resistência cultural, preservando a herança africana e celebrando a vida que se encerra.
Na despedida de artistas ligados ao samba, como aconteceu com o sambista Arlindo Cruz, o gurufim assume uma dimensão ainda mais simbólica. Isso porque a própria obra do homenageado se mistura à cerimônia, e o som dos instrumentos, como pandeiro e cavaquinho, e das vozes se torna parte do adeus.
O velório de outras personalidades ilustres do samba também teve cerimônia nos moldes de gurufim, entre eles os de Beth Carvalho, Bira Presidente, Monarco e Almir Guineto.
Há casos ilustres também mais antigos, como o de Pixinguinha, um dos maiores nomes da história da música. Ele morreu durante o Carnaval de 1973 e seu velório foi realizado no formato de gurufim.