O Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo (Sindpesp) emitiu uma nota em que repudia o desfile da Escola de Samba Vai-Vai, do grupo especial de São Paulo, no último sábado (10/2). Segundo a associação, o desfile “tratou com escárnio a figura de agentes da lei”.
Com o enredo intitulado Capítulo 4, versículo 3 — Da rua e do povo, o Hip Hop: um manifesto paulistano, Vai-Vai contou com uma ala de pessoas fantasiadas de policiais do batalhão de choque. A fantasia da ala Sobrevivendo no inferno tinha chifres e asas vermelhas em alusão a uma figura demoníaca.
Em nota, o Sindpesp alegou que a escola de samba “demonizou” a polícia e levou uma mensagem “carregada de total inversão de valores e que chega a humilhar os agentes da lei”.
“Ao adotar tal enredo, a escola de samba, em nome do que chama de 'arte' e de liberdade de expressão, afronta as forças de segurança pública, desrespeita e trata, de forma vil e covarde, profissionais abnegados que se dedicam, dia e noite, à proteção da sociedade e ao combate ao crime, muitas vezes, sob condições precárias e adversas, ao custo de suas próprias vidas e famílias”, afirma o texto. A nota pede ainda que a Vai-Vai se retrate pelo ocorrido. Confira a nota na íntegra no final da matéria.
A Vai-Vai, em resposta, ressaltou que o enredo faz homenagem à cultura do hip-hop e manifestações artísticas da periferia de São Paulo e que um dos recortes da história retratados é o lançamento do álbum Sobrevivendo no Inferno (1997), dos Racionais MCs. De acordo com a escola de samba, a ala " fez uma justa homenagem ao álbum e ao próprio Racionais Mcs, sem a intenção de promover qualquer tipo de ataque individualizado ou provocação".
Segundo a Vai-Vai, a representação ainda faz jus à questão da segurança pública em SP na década de 90, quando o álbum foi lançado, e ressaltou a discriminação policial sofrida por precursores do movimento hip hop no Brasil. Leia nota completa abaixo.
O desfile da escola do grupo especial ainda causou polêmica e foi alvo de críticas da Frente Parlamentar de Segurança Pública da Câmara, conhecida como bancada da bala. Nas redes sociais, deputados da bancada afirmaram que o desfile “demonizou” as forças de segurança.
O deputado e pré-candidato à Prefeitura de São Paulo Kim Kataguiri (União Brasil-SP) declarou que a Vai-Vai encheu o desfile com “bandidolatria”. Ele ainda atacou o rival Guilherme Boulos (PSOL-SP), que desfilou pela escola.
Nota de repúdio do Sindpesp ao desfile de escola de samba Vai-Vai:
"O Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo (Sindpesp) manifesta, veementemente, repúdio ao Grêmio Recreativo Cultural e Social Escola de Samba Vai-Vai, que, na noite de sábado (10/2), no Sambódromo do Anhembi, em São Paulo-SP, durante seu desfile, tratou com escárnio a figura de agentes da lei.
Com direito a chifres e outros itens que remetiam à figura de um demônio, as alegorias utilizadas na ala “Sobrevivendo no Inferno”, demonizaram a Polícia - algo que causa extrema indignação.
Ao adotar tal enredo, a escola de samba, em nome do que chama de “arte” e de liberdade de expressão, afronta as forças de segurança pública, desrespeita e trata, de forma vil e covarde, profissionais abnegados que se dedicam, dia e noite, à proteção da sociedade e ao combate ao crime, muitas vezes, sob condições precárias e adversas, ao custo de suas próprias vidas e famílias.
É de se lamentar que o Carnaval seja utilizado para levar ao público mensagem carregada de total inversão de valores e que chega a humilhar os agentes da lei.
O Sindpesp não compactua com este tipo de manifestação e presta solidariedade aos profissionais da segurança pública de todo o País - estes, sim, verdadeiros heróis, que merecem homenagens, reconhecimento e mais respeito por parte da agremiação, para dizer o mínimo.
Outrossim, o Sindpesp aguarda que a Vai-Vai, num momento de lucidez e de reflexão, reconheça que exagerou e incorreu em erro na ala em questão, e se retrate, publicamente. Não estamos falando, afinal, apenas dos policiais, sejam civis ou militares, mas, sobretudo, de uma instituição de Estado que representa e está a serviço de toda a sociedade bandeirante".
Resposta da Vai-Vai à nota de repúdio do Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo:
"Em 2024, a escola de samba Vai-Vai levou para a avenida o enredo Capitulo 4, Versículo 3 – Da rua e do povo, o Hip Hop – Um manifesto paulistano.
Como o próprio nome diz, tratou-se de um manifesto, uma crítica ao que se entende por cultura na cidade de São Paulo, que exclui manifestações culturais como o hip hop e seus quatro elementos – breaking, graffiti, MCs e DJs. Além disso, o desfile buscou homenagear e dar vez e voz aos muitos artistas excluídos que nunca tiveram seu talento e sua trajetória notadamente reconhecidos.
Neste contexto, foram feitos, ao longo do desfile, uma série de recortes históricos, como a semana de arte de 1922 e o lançamento do álbum “Sobrevivendo no Inferno”, dos Racionais MCs, em 1997. “Sobrevivendo no Inferno” é o segundo álbum de estúdio do grupo, lançado pelo selo da gravadora Cosa Nostra em 20 de dezembro de 1997. É considerado o álbum mais importante do rap brasileiro. Em 2007, figurou na 14ª posição da lista dos 100 melhores discos da música brasileira pela Rolling Stone Brasil. Em 2018, o álbum foi incluído pela Comvest (Comissão Permanente para os Vestibulares da Universidade Estadual de Campinas) na lista de obras de leitura obrigatória para o vestibular da Unicamp a partir de 2020. Meses depois, a obra virou livro, publicado pela Companhia das Letras, tamanha sua relevância.
Segundo a Revista Rolling Stone Brasil, que ranqueou o álbum na 14ª posição da lista dos 100 melhores discos da música brasileira, "Sobrevivendo no Inferno colocou o rap no topo das paradas, vendendo mais de meio milhão de cópias. Racismo, miséria e desigualdade social — temas cutucados nos discos anteriores — são aqui expostos como uma grande ferida aberta, vide ‘Diário de um Detento’, inspirada na grande chacina do Carandiru".
Ou seja, a ala retratada no desfile de sábado, da escola de samba Vai-Vai, à luz da liberdade e ludicidade que o carnaval permite, fez uma justa homenagem ao álbum e ao próprio Racionais Mcs, sem a intenção de promover qualquer tipo de ataque individualizado ou provocação, mas sim uma ala, como as outras 19 apresentadas pela escola, que homenageiam um movimento. Vale ressaltar que, neste recorte histórico da década de 90, a segurança pública no estado de São Paulo era uma questão importante e latente, com índices altíssimos de mortalidade da população preta e periférica. Além disso, é de conhecimento público que os precursores do movimento hip hop no Brasil eram marginalizados e tratados como vagabundos, sofrendo repressão e, sendo presos, muitas vezes, apenas por dançarem e adotarem um estilo de vestimenta considerado inadequado pra época. O que a escola fez, na avenida, foi inserir o álbum e os acontecimentos históricos no contexto que eles ocorreram, no enredo do desfile".
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