
A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) lançou a Plataforma Saúde do Solo BR, um sistema on-line que reúne dados de mais de 56 mil amostras para monitorar, em escala nacional, estadual e municipal, a qualidade dos solos brasileiros. A iniciativa foi apresentada a jornalistas em evento no contexto da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30).
O Correio visitou o centro de pesquisa da Embrapa Cerrados em Planaltina, onde são armazenadas amostras de solos com diferentes condições, desde terras saudáveis até áreas degradadas.
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A plataforma classifica a saúde do solo em cinco categorias — saudável, em recuperação, intermediário, adoecendo e doente — a partir de escores que variam de zero a um. No panorama nacional, 58% das áreas analisadas foram classificadas como saudáveis, enquanto 21% aparecem em processo de adoecimento e 4% são consideradas doentes. O levantamento adota o município como unidade de mapeamento e utiliza, em cada localidade, a classe predominante.
A metodologia adotada vai além das análises químicas e físicas tradicionais e incorpora a bioanálise do solo (BioAS), baseada na medição da atividade de enzimas como beta-glicosidase e arilsulfatase. De acordo com dados apresentados pela Embrapa Cerrados, essas enzimas atuam como bioindicadores capazes de antecipar problemas ainda não perceptíveis nas lavouras, oferecendo um diagnóstico comparável a um "exame de sangue" do solo.
A pesquisadora Iêda de Carvalho Mendes, da Embrapa Cerrados, explicou que o sistema foi estruturado para suprir limites das análises tradicionais, que não captavam alterações biológicas do solo. Segundo ela, "ao comparar um solo visualmente saudável com um solo doente, é visível a diferença. No entanto, ao analisar a parte química desses solos, como pH, cálcio, potássio e fósforo, os resultados podem ser muito próximos e parecidos".
De acordo com Mendes, essa semelhança nos laudos levava produtores a questionarem os resultados laboratoriais, pois o que faltava nessa análise era o componente biológico. "O conceito de saúde ou qualidade do solo está ligado à sua capacidade de fornecer serviços ambientais essenciais, como sustentar a produção biológica — grãos, carne, madeira, agroenergia e fibras —, promover a saúde de pessoas, plantas e animais e preservar a qualidade ambiental, por meio do armazenamento e da filtragem da água e do sequestro de carbono, entre outras funções", detalha a pesquisadora da Embrapa. Na semana passada, Iêda Mendes recebeu o Prêmio JK Correio na categoria Agro.
Produtividade
Os dados também apontam uma relação direta entre a condição do solo e a produtividade agrícola. Em Mato Grosso, por exemplo, análises que cruzam a produtividade média da soja com a proporção de solos doentes ou em processo de adoecimento indicam perdas de até 474 quilos por hectare em municípios com maior presença de áreas degradadas. A série histórica considera dados de produtividade de 2018 a 2023 e amostras de solo coletadas entre 2020 e 2025.
"É possível ter um solo de baixa qualidade com elevadas produtividades, associadas ao uso de insumos em doses muito acima das recomendadas para solos bem manejados. Essa condição, no entanto, não é sustentável no longo prazo, pois pode resultar em contaminação ambiental e prejuízos aos agricultores", acrescentou a pesquisadora, que afirmou que a inclusão da biologia na avaliação do solo mudou a forma de diagnóstico no país.
A bioanálise, de acordo com ela, permite identificar alterações antes que apareçam na lavoura, pois "funciona como um exame de sangue do solo, permitindo antecipar problemas assintomáticos de saúde antes que se reflitam em perdas de rendimento".
Segundo Iêda, a diferença apareceu na produtividade, já que "o solo doente produziu três toneladas, enquanto o solo saudável produziu quase quatro toneladas". Para a pesquisadora, os dados mostram que, mesmo com a mesma quantidade de adubo, um solo doente não consegue produzir de forma eficiente.
Observatório nacional
A Plataforma Saúde do Solo BR funciona como um observatório nacional, conectado a uma rede de laboratórios e continuamente atualizada. Até outubro de 2025, o banco de dados da BioAS ultrapassou 65 mil amostras, com expansão contínua de municípios monitorados.
O pesquisador Fábio Bueno Júnior, da Embrapa, afirmou que a bioanálise do solo permite transformar o diagnóstico técnico em decisões práticas de manejo no campo. Segundo ele, "com a bioanálise, o produtor vira um 'doutor do solo'".
"Se o solo está saudável, o manejo deve ser mantido; se está adoecendo, o produtor deve revisar suas práticas; e, se está doente, no vermelho, deve agir urgentemente", disse. Para ele, a leitura dos indicadores biológicos orienta intervenções mais precisas, reduzindo decisões baseadas apenas em adubação ou no uso de defensivos.
Bueno Júnior destacou que a principal recomendação para a recuperação de áreas degradadas é o uso da braquiária como planta de cobertura. De acordo com ele, "a melhor maneira de recuperar solos degradados é a braquiária, uma gramínea de raízes profundas, considerada a melhor 'vacina' para a saúde do solo".
O pesquisador afirmou que, em áreas de soja classificadas como doentes, a correção de problemas também ocorre por meio da mudança de prática de manejo, e não apenas pela adição de mais adubo ou pesticida.
*Estagiário sob a supervisão de Rafaela Gonçalves

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