
O Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou, no último dia 18, por 9 votos a 1, a tese do marco temporal, segundo a qual povos indígenas teriam direito apenas às terras que ocupavam ou disputavam em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. Para a deputada federal Célia Xakriabá (PSol-MG), a decisão reafirma o caráter originário dos direitos indígenas. Segundo a parlamentar, esses direitos são anteriores à formação do próprio Estado brasileiro.
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O relator, ministro Gilmar Mendes, afirmou que há jurisprudência consolidada no STF contra a tese de que a legislação é desproporcional e gera insegurança jurídica. Em seu voto, destacou que a fixação de um marco temporal desconsidera processos históricos de expulsão, violência e perseguição sofridos por comunidades indígenas, dificultando a comprovação da ocupação das terras naquele período.
Segundo Xakriabá, o voto do decano reconhece que a tese do marco temporal impõe uma exigência inviável às comunidades indígenas, ao exigir comprovação de ocupação territorial em um contexto marcado por expulsões, massacres, perseguições e remoções forçadas ao longo da história. Na avaliação da parlamentar, que critica políticos favoráveis ao marco, o entendimento do STF recoloca a Constituição como um instrumento de reparação histórica.
"O Congresso precisa compreender que legislar contra a Constituição não é afirmar soberania, é aprofundar conflitos no campo, insegurança jurídica e violência contra os povos indígenas. A decisão do Supremo impõe um limite constitucional à sanha ruralista e aos Cabrais do século XXI, que tentam transformar o direito indígena em moeda de barganha política", disse ao Correio.
A Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara dos Deputados divulgou nota criticando o entendimento do STF. O presidente da comissão, deputado Rodolfo Nogueira (PL-MS), sustentou que a decisão compromete a segurança jurídica e o direito de propriedade. Segundo o texto, a comissão defende que a Constituição reconhece os direitos indígenas sobre as terras ocupadas em 1988 e que a ausência de critérios objetivos pode ampliar conflitos no campo.
A dirigente do Partido Verde e secretária de Direitos Humanos da Federação de Partidos Verdes das Américas, Caribe e Canadá, Rayssa Tomaz, por sua vez, avalia que a decisão da Suprema Corte reafirma o compromisso com os direitos originários dos povos indígenas.
- Leia também: Supremo derruba Marco Temporal de demarcação
Segundo ela, o julgamento tem relação direta com a pauta de direitos humanos na América Latina ao reforçar o direito à terra, à autodeterminação e à dignidade dos povos originários. De acordo com Rayssa, a decisão do STF dialoga com tratados e compromissos internacionais, "além de reforçar o combate à violência, à exclusão e à criminalização das populações indígenas, realidade ainda presente em diversos países da região".
A especialista alerta ainda para o fato de que "a América Latina concentra o maior número de conflitos e de mortes de defensores ambientais no mundo".
Apesar do resultado no Supremo, a dirigente aponta que persistem desafios estruturais para a efetivação dos direitos indígenas. Entre eles, cita a dificuldade de implementação das decisões judiciais, a pressão de interesses econômicos sobre os territórios, a violência contra lideranças indígenas, a morosidade nos processos de demarcação e as tentativas recorrentes de retrocessos no Legislativo.
Proteção ambiental
Na avaliação do diretor executivo da Plant-for-the-Planet Brasil, Luciano Frontelle, o entendimento do STF fortalece direitos territoriais e traz efeitos positivos para a proteção ambiental, ao assegurar áreas que apresentam índices mais elevados de preservação em relação aos territórios do entorno.
Frontelle destaca ainda que estudos do Instituto Socioambiental(ISA) indicam que as Terras Indígenas preservam, em média, 31,5% mais vegetação do que áreas vizinhas nos biomas Caatinga, Mata Atlântica, Pampa e Pantanal. Esse fator se relaciona diretamente com a conservação da biodiversidade e com o enfrentamento das mudanças climáticas, considerando que o desmatamento segue como a principal fonte de emissão de gases de efeito estufa no Brasil.
Luciano Frontelle acrescenta que a defesa dos direitos indígenas não se contrapõe ao desenvolvimento econômico. Segundo estudos da Embrapa, o Brasil dispõe de áreas degradadas suficientes para expandir a produção agropecuária em até 35% sem necessidade de novos desmatamentos. Para ele, a preservação das florestas e da biodiversidade contribui para o equilíbrio ambiental e pode coexistir com a ampliação da atividade produtiva no país.
*Estagiário sob a supervisão de Andreia Castro
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