A patente da semaglutida, princípio ativo do Ozempic, teve a extensão barrada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) na terça-feira (16/12). Agora, a fórmula que imita o GLP-1, pode adentrar o mercado dos genéricos e facilitar o acesso.
Em entrevista ao Correio, o coordenador-geral de Patentes do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), Sérgio Bernardo, afirma que, se o prazo legal for mantido e a exclusividade de patente encerrada, “no dia seguinte da expiração, fica liberado para que outras empresas entrem no mercado”.
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A empresa, dona do Ozempic e do Rybelsus, protocolou no Judiciário um pedido para estender o período de exclusividade alegando que houve demora do INPI na análise da patente, concedida anos após sua entrada, em 2006.
O que diz a lei e por que a disputa importa
No Brasil, a legislação determina que as patentes têm validade por 20 anos a partir da data do depósito, e não da concessão. No caso da semaglutida, o pedido foi registrado em 2006, o que encerra automaticamente o prazo em março de 2026. Bernardo enfatiza que esse cálculo é objetivo: “A lei fala em 20 anos de proteção contados do dia em que o pedido é depositado. O INPI cumpriu o prazo previsto. Ao final desses 20 anos, a exclusividade acaba”.
A queda da patente abre caminho para produtos genéricos, vendidos apenas sob o nome do princípio ativo, neste caso, a semaglutida. “Elas não vão poder se chamar Ozempic porque essa marca é da empresa, mas vão ter o nome do princípio ativo e poderão comercializá-lo normalmente, de forma legal”, destaca o coordenador de patentes do INPI.
Isso representaria maior concorrência, preços reduzidos e novas versões do medicamento para o público, que cresceu exponencialmente com a popularização do Ozempic no tratamento de diabetes tipo 2 e emagrecimento.
Por que a Novo Nordisk quer estender a patente
A farmacêutica alega que o INPI demorou para concluir a análise da patente, o que teria “consumido” parte do tempo em que deveria ter exclusividade sobre a tecnologia. A empresa, então, buscava na Justiça uma compensação, o que, na prática, aumentaria o período de proteção.
Segundo Bernardo, a tese vem sendo rejeitada pelo Judiciário. “Essa demanda, de alegar atraso na concessão e pedir responsabilidade ao instituto, não tem sido atendida. A Justiça tem entendido que não houve culpa ou intenção do INPI em retardar processos”.
A patente caiu, o que acontece agora?
A partir de março de 2026 o mercado poderá receber versões genéricas da semaglutida. O medicamento original não sai do mercado, apenas passa a conviver com concorrentes que podem ser mais acessíveis de adquirir.
Bernardo explica: “Qualquer produto genérico que compramos hoje conta essa mesma história. Expira a patente, e as demais empresas podem disponibilizar o produto. O medicamento de referência continua existindo: quem quiser comprar Ozempic, compra; quem quiser semaglutida genérica, também compra”.
O que diz o Ministério da Saúde
Em nota enviada ao Correio, o Ministério da Saúde afirmou que a entrada de medicamentos genéricos de semaglutida e liraglutida no mercado tende a ampliar a concorrência e provocar queda média de 30% nos preços, segundo estudos, fator considerado decisivo para a eventual incorporação dessas tecnologias ao Sistema Único de Saúde (SUS).
Atualmente, a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec) mantém parecer desfavorável à adoção dos medicamentos, emitido em agosto, em razão do impacto orçamentário estimado em mais de R$ 8 bilhões por ano — valor próximo ao dobro do orçamento do programa Farmácia Popular previsto para 2025.
Para estimular a concorrência, a pasta solicitou à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) a priorização do registro desses fármacos e destacou o acordo entre a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e a farmacêutica EMS para transferência de tecnologia na plataforma de peptídeos, que pode impulsionar não apenas tratamentos contra obesidade e diabetes, mas também terapias oncológicas e vacinas.
"O ministério ressaltou ainda investimentos em políticas de prevenção, como o Guia Alimentar para a População Brasileira, o Programa Academia da Saúde e o Saúde na Escola, em um contexto em que a obesidade entre adultos mais que dobrou no país nos últimos 13 anos, passando de 11,8% para 24,3%", destacam.
Novo Nordisk
Em posicionamento enviado à reportagem, a Novo Nordisk afirmou que a ação não se tratava de extensão de prazo, mas de um pedido de “recomposição do tempo em que a patente da semaglutida ficou parada no INPI”. Eles também ressaltaram que “não está pleiteando além dos 20 anos previstos em lei, e sim o efetivo direito de usufruir desses 20 anos de exclusividade”.
Segundo a farmacêutica, “a ineficiência administrativa do INPI não pode onerar os usuários do sistema de patentes”, uma vez que, no Brasil, o direito de exclusividade só nasce quando a patente é concedida. "A Novo Nordisk argumenta ainda que os 13 anos perdidos no processo de análise impactam negativamente o tempo de exclusividade, comprometem o retorno de investimentos em pesquisa e desenvolvimento e prejudicam investimentos em novas tecnologias no país”.
Ao detalhar a linha do tempo do Ozempic, a empresa conclui que “a demora do INPI não prejudica apenas as empresas, mas também a população, que deixa de receber tratamentos inovadores com a agilidade necessária”.
A semaglutida
A semaglutida ganhou projeção global e está revolucionando o tratamento de diabetes tipo 2 e obesidade. A Organização Mundial da Saúde incluiu recentemente o medicamento na lista de fármacos essenciais para pacientes com diabetes tipo 2 com comorbidades. No Brasil, a substância é autorizada pela Anvisa desde 2018, com a chegada do Ozempic.
O julgamento no STJ pode definir se a semaglutida terá concorrência já em 2026 ou se permanecerá sob exclusividade por mais tempo. Enquanto isso, o mercado, profissionais de saúde e milhões de pacientes acompanham com atenção.
Para Bernardo, o processo é legítimo e faz parte do sistema democrático: “Não há vilões ou mocinhos. O INPI segue a lei, e quem se sentir prejudicado tem o direito de recorrer. Cabe à Justiça resolver a controvérsia”.
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