Os crimes de Lázaro

Caso Lázaro: três meses após chacina, polícia ainda busca por esclarecimentos

População das regiões em que o assassino esteve ainda vive com medo de novos acontecimentos. Julgamento de fazendeiro acusado de ajudá-lo a se esconder se aproxima

Darcianne Diogo
Samara Schwingel
postado em 19/09/2021 06:00 / atualizado em 19/09/2021 08:21
 (crédito: Ed Alves/CB/D.A Press.)
(crédito: Ed Alves/CB/D.A Press.)

Passados mais de três meses do assassinato brutal da família Vidal, no Incra 9, em Ceilândia, a Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) ainda não concluiu o inquérito que investiga a chacina cometida por Lázaro Barbosa Sousa, 33 anos, criminoso que ficou conhecido em todo o país pela personalidade fria e o histórico sombrio de crimes violentos e aterrorizantes. O caso segue sob segredo de Justiça. A falta de testemunhas e de imagens das câmeras de segurança na região são fatores que dificultam a investigação. Além disso, a única pessoa que teria as respostas do crime, Lázaro, foi morta em um confronto com a polícia.

Na madrugada de 9 de junho, os empresários Cláudio Vidal de Oliveira, 48, Cleonice Marques, 43, e os filhos do casal, Gustavo Marques Vidal, 21, e Carlos Eduardo Marques Vidal, 15, foram surpreendidos em casa por Lázaro Barbosa. Com arma de fogo e uma faca, ele rendeu a família, matou o pai, os dois filhos e sequestrou Cleonice. Pela falta de elementos, a polícia não sabe dizer se o criminoso agiu ou não sozinho. “Não descartamos nenhuma hipótese”, afirmou o delegado-chefe da 24ª Delegacia de Polícia (Setor O), Raphael Seixas, que cuida do caso.

Após o desaparecimento de Cleonice, familiares e moradores montaram grupos de buscas, até que encontraram o corpo da empresária quatro dias depois do assassinato, de bruços, sem roupas e jogado em um córrego no Sol Nascente, a cerca de 8km de distância de onde ela morava. Um laudo do Instituto de Medicina Legal (IML) comprovou que a vítima teve a orelha cortada e foi estuprada.

A revolta e a dor foram indescritíveis para a família Vidal. Proprietários de uma floricultura, Cleonice, Cláudio e os filhos trabalhavam juntos para manter o negócio e e ram apaixonados pelo que faziam. Agora, os parentes tentam lidar com a saudade e buscam seguir a rotina do dia a dia. O Correio entrevistou o sobrinho de Cláudio, que hoje toma de conta da empresa (leia abaixo).

Hipóteses

Ao longo das investigações, surgiram suposições do que poderia ter motivado o assassinato da família Vidal. Entre elas, o fato de Lázaro Barbosa ter sido contratado como matador de aluguel por fazendeiros ou de pertencer a uma organização criminosa especializada em grilagem de terras. Essas hipóteses, no entanto, não são as principais linhas de investigação da polícia.

Dias antes da chacina, houve um assalto em uma chácara próxima à casa da família Vidal. O Correio apurou que o filho mais velho de Cleonice teria dito que, se fosse na residência dele, “iria reagir”. A polícia acredita que Lázaro tenha entrado no imóvel para roubar, como fez em outras ocasiões, e, ao ver que as vítimas reagiram, os esfaqueou. O mais velho foi o único que levou um tiro no peito.

Antes de cometer o triplo homicídio, Lázaro violou sexualmente outra mulher. A vítima de 39 anos, estava em casa, no Sol Nascente, com o marido e o filho quando, por volta das 2h, o criminoso invadiu o local. Ele rendeu e prendeu os homens em um quarto e roubou os celulares de todos. Depois, levou a mulher a uma área de mata fechada, onde a estuprou. A Delegacia Especial de Atendimento à Mulher 2 (Deam 2) ficou responsável pelo caso.

“Ele agiu do mesmo jeito (nos crimes). Ele estava armado e abusou da vítima com graves ameaças e violências”, disse a delegada-chefe da unidade, Adriana Romana. Segundo ela, uma das provas que a equipe tem confirma a autoria do crime. “A evidência foi confirmada no mesmo dia em que ocorreu a chacina no Incra 9”, completa.

Sem se intimidar com a mobilização dos policiais, Lázaro invadiu outra chácara um dia depois do assassinato da família Vidal. A proprietária e o caseiro ficaram reféns do criminoso por cerca de cinco horas. Em fuga para o município de Cocalzinho de Goiás, Lázaro cometeu uma série de crimes sem interrupção: baleou pessoas, inclusive um policial, roubou carro, ateou fogo em casa, trocou tiros com caseiro, etc.

Só em Goiás, há 13 inquéritos em nome de Lázaro. Nove deles foram remetidos para arquivamento, uma vez que a autoria foi identificada, mas em razão da morte do indiciado, ficam extintos a punibilidade e o arquiva-se. Um dos inquéritos indiciou a mulher atual, a ex-mulher e a ex-sogra de Lázaro por favorecimento pessoal, quando determinada pessoa assegura a fuga de um criminoso.

Em um outro IP, a polícia também indiciou o fazendeiro Elmi Caetano Evangelista, 73, e o caseiro dele, Abel Cunha, por favorecimento pessoal e posse ilegal de arma de fogo. Contra o caseiro, a Justiça considerou que não havia provas suficientes para incriminá-lo e ele foi absolvido. Já Elmi foi preso em 24 de junho, mas foi solto do presídio de Águas Lindas em 16 de julho, com o uso de tornozeleira eletrônica.

Vida que segue

Francisca Silva, comerciante, conta que a população ainda sente medo
Francisca Silva, comerciante, conta que a população ainda sente medo (foto: Ed Alves/CB/D.A Press.)

Três meses após o assassinato da família Vidal no Incra 9, em Ceilândia, os parentes das vítimas tentam seguir com a rotina do dia a dia. Aqueles que moravam no local onde ocorreu o crime, mudaram de residência. A intenção da família era vender o viveiro que pertencia a Cláudio Vidal, uma das vítimas de Lázaro. Porém, o sobrinho de Cláudio, Ricardo Alexandre Vidal, 43 anos, comprou o negócio e, agora, toma conta do local.

“Abri um mês e quinze dias depois do caso. Infelizmente, ainda estamos muito traumatizados, mas sabemos que a vida tem que seguir. Nós temos uma base de muita força espiritual e psicológica”, comenta.

Ricardo explica que era muito ligado a Cláudio e que isso pesou na decisão de não deixar o viveiro ser vendido para alguém de fora da família. “Eu tinha noção de como era a atividade deles no trabalho. Reuni alguns parentes e fiz uma proposta para me deixarem assumir os negócios e não deixar acabar a história do Cláudio e da Cleonice”, completa. Como forma de homenagear os tios, Ricardo instalou uma faixa na entrada do viveiro com a frase ‘Deus, guarde minha família’.

Segundo ele, a casa onde ocorreu o crime segue de pé, mesmo sem nenhum morador. “A decisão de derrubar ou mantê-la em pé não é minha. Estou aqui para apoiar a família no que for preciso”, conta. Em relação ao medo de que algo parecido aconteça novamente, Ricardo afirma que está preparado para se proteger.

Ele conta que a família, em geral, espera que os julgamentos e processos legais corram e tragam respostas. “Não queríamos que esse rapaz (Lázaro) tivesse sido morto, mas aconteceu. Agora, queremos que os envolvidos sejam presos e respondam legalmente”, diz. Ricardo afirma que os familiares acreditam que Lázaro teve ajuda nos crimes que cometeu. “Ele não teria condições de fazer tudo sozinho, a mata daqui é muito densa. Deve ter tido ajuda. Não vamos dar nomes e acusar porque isso é complicado, estamos na mão da Justiça”, explica.

Justiça

O advogado da família Vidal, Fábio Alves, informa que as investigações ainda estão em curso no DF. De acordo com o contato que tem com os parentes das vítimas, ele confirma que há uma cobrança pela conclusão do inquérito. “Protocolamos junto à Polícia Civil do DF um pedido para que algumas pessoas fossem ouvidas. A família acredita fielmente que há mais envolvidos e que Lázaro era apenas a ponta de algo maior”, comenta.

O advogado afirma que alguns já foram ouvidos pelo delegado responsável pelo caso. Em relação às prisões realizadas em Goiás e que teriam ligação com Lázaro, Fábio alega que os presos não têm relação com o assassinato da família Vidal. “Estão ligados com outros crimes do indivíduo”, completa.

O advogado de Elmi Caetano — fazendeiro acusado de ajudar Lázaro durante a fuga —, Abel Cunha, informa que, como a audiência de Elmi se aproxima, ele não pode dar entrevista e falar publicamente sobre o assunto. A mãe de Lázaro, Eva Maria, morava em Cocalzinho de Goiás, mas, enquanto o homem era procurado pela polícia, mudou-se para a Bahia.

O Correio tentou contato com ela, mas não obteve respostas. A tia de Lázaro Amélia Maria de Sousa, 48, comenta que mantém contato com Eva. “Não estamos bem, mas estamos seguindo com a vida. Estamos arrasadas sem saber o que aconteceu com ele e o motivo de ele ter feito tudo o que fez. Ele era a única pessoa que podia responder isso e foi morto”, diz Amélia, que ainda mora em Águas Lindas de Goiás.

Volta ao normal

As cidades goianas por onde Lázaro passou durante a fuga de 20 dias carregam marcas do caso. Em Edilândia, apesar de a movimentação ter voltado ao normal, os moradores ainda comentam sobre a passagem do fugitivo no local. Francisca Silva, 55 anos, é dona de um restaurante local e mora próxima ao posto de gasolina onde as forças de segurança estabeleceram a primeira base de operações.

Segundo ela, o medo momentâneo passou, mas há uma desconfiança de que algo parecido volte a acontecer. “Sempre que chega alguém novo na cidade, nós ficamos de olho até conhecermos a pessoa melhor. Para sabermos se é pessoa boa, de onde vem, essas coisas. Vai que é um novo Lázaro”, afirma.

Francisca conta que conhece a família que foi feita refém pelo fugitivo. “Eles estão com muito medo e querem sair da cidade. Mesmo assim, já voltaram a circular por aqui”, completa. Ana Paula Souza, 24, é moradora de Girassol e lembra que tinha medo de Lázaro invadir a casa ou chácara de algum conhecido. “Depois que ele foi capturado, aos poucos, as pessoas perderam o medo de sair de casa e voltaram a circular normalmente na cidade”, diz.

Para ela, o retorno da rotina não faz com que o caso seja esquecido. “Algumas pessoas passam pela cidade e param na escola que abrigou os policiais durante as buscas para tirar foto. Ouvimos comentários e especulações sobre o que teria motivado o Lázaro a cometer os crimes”, afirma. Além disso, Ana Paula e os moradores da região torcem para que não haja um caso parecido tão cedo. “A cidade é calma e gostamos disso”, finaliza.

Morador da casa supostamente invadida por Lázaro no 13º dia de buscas
Morador da casa supostamente invadida por Lázaro no 13º dia de buscas (foto: Minervino Junior/CB/D.A Press - 20/6/21)

LINHA DO TEMPO

9/6 - O pai, Cláudio Vidal, 48 anos, e os filhos, Carlos Eduardo Marques Vidal, 21, e Gustavo Marques Vidal, 15, são encontrados mortos em casa pelo cunhado da vítima. A mãe, Cleonice Marques, 43 anos, é levada.

10/6 - As forças de segurança (bombeiros, polícia militar, polícia rodoviária e polícia civil) do DF entram no segundo dia de buscas por Cleonice Marques, com apoio de viaturas e cães farejadores. Lázaro invade uma chácara, também na região do Incra 9. Ele mantém Sílvia Campos, 40, proprietária do local, sob a mira de um revólver por mais de três horas.

12/6 - Corpo de Cleonice Marques é encontrado por vizinhos que ajudavam nas buscas no Córrego das Corujas, no Sol Nascente. Lázaro invade uma residência em Cocalzinho de Goiás, baleia três pessoas, rouba duas armas de fogo, munições e troca tiros com a polícia.

14/6 - Lázaro troca tiros com um caseiro de chácara localizada em Edilândia (GO). Aos policiais, a vítima disse que o fugitivo ficou ferido.

15/6 - Fugitivo entra em outra chácara em Edilândia. Nela, faz três novos reféns, a filha adolescente do casal enviou uma mensagem a um policial pedindo socorro ao ouvir um barulho estranho na casa. "Socorro, o assassino Lázaro está aqui em casa".

16/6 - A base da força-tarefa é transferida do povoado de Edilândia para o distrito vizinho de Girassol, que fica logo depois de Águas Lindas de Goiás.

17/6 - A polícia troca tiros com Lázaro. Secretário de Segurança Pública do Estado de Goiás (SSP-GO), Rodney Rocha Miranda, diz que Lázaro Barbosa pode estar ferido.

19/6: Religiões de matriz africana denunciam intolerância e preconceito durante as buscas por Lázaro. Lideranças religiosas dizem que ao menos 10 terreiros receberam ações policiais truculentas nas regiões goianas de Águas Lindas, Girassol e Edilândia desde que a perseguição pelo criminoso teve início. Um jovem de 23 anos foi preso ao se apresentar como policial federal para participar das buscas por Lázaro. A prisão ocorreu após ele abordar equipes da força-tarefa na BR-070, próximo ao Rio Pichuá, na região de Cocalzinho (GO), alegando estar atrasado para encontrar os colegas federais que estariam um pouco mais à frente.

20/6: Buscas completam 12 dias. Um morador da região relatou aos agentes que a casa dele foi arrombada e encontrou tudo revirado, porém, sem confirmação de que Lázaro Barbosa seria o autor desse crime. A propriedade fica às margens da BR-070, logo na entrada de Cocalzinho (GO), e teria sido arrombada na tarde de sábado. Policiais militares de Goiás vasculharam a área de cerca de 200 metros quadrados em busca de pistas na mata e às margens da BR-070, que corta a cidade. Até agora, nada foi encontrado.

21/6: O disque-denúncia da Polícia Civil de Goiás recebeu mais de 1 mil ligações em 24 horas sobre denúncias relacionadas a Lázaro Barbosa de Sousa. No entanto, a maioria era trote ou declarações sem relevância para a investigação. O Exército Brasileiro enviou à megaoperação 40 rádios-comunicadores, para ajudar nas buscas.

22/6: As buscas por Lázaro Barbosa de Sousa encerraram o 14º dia com novas pistas que podem ter relação com o foragido. Pela manhã, as equipes da força-tarefa encontraram um carro abandonado, incendiado próximo à Gruta dos Ecos — na saída do distrito de Girassol, sentido Cocalzinho (GO). No fim do dia, peritos da Polícia Civil de Goiás (PCGO) recolheram um lençol sujo de terra e um serrote de, aproximadamente, um metro de comprimento. Os dois itens estavam em uma mata na expansão de Águas Lindas, a cerca de 4km do município goiano. No fim da noite, um tiroteio entre um caseiro e o invasor de uma chácara levou as equipes novamente a Girassol.

23/6: O 15º dia da operação para capturar Lázaro Barbosa levou as equipes de segurança a uma chácara em Girassol, distrito de Cocalzinho (GO). Por volta das 18h30, policiais militares fizeram buscas em uma propriedade a 5km da base da força-tarefa, na Escola Municipal Alto da Boa Vista. As equipes chegaram às pressas ao endereço, em uma mata de difícil acesso. No momento, não havia detalhes sobre o motivo da ação. Pela manhã, peritos recolheram vestígios na chácara onde um caseiro trocou tiros com um suposto invasor, por volta das 20h40 de terça-feira.

24/6: Policiais da força-tarefa prendem dois homens suspeitos de ajudar Lázaro a fugir após o assassinato da família Marques Vidal, em Ceilândia Norte. As equipes encontram a dupla em uma região de chácaras, no distrito de Girassol, em Cocalzinho (GO). Eles foram identificados como Elmi Caetano Evangelista e Alain Reis de Santana — um fazendeiro e um caseiro, respectivamente. Elmi teria desobedecido uma ordem de parada, após uma abordagem. Após a perseguição, policiais penais da Diretoria de Operações Penitenciárias (Dpoe) do Distrito Federal conseguiram pará-lo. Além de ajudar Lázaro a fugir das forças policiais, eles teriam escondido o criminoso em uma casa.

25/6: No dia seguinte à prisão de dois homens suspeitos de ajudar na fuga de Lázaro, a dupla prestou depoimento na Justiça de Goiás. O fazendeiro Elmi Caetano Evangelista, 74 anos, e o caseiro Alain Reis de Santana, 33, que trabalhava com ele, foram ouvidos durante audiência de custódia. O mais novo foi liberado; o outro, preso e levado para a Unidade Prisional de Águas Lindas (GO). Por volta das 19h20, a Secretaria de Segurança Pública de Goiás (SSP-GO) divulgou nota à imprensa informando que as equipes da força-tarefa seguiam na tentativa de capturar o criminoso.

26/6: Polícia divulga que o fugitivo utilizou um celular roubado para criar um perfil falso em rede social. Lázaro criou uma conta no Instagram com nome e foto genéricos e passou a utilizar a rede pelo aparelho, possivelmente para acompanhar notícias sobre a própria busca. O smartphone havia sido roubado em 15 de junho, quando ele invadiu uma chácara em Edilândia (GO) e manteve três pessoas da mesma família como reféns. O setor de inteligência da polícia passou a monitorar dados de utilização do telefone, e verificou a conta fake.

27/6: A busca por Lázaro Barbosa completa 20 dias. São aproximadamente 480 horas com uma força-tarefa de mais de 200 policiais. Uma barreira na BR-070, em Girassol sentido Edilândia, continua a postos parando todos os carros. A Polícia Rodoviária Federal (PRF) pede para os motoristas abrirem os porta-malas e verifica se há algum vestígio do criminoso. Helicópteros patrulham áreas da mata da redondeza. Viaturas, com apoio de cães, realizam buscas em locais onde surgem denúncias de suspeitas de aparições do criminoso.

28/6: Lázaro morre após ser baleado em confronto com a polícia em Goiás. Ele foi ferido durante confronto e chegou a ser levado ao Hospital Municipal Bom Jesus, mas não resistiu aos ferimentos.

 

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  • Pessoas vão à escola para tirar foto de local que abrigou os policiais durante buscas
    Pessoas vão à escola para tirar foto de local que abrigou os policiais durante buscas Foto: Ed Alves/CB/D.A Press.
  • Morador da casa supostamente invadida por Lázaro no 13º dia de buscas
    Morador da casa supostamente invadida por Lázaro no 13º dia de buscas Foto: Minervino Junior/CB/D.A Press - 20/6/21
  • Francisca Silva, comerciante, conta que a população ainda sente medo
    Francisca Silva, comerciante, conta que a população ainda sente medo Foto: Ed Alves/CB/D.A Press.

Vida que segue

 (crédito: Ed Alves/CB/D.A Press.)
crédito: Ed Alves/CB/D.A Press.

Três meses após o assassinato da família Vidal no Incra 9, em Ceilândia, os parentes das vítimas tentam seguir com a rotina do dia a dia. Aqueles que moravam no local onde ocorreu o crime, mudaram de residência. A intenção da família era vender o viveiro que pertencia a Cláudio Vidal, uma das vítimas de Lázaro. Porém, o sobrinho de Cláudio, Ricardo Alexandre Vidal, 43 anos, comprou o negócio e, agora, toma conta do local. “Abri um mês e quinze dias depois do caso. Infelizmente, ainda estamos muito traumatizados, mas sabemos que a vida tem que seguir. Nós temos uma base de muita força espiritual e psicológica”, comenta.

Ricardo explica que era muito ligado a Cláudio e que isso pesou na decisão de não deixar o viveiro ser vendido para alguém de fora da família. “Eu tinha noção de como era a atividade deles no trabalho. Reuni alguns parentes e fiz uma proposta para me deixarem assumir os negócios e não deixar acabar a história do Cláudio e da Cleonice”, completa. Como forma de homenagear os tios, Ricardo instalou uma faixa na entrada do viveiro com a frase ‘Deus, guarde minha família’. Segundo ele, a casa onde ocorreu o crime segue de pé, mesmo sem nenhum morador. “A decisão de derrubar ou mantê-la em pé não é minha. Estou aqui para apoiar a família no que for preciso”, conta. Em relação ao medo de que algo parecido aconteça novamente, Ricardo afirma que está preparado para se proteger.

Ele conta que a família, em geral, espera que os julgamentos e processos legais corram e tragam respostas. “Não queríamos que esse rapaz (Lázaro) tivesse sido morto, mas aconteceu. Agora, queremos que os envolvidos sejam presos e respondam legalmente”, diz. Ricardo afirma que os familiares acreditam que Lázaro teve ajuda nos crimes que cometeu. “Ele não teria condições de fazer tudo sozinho, a mata daqui é muito densa. Deve ter tido ajuda. Não vamos dar nomes e acusar porque isso é complicado, estamos na mão da Justiça”, explica.

Justiça

O advogado da família Vidal, Fábio Alves, informa que as investigações ainda estão em curso no DF. De acordo com o contato que tem com os parentes das vítimas, ele confirma que há uma cobrança pela conclusão do inquérito. “Protocolamos junto à Polícia Civil do DF um pedido para que algumas pessoas fossem ouvidas. A família acredita fielmente que há mais envolvidos e que Lázaro era apenas a ponta de algo maior”, comenta. O advogado afirma que alguns já foram ouvidos pelo delegado responsável pelo caso. Em relação às prisões realizadas em Goiás e que teriam ligação com Lázaro, Fábio alega que os presos não têm relação com o assassinato da família Vidal. “Estão ligados com outros crimes do indivíduo”, completa.

O advogado de Elmi Caetano — fazendeiro acusado de ajudar Lázaro durante a fuga —, Abel Cunha, informa que, como a audiência de Elmi se aproxima, ele não pode dar entrevista e falar publicamente sobre o assunto. A mãe de Lázaro, Eva Maria, morava em Cocalzinho de Goiás, mas, enquanto o homem era procurado pela polícia, mudou-se para a Bahia. O Correio tentou contato com ela, mas não obteve respostas. A tia de Lázaro Amélia Maria de Sousa, 48, comenta que mantém contato com Eva. “Não estamos bem, mas estamos seguindo com a vida. Estamos arrasadas sem saber o que aconteceu com ele e o motivo de ele ter feito tudo o que fez. Ele era a única pessoa que podia responder isso e foi morto”, diz Amélia, que ainda mora em Águas Lindas de Goiás.

Volta ao normal

As cidades goianas por onde Lázaro passou durante a fuga de 20 dias carregam marcas do caso. Em Edilândia, apesar de a movimentação ter voltado ao normal, os moradores ainda comentam sobre a passagem do fugitivo no local. Francisca Silva, 55 anos, é dona de um restaurante local e mora próxima ao posto de gasolina onde as forças de segurança estabeleceram a primeira base de operações. Segundo ela, o medo momentâneo passou, mas há uma desconfiança de que algo parecido volte a acontecer. “Sempre que chega alguém novo na cidade, nós ficamos de olho até conhecermos a pessoa melhor. Para sabermos se é pessoa boa, de onde vem, essas coisas. Vai que é um novo Lázaro”, afirma.
Francisca conta que conhece a família que foi feita refém pelo fugitivo. “Eles estão com muito medo e querem sair da cidade. Mesmo assim, já voltaram a circular por aqui”, completa. Ana Paula Souza, 24, é moradora de Girassol e lembra que tinha medo de Lázaro invadir a casa ou chácara de algum conhecido. “Depois que ele foi capturado, aos poucos, as pessoas perderam o medo de sair de casa e voltaram a circular normalmente na cidade”, diz. Para ela, o retorno da rotina não faz com que o caso seja esquecido. “Algumas pessoas passam pela cidade e param na escola que abrigou os policiais durante as buscas para tirar foto. Ouvimos comentários e especulações sobre o que teria motivado o Lázaro a cometer os crimes”, afirma. Além disso, Ana Paula e os moradores da região torcem para que não haja um caso parecido tão cedo. “A cidade é calma e gostamos disso”, finaliza.


LINHA DO TEMPO

 (crédito: Minervino Junior/CB/D.A Press - 20/6/21)
crédito: Minervino Junior/CB/D.A Press - 20/6/21

9/6 - O pai, Cláudio Vidal, 48 anos, e os filhos, Carlos Eduardo Marques Vidal, 21, e Gustavo Marques Vidal, 15, são encontrados mortos em casa pelo cunhado da vítima. A mãe, Cleonice Marques, 43 anos, é levada.

10/6 - As forças de segurança (bombeiros, polícia militar, polícia rodoviária e polícia civil) do DF entram no segundo dia de buscas por Cleonice Marques, com apoio de viaturas e cães farejadores. Lázaro invade uma chácara, também na região do Incra 9. Ele mantém Sílvia Campos, 40, proprietária do local, sob a mira de um revólver por mais de três horas.

12/6 - Corpo de Cleonice Marques é encontrado por vizinhos que ajudavam nas buscas no Córrego das Corujas, no Sol Nascente. Lázaro invade uma residência em Cocalzinho de Goiás, baleia três pessoas, rouba duas armas de fogo, munições e troca tiros com a polícia.

14/6 - Lázaro troca tiros com um caseiro de chácara localizada em Edilândia (GO). Aos policiais, a vítima disse que o fugitivo ficou ferido.

15/6 - Fugitivo entra em outra chácara em Edilândia. Nela, faz três novos reféns, a filha adolescente do casal enviou uma mensagem a um policial pedindo socorro ao ouvir um barulho estranho na casa. "Socorro, o assassino Lázaro está aqui em casa".

16/6 - A base da força-tarefa é transferida do povoado de Edilândia para o distrito vizinho de Girassol, que fica logo depois de Águas Lindas de Goiás.

17/6 - A polícia troca tiros com Lázaro. Secretário de Segurança Pública do Estado de Goiás (SSP-GO), Rodney Rocha Miranda, diz que Lázaro Barbosa pode estar ferido.

19/6: Religiões de matriz africana denunciam intolerância e preconceito durante as buscas por Lázaro. Lideranças religiosas dizem que ao menos 10 terreiros receberam ações policiais truculentas nas regiões goianas de Águas Lindas, Girassol e Edilândia desde que a perseguição pelo criminoso teve início. Um jovem de 23 anos foi preso ao se apresentar como policial federal para participar das buscas por Lázaro. A prisão ocorreu após ele abordar equipes da força-tarefa na BR-070, próximo ao Rio Pichuá, na região de Cocalzinho (GO), alegando estar atrasado para encontrar os colegas federais que estariam um pouco mais à frente.

20/6: Buscas completam 12 dias. Um morador da região relatou aos agentes que a casa dele foi arrombada e encontrou tudo revirado, porém, sem confirmação de que Lázaro Barbosa seria o autor desse crime. A propriedade fica às margens da BR-070, logo na entrada de Cocalzinho (GO), e teria sido arrombada na tarde de sábado. Policiais militares de Goiás vasculharam a área de cerca de 200 metros quadrados em busca de pistas na mata e às margens da BR-070, que corta a cidade. Até agora, nada foi encontrado.

21/6: O disque-denúncia da Polícia Civil de Goiás recebeu mais de 1 mil ligações em 24 horas sobre denúncias relacionadas a Lázaro Barbosa de Sousa. No entanto, a maioria era trote ou declarações sem relevância para a investigação. O Exército Brasileiro enviou à megaoperação 40 rádios-comunicadores, para ajudar nas buscas.

22/6: As buscas por Lázaro Barbosa de Sousa encerraram o 14º dia com novas pistas que podem ter relação com o foragido. Pela manhã, as equipes da força-tarefa encontraram um carro abandonado, incendiado próximo à Gruta dos Ecos — na saída do distrito de Girassol, sentido Cocalzinho (GO). No fim do dia, peritos da Polícia Civil de Goiás (PCGO) recolheram um lençol sujo de terra e um serrote de, aproximadamente, um metro de comprimento. Os dois itens estavam em uma mata na expansão de Águas Lindas, a cerca de 4km do município goiano. No fim da noite, um tiroteio entre um caseiro e o invasor de uma chácara levou as equipes novamente a Girassol.

23/6: O 15º dia da operação para capturar Lázaro Barbosa levou as equipes de segurança a uma chácara em Girassol, distrito de Cocalzinho (GO). Por volta das 18h30, policiais militares fizeram buscas em uma propriedade a 5km da base da força-tarefa, na Escola Municipal Alto da Boa Vista. As equipes chegaram às pressas ao endereço, em uma mata de difícil acesso. No momento, não havia detalhes sobre o motivo da ação. Pela manhã, peritos recolheram vestígios na chácara onde um caseiro trocou tiros com um suposto invasor, por volta das 20h40 de terça-feira.

24/6: Policiais da força-tarefa prendem dois homens suspeitos de ajudar Lázaro a fugir após o assassinato da família Marques Vidal, em Ceilândia Norte. As equipes encontram a dupla em uma região de chácaras, no distrito de Girassol, em Cocalzinho (GO). Eles foram identificados como Elmi Caetano Evangelista e Alain Reis de Santana — um fazendeiro e um caseiro, respectivamente. Elmi teria desobedecido uma ordem de parada, após uma abordagem. Após a perseguição, policiais penais da Diretoria de Operações Penitenciárias (Dpoe) do Distrito Federal conseguiram pará-lo. Além de ajudar Lázaro a fugir das forças policiais, eles teriam escondido o criminoso em uma casa.

25/6: No dia seguinte à prisão de dois homens suspeitos de ajudar na fuga de Lázaro, a dupla prestou depoimento na Justiça de Goiás. O fazendeiro Elmi Caetano Evangelista, 74 anos, e o caseiro Alain Reis de Santana, 33, que trabalhava com ele, foram ouvidos durante audiência de custódia. O mais novo foi liberado; o outro, preso e levado para a Unidade Prisional de Águas Lindas (GO). Por volta das 19h20, a Secretaria de Segurança Pública de Goiás (SSP-GO) divulgou nota à imprensa informando que as equipes da força-tarefa seguiam na tentativa de capturar o criminoso.

26/6: Polícia divulga que o fugitivo utilizou um celular roubado para criar um perfil falso em rede social. Lázaro criou uma conta no Instagram com nome e foto genéricos e passou a utilizar a rede pelo aparelho, possivelmente para acompanhar notícias sobre a própria busca. O smartphone havia sido roubado em 15 de junho, quando ele invadiu uma chácara em Edilândia (GO) e manteve três pessoas da mesma família como reféns. O setor de inteligência da polícia passou a monitorar dados de utilização do telefone, e verificou a conta fake.

27/6: A busca por Lázaro Barbosa completa 20 dias. São aproximadamente 480 horas com uma força-tarefa de mais de 200 policiais. Uma barreira na BR-070, em Girassol sentido Edilândia, continua a postos parando todos os carros. A Polícia Rodoviária Federal (PRF) pede para os motoristas abrirem os porta-malas e verifica se há algum vestígio do criminoso. Helicópteros patrulham áreas da mata da redondeza. Viaturas, com apoio de cães, realizam buscas em locais onde surgem denúncias de suspeitas de aparições do criminoso.

28/6: Lázaro morre após ser baleado em confronto com a polícia em Goiás. Ele foi ferido durante confronto e chegou a ser levado ao Hospital Municipal Bom Jesus, mas não resistiu aos ferimentos.


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