VIOLÊNCIA

Em menos de três meses, Batalhão Escolar atendeu 108 ocorrências em colégios do DF

Em São Sebastião, uma jovem de 14 anos foi internada após levar cinco facadas de um colega, nessa quarta-feira (23/3). Sequência de casos recentes acendeu alerta do poder público

Pedro Marra
Carlos Silva*
Arthur de Souza
postado em 24/03/2022 06:00 / atualizado em 24/03/2022 14:02
Adolescente foi esfaqueada por um estudante de 15 anos, em uma das salas de aula do Centro de Ensino Fundamental (CEF) do Bosque -  (crédito: Carlos Vieira/CB/D.A Press)
Adolescente foi esfaqueada por um estudante de 15 anos, em uma das salas de aula do Centro de Ensino Fundamental (CEF) do Bosque - (crédito: Carlos Vieira/CB/D.A Press)

Em cinco dias, ao menos quatro estudantes da educação básica foram alvos de violência em escolas públicas do Distrito Federal. Na semana passada, um adolescente foi esfaqueado no Centro de Ensino Médio 3 de Ceilândia. No caso mais recente, uma jovem de 14 anos levou quatro facadas nas costas e uma no braço, na sala de aula do Centro de Ensino Fundamental (CEF) do Bosque, em São Sebastião. A agressão ocorreu nessa quarta-feira (23/3) e partiu de um colega da vítima, um aluno de 15 anos que estudava no colégio desde fevereiro e será transferido em breve, segundo a Secretaria de Educação (SEDF). Devido à gravidade das ocorrências, a pasta anunciou um programa emergencial para combater o problema (leia Medidas em análise).

Quem acompanhou de perto o caso de São Sebastião conta que viveu momentos de pânico. Uma jovem de 14 anos — cujo nome não será divulgado por motivo de segurança — estava na sala ao lado de onde ocorreu o ataque. A estudante confessa que sentiu medo durante a confusão e considerou o ocorrido uma "tragédia". "Ele (o adolescente) estava com a faca na mochila e chegou na sala (ao lado) falando assim: 'Será que essa faca mata todo mundo?'. Então, um monte de meninas foi para a janela (da sala em que estava a jovem) ver a cena", detalha.

O Corpo de Bombeiros e a Polícia Militar enviaram equipes ao colégio pouco depois. Nesse momento, a adolescente ligou para a família. "Peguei o celular de uma amiga e falei com minha mãe enquanto eu tentava sair da sala", descreve. Depois de conversar com a filha, Jocélia de Souza, 52, pediu a um amigo que trabalha como motorista de aplicativo buscar a jovem na escola. "Mandei alguém para pegá-la de imediato, porque não tinha condições de ela ficar no lugar onde ocorreu (a violência)", contou a pastora.

Pai de um aluno do 7º ano do CEF do Bosque, o locutor Uriel Martinez, 45, relata que restou o sentimento de preocupação após o caso. "(Responsáveis pelo colégio) me falaram que ele (o adolescente) não é daqui (de São Sebastião). Ele tinha acabado de chegar de uma escola de Samambaia e não tinha qualquer adaptação com os alunos da nova turma. Eu me sinto inseguro porque pode ser outro garoto depois, e essas brigas podem acabar sobrando para quem não tem nada a ver", desabafa Uriel, que considera necessário haver amparo psicológico aos estudantes que ficaram traumatizados com a situação.

Acompanhamento

A vítima da ação, que não teve o nome divulgado, passou por cirurgia na noite de quarta-feira (23/3), no Hospital da Região Leste, e a Delegacia da Criança e do Adolescente (DCA) 1 apura o caso. Levantamento da Polícia Militar mostra que, só em 2022, o Batalhão Escolar da corporação atendeu 108 ocorrências de crimes ou atos infracionais análogos a delitos praticados em colégios públicos do Distrito Federal (leia Registros). A PMDF informou não ter dados de 2021, pelo fato de as aulas presenciais terem ocorrido com cronograma especial.

A corporação destacou que policiais do grupo monitoram as escolas tanto a pé, nas proximidades dos colégios, quanto em veículos, com fiscalização "regular, diária e contínua". Além disso, retomou recentemente o emprego de motocicletas para essa função. A distribuição do efetivo ocorre de acordo com as necessidades de cada região administrativa, com desenvolvimento de "roteiros diários de patrulhamento escolar nas instituições de ensino públicas e privadas" e rodízio das equipes.

Em nota, a Promotoria de Justiça de Defesa da Educação (Proeduc), do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), comunicou que acompanha os casos recentes e que os integrantes da instituição analisam "as medidas cabíveis".

Gilvan Ferreira diz que violência é recorrente em colégio da área
Gilvan Ferreira diz que violência é recorrente em colégio da área (foto: Carlos Silva/CB/D.A Press)

Medidas em análise

A violência em São Sebastião não ficou restrita ao Centro de Ensino Fundamental do Bosque. No Centro Educacional (CED) São Francisco, uma estudante foi ameaçada com uma arma de fogo apontada para a cabeça, durante uma discussão com outra jovem. A confusão ocorreu na terça-feira (22/3), em frente ao colégio. Por meio de vídeo que circulou nas mídias sociais, a Polícia Militar conseguiu identificar a acusada, mas não divulgou a identidade dela. A corporação informou apenas tratar-se de uma adulta com registros de antecedentes criminais.

Dono de um estabelecimento comercial próximo ao CED São Francisco, Gilvan Ferreira Lima, 48 anos, soube da confusão e disse que situações como essa são recorrentes na área. "Na hora do tumulto, fiquei atrás da vitrine e acabei escutando. Acho um absurdo isso acontecer em frente ao colégio. Deveria ter mais policiamento, para inibir esse tipo de ação", reclama.

Valdir Neres, 51, mora há três meses em frente à escola e comenta que presenciou dois casos de violência na instituição de ensino. O mais recente foi uma briga entre alunos. "A segurança é precária. A polícia aparece de vez em quando, em casos pontuais, e some. Só um guarda de cassetete não é suficiente. Poderia ter revistas diárias nos portões, para evitar que alguém entre armado, por exemplo", sugere o mototaxista.

Valdir presenciou briga entre alunos do CED São Francisco
Valdir presenciou briga entre alunos do CED São Francisco (foto: Carlos Silva/CB/D.A Press)

Nessa quarta-feira (23/3), a secretária de Educação, Hélvia Paranaguá, teve uma reunião extraordinária com os 14 coordenadores regionais de ensino da rede pública do DF, para tratar dos casos de violência nas escolas. No encontro a portas fechadas, os gestores discutiram a adoção de medidas para um plano emergencial, montado com outras pastas. "Além da Segurança (Pública), traremos a Saúde e a Juventude para discutirmos um plano comum e darmos a resposta que a sociedade precisa: segurança e cultura de paz nas escolas", frisa.

Hélvia acrescentou que teve uma conversa com o secretário de Segurança Pública, Júlio Danilo. O chefe da pasta disse que analisará as escolas com mais casos de violência e reforçará as rondas em áreas próximas aos colégios. Em relação ao adolescente de 17 anos esfaqueado na sexta-feira, no Centro de Ensino nº 3 de Ceilândia, a gestora informou que o jovem está na UTI. "Ele foi transferido para o Hospital Regional de Santa Maria. Nossa torcida é para que ele se recupere logo", completa.

Registros

Ocorrências atendidas pelo Batalhão Escolar da Polícia Militar do Distrito Federal em 2022

» Vias de fato (28)
» Uso e porte de substância entorpecente (26)
» Ameaça (21)
» Roubo a pedestre (10)
» Lesão corporal (3)
» Desacato (2)
» Injúria (2)
» Abordagem a pessoa (2)
» Abuso de incapaz (2)
» Dano (2)
» Perturbação da tranquilidade (2)
» Tentativa de roubo (2)
» Roubo de veículo (1)
» Som alto (1)
» Tentativa de suicídio (1)
» Tráfico de substância entorpecente (1)
» Ato obsceno (1)
» Assédio sexual (1)

Total: 108

Palavra de especialista

Incentivo à agressividade

Diante de um contexto de extrema agressividade, com acesso facilitado a armas e o estímulo à conflitualidade e à intolerância, ataques em escolas, brigas entre estudantes, agressões contra professores e massacres acabam potencializados por um flagrante incentivo à agressividade e por situações de restrição ou intensificação dos controles sociais sobre corpos. E não podemos esquecer que as condições de ensino nem sempre são as mais adequadas. Escolas estão sucateadas; salas, abarrotadas; professores lidam com o limite do real na profissão... Esses e outros fatores propiciam que estudantes usem o espaço das escolas para extravasar, também, as violências que suportam em outros espaços, como em casa, na rua, na comunidade e na própria escola.

Welliton Caixeta Maciel, pesquisador do Núcleo de Estudos sobre Violência e Segurança (Nevis) e professor de antropologia do direito na Universidade de Brasília (UnB)

Memória

8 de março de 2022

Um ônibus escolar com 45 estudantes sofreu um arrastão, em São Sebastião. Os celulares dos alunos e do motorista foram roubados, além da chave do veículo. Os criminosos fugiram para uma mata próxima, e as vítimas tiveram de buscar outros meios de voltar para casa.

25 de fevereiro de 2022

Uma menina de 11 anos foi agredida por uma mulher, em Ceilândia. Após uma briga entre a vítima e a filha da agressora em uma escola, a mãe de uma delas procurou a outra estudante. Ao encontrá-la, desceu do carro e deu tapas, além de puxões de cabelo, na criança.

22 de setembro de 2021

Um jovem de 16 anos foi assassinado depois de sair da escola, a 1km do Centro Educacional 11 de Ceilândia. O estudante encontraria o pai após sair do colégio, quando foi vítima de latrocínio — roubo seguido de morte.

30 de abril de 2019

O professor Júlio César Barroso de Souza, 41, foi assassinado por um aluno de 17 anos, no Colégio
Estadual Céu Azul, em Valparaíso (GO). O acusado de cometer o ato infracional análogo a homicídio, um adolescente de 17 anos, disparou três vezes contra a vítima.

Colaborou Paulo Martins*

*Estagiários sob a supervisão de Jéssica Eufrásio

 

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