Regulamentação

Motoristas e entregadores de aplicativos querem novas regras de trabalho

Pesquisa da UnB aponta que entregadores e motoristas de aplicativos do DF e do Entorno não querem ter patrões, preferindo trabalhar por conta própria, com autonomia para definir os horários

Luan Firmino trabalha cerca de oito horas por dia pelas plataformas digitais, inclusive aos finais de semana -  (crédito: Letícia Mouhamad/CB/D.A Press)
Luan Firmino trabalha cerca de oito horas por dia pelas plataformas digitais, inclusive aos finais de semana - (crédito: Letícia Mouhamad/CB/D.A Press)
postado em 17/10/2023 06:00 / atualizado em 17/10/2023 07:26

Não é novidade que as relações de trabalho acompanharam os avanços tecnológicos e se modificaram consideravelmente. Porém, em muitos casos, a garantia dos direitos trabalhistas ficou estagnada, resultando em condições precarizadas e desvalorizadas. Esse foi o plano de fundo da pesquisa "Para onde vai o trabalho humano na era digital?", produzida pelo grupo de pesquisa Mundo do Trabalho e Teoria Social, da Universidade de Brasília (UnB).

O estudo começou em 2020 e ouviu entregadores e motoristas de aplicativos do DF e do Entorno. O objetivo foi compreender as percepções desse grupo em relação ao debate sobre a regulação do trabalho em plataformas digitais. Os resultados revelaram contradições entre o desejo de ter direitos trabalhistas, ao mesmo tempo que se rejeita o contrato de trabalho e se valoriza a autonomia e a flexibilidade.

Nas atuais condições, os trabalhadores preferem atuar, em média, 16 horas por dia, para obter uma renda líquida que não teriam como celetistas — aqueles com direitos determinados pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Segundo Ricardo Festi, professor de sociologia da UnB e um dos pesquisadores, apesar da ótima recepção dos entrevistados, ficando evidente a vontade de contar suas histórias, a natureza da atividade dificultou entrevistas de longa duração.

"Esse é um dos desafios: escutar uma categoria que necessita contar a sua realidade, mas que não tem tempo a perder, pois está totalmente submetida aos mandos do algoritmo", explicou o especialista. A etapa da entrevista em profundidade teve início recentemente e visa compreender as dimensões mais políticas, subjetivas e de trajetória de vida desses profissionais.

Necessidades dos entrevistados

57,49% — adicional de periculosidade

55,06% — auxílio-doença e auxílio-acidente

45,75% — auxílio alimentação

16,19% — necessidade de contrato de trabalho

12,55% — limite da jornada diária e semanal de trabalho

Perfil

Para Ricardo Festi, evidenciou-se, até o momento, que o perfil dos trabalhadores contempla homens e mulheres, majoritariamente negros e negras, que vivenciaram a informalidade ou empregos com contratos de trabalho precários.

"Há uma associação entre subordinação a um patrão à ideia de baixo salário, assédio moral, discriminação e precariedade. Eles têm consciência das péssimas condições de trabalho nas plataformas digitais. Então, demandam a garantia de direitos, ao mesmo tempo que desejam manter o que entendem por liberdade, isto é, não ter um superior diretamente vinculado e nem uma jornada diária ou semanal limitando-os", completou o pesquisador.

As consequências da "uberização" são as altas jornadas de trabalho, os baixos rendimentos, os altos riscos, que incluem assaltos, acidentes e conflitos; o adoecimento mental, os conflitos familiares, entre outros. Ronaldo Tolentino, advogado trabalhista, lembra que, atualmente, não há norma trabalhista que ampare essa categoria e que a conquista de direitos passa necessariamente por uma questão legislativa, não judiciária.

Além da regulação da categoria, a pesquisa aponta que é preciso que haja a normalização da atividade econômica, na qual as empresas paguem os direitos trabalhistas, como previdência social e seguro-saúde, e os impostos sobre sua atuação comercial. Do contrário, segundo o estudo, haverá um aumento da desigualdade social e o avanço da precarização do trabalho.

Reinaldo Tavares, 49, trabalha como motorista de aplicativo há mais de cinco anos, cumprindo cerca de 60 horas semanais. A oportunidade de atuar por conta própria, sem patrão e com flexibilidade de horários o motivaram a ingressar na profissão. "É uma jornada puxada, exige determinação, mas gosto do que faço, dirigir e lidar com o público", comentou.

Flexibilidade

Questionado sobre as melhorias que almeja no trabalho, o profissional citou o aumento dos ganhos por hora — hoje, em torno dos R$ 35 —, em vista dos gastos excessivos com combustível e manutenção do veículo. Tornar-se celetista, porém, não é uma opção. "Queremos ser donos do nosso próprio negócio, fazer o nosso tempo e ganhar um dinheiro melhor do que ganharíamos se fôssemos fichados", ressaltou.

Para o futuro, Reinaldo considera trabalhar em mais um emprego, para não depender totalmente das plataformas digitais. O motorista de app relatou se sentir desgastado pela profissão. "Apesar de rejeitarmos um regime CLT, sonhamos com benefícios, como a regulação de direitos, visto que somos reféns dos aplicativos", desabafou.

Em concordância, o entregador Luan Firmino, 35, pontua que, além da desvalorização, com baixa remuneração, longas jornadas e alta competitividade, trata-se de uma profissão arriscada, na qual fica à mercê de assaltos e acidentes de trânsito. "A gente se sujeita a isso porque precisa. Tem que trabalhar muito para conquistar um salário razoável", revelou.

O motoboy, que atua nas plataformas digitais há três anos, não tem confiança de que o regime CLT melhoraria as condições de trabalho. "Acho que, dessa forma, estipulariam muitas regras, nos limitando", disse. Nesse contexto, a facilidade em obter lucros, visto que os ganhos são semanais, está entre as vantagens da profissão.

 

 

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