As pedras portuguesas, como sugere o nome, surgiram em Portugal e logo chegaram ao Brasil, no início do século 20. Por aqui, a mais famosa calçada construída com os tijolos lusitanos feitos de calcário e basalto fica na orla da praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, com o mosaico em formato de ondas. Mas os desenhos não são uma exclusividade carioca. Brasília também dispõe de espaços com esse revestimento que, ao formar figuras, torna-se também uma espécie de arte urbana. Em Ceilândia, a equipe do Renova-DF iniciou, em julho, o processo de revitalização de calçamentos, com objetivo de resgatar a segurança da população e a estética da cidade.
A etapa de troca das pedras será feita a partir da Feira Central de Ceilândia até o 8º Grupamento de Bombeiro Militar, totalizando cerca de mil metros de revitalização. Uma equipe com mais de 20 alunos do projeto Renova-DF é responsável pela troca do calçamento. Os estudantes do ciclo de construção civil realizaram a retirada das pedras com defeito e as separaram em montes de entulho. O grupo manteve as que estão em bom estado e fará a integração do piso novo com o antigo, para reurbanizar o trecho.
Segundo a Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Renda do Distrito Federal (Sedet), a previsão para a conclusão da obra é em outubro deste ano. "Atualmente, estamos na Hélio Prates para fazer a reposição das pedras e a recuperação do canteiro central. Temos outros locais solicitados pela administração para revitalizar, mas só podemos fazê-lo após o término dessa área", explicou Marcos Barbosa, chefe da assessoria de comunicação da secretaria.
Apesar de o grupo de alunos estar repondo as pedras na região, de acordo com Barbosa, as obras públicas não estão entre as atribuições do projeto, que visa principalmente à qualificação profissional dos estudantes. "Para nós, a revitalização é tão somente um bônus, assim como a economia aos cofres públicos, em torno de 40% a 60% em algumas áreas. Além de dar celeridade às obras, não é aquele trabalho mais avançado e específico, mas oferece a recuperação dos espaços públicos", afirmou.
Delicadeza
A aplicação desse tipo de piso é muito comum na pavimentação de praças, parques, pátios e demais espaços públicos ou privados, com intuito de garantir beleza e delicadeza ao ambiente. Geralmente feita de calcário, as calçadas de pedras portuguesas têm cores predominantemente pretas e brancas.
Um dos instrutores do projeto, José Artur, 23 anos, conta como funciona o processo de instalação da calçada. "A pedra portuguesa tem o mesmo sistema de fundação de qualquer outro piso drenante. Utilizamos os mesmos insumos naturais que são terra, areia e cimento para ter uma colagem melhor das pedras juntas. Temos muita movimentação de pedestres e optamos por realizar com esses elementos para garantir mais sucesso em nossa revitalização", relatou.
Artur revelou que em um dos trechos o grupo optou por retirar o calçamento para realizar um novo design estético. "Fiz um projeto arquitetônico diferente do antigo e apresentei para os estudantes, que aceitaram muito bem. Agora, vamos manter segredo até o dia da entrega e esperamos que a população goste desse trabalho", contou com entusiasmo.
O curso trimestral dos alunos tem uma carga horária de 240 horas e começou há cerca de um mês. De acordo com o instrutor, a equipe está na segunda etapa do projeto que passou pelo ensinamento teórico e caminha, atualmente, para a parte prática. "Passamos as teorias sobre assentamento e construção civil, de forma clara, básica e suficiente para os alunos conseguirem praticar o conhecimento recebido" afirmou José Artur.
O instrutor declarou que até a finalização do curso a missão é deixar o caminho bem assentado para os pedestres andarem com segurança. "Estamos fazendo o assentamento com qualidade, afinal, sabemos que a pressa é inimiga da qualidade. Então, se levar um pouco mais de tempo, pedimos que a população entenda e veja que estamos fazendo um serviço com qualidade. Não são trabalhadores formais de carteira assinada, são alunos que estão aprendendo", observou.
Especialista em urbanismo da Universidade de Brasília (UnB), Frederico Flósculo destacou a importância de a instalação do piso ser feita de forma correta, para contribuir com a segurança da região. "Quase sempre é uma boa ideia colocar pedras portuguesas em nossas calçadas brasilienses. Mas essas aplicações devem ser bem colocadas, bem encaixadas, bem fixadas. Além disso, exigem imediata manutenção, sempre que alguma das peças do mosaico se soltar", explicou.
Flósculo alertou para a necessidade de preservar a integridade desse calçamento a fim de manter a estética dos espaços revitalizados. "Deve haver a eterna vigilância, em benefício de revestimentos que são muito resistentes e podem ser muito bonitos, em uma imensa diversidade de padrões. Com as pedras portuguesas, Ceilândia vai ficar cada vez mais chique e bonita", enfatizou.
Moradores
Rafael Rodrigues, 23 anos, motorista de aplicativo, contou que a obra ajudará na locomoção da população no trecho. "A calçada nova vai evitar acidentes. Porque tem muitas pessoas com deficiência física que passam aqui, muitos idosos, ciclistas e crianças. Eles ajeitando a via, vai facilitar para a população, principalmente para quem tem problema de se locomover", ressaltou.
Iran Elias do Nascimento, 70, disse que essa revitalização é muito bem-vinda para os idosos que caminham no trecho. "Essa obra está sendo muito importante, porque vai nos ajudar a caminhar com segurança. Além de ajudar na locomoção, ela vai deixar a nossa Ceilândia mais bonita e organizada. Essa obra precisava ser feita há um bom tempo, mas chegou em boa hora. Essa região é muito movimentada e com a calçada assim podemos andar despreocupados", comentou o aposentado.
Depois de se aposentar, Ronildo Cabral da Silva, 74, não deixa de bater ponto um dia sequer nos bancos do Centro de Ceilândia, que se tornam uma verdadeira arena de dominó. Ele espera que essa obra traga muitos benefícios para a população. "Esse projeto deixa a nossa cidade uma belezura. Ele ainda traz conforto para nós que precisamos caminhar nas calçadas. Por muito tempo o nosso dominó estava sendo prejudicado com o tanto de buraco que tem aqui perto. Essa obra demorou, mas finalmente chegou", disse.
Cabral brincou que se a equipe tivesse condições de colocar banheiros públicos nas proximidades iria ajudar os jogadores assíduos. "Aqui nós já temos a nossa mesa, as pedras de dominó, a amizade verdadeira e se tiver o banheiro, teremos tudo que precisamos por perto", afirmou.
Para Saber Mais
De Lisboa a Brasília
A calçada portuguesa, tal como a conhecemos hoje, surgiu em 1842, em Lisboa, quando foi feita a primeira calçada preto e branca, a calcário e basalto, de que há registro conhecido. O trabalho foi realizado por presidiários.
A primeira calçada artística portuguesa construída no Brasil foi a do Largo de São Sebastião, em Manaus, em 1901, cujo tema Mar Largo, executado primeiramente no Rossio Lisboeta, foi usado também no famoso calçadão de Copacabana.
Na construção de Brasília, as únicas pedras portuguesas que chegaram à cidade foram usadas na pavimentação da Praça dos Três Poderes e do piso ao redor do Palácio do Planalto e do Supremo Tribunal Federal, sem receber qualquer tratamento ornamental, pois as pedras eram exclusivamente brancas. Em 1972, a Novacap fez o primeiro calçamento com mosaicos decorativos na W3 Sul. Logo, as pedras portuguesas se espalharam por cidades como Taguatinga, Ceilândia e Brazlândia.
Saiba Mais
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